10/02/2010
Marcos Sá Corrêa*
O Show Rural Coopavel 2010 tem tudo, menos show. Não há vaga para duplas sertanejas em seus múltiplos palcos, todos reservados a palestras técnicas, até mesmo sobre investimentos em bolsa. Nem vida noturna. Seus pavilhões quilométricos fecham, pontualmente, às seis da tarde.
O Coopavel dorme com as galinhas. Mas o que menos se vê neles é galinha, para nem falar nos porcos e outros pratos fortes da criação caipira. Eles estão sendo varridos do cenário bucólico, como tudo que vem do tempo da ordenha manual e do boi no pasto. O Show Rural surgiu em 1989 para mostrar, aos próprios agricultores, que a agricultura não é mais a mesma.
Esta semana, ele abriu com 16 mil vagas para automóveis – e bota picape nisso – em seu estacionamento, restaurante com quatro mil lugares à mesa, 4,8 mil lotes reservados à demonstração concreta de experiências no campo e 3,5 mil pesquisadores à disposição de 150 visitantes que passam por lá a trabalho.
Não corre uma gota de álcool nas veias do show. Cerveja nem adianta pedir. Em compensação, os bebedouros com água gelada, copos descartáveis e marcas bem visíveis dos patrocinadores estão sempre a poucos passos de distância. Os banheiros públicos, escovados sem parar com panos de chão, cheiram a desinfetante até o fim do expediente. E não se vê lixo no chão.
“Pode procurar”, desafia o engenheiro agrônomo Rogério Rizzardi. Ele é o coordenador dessas feiras de amostras da Coopavel, que estrearam de maneira modesta há 22 anos, com 110 associados trocando informações, por um dia, no Centro Tecnológico de Cascavel, cidade nascida em 1938 que hoje tem 21 mil universitários.
Agora o show dura a semana inteira. Proclama-se o maior do mundo. Recebe governadores e políticos de longe. Mas suas estrelas continuam a ser as espigas “longas e cilíndricas” de um milho uniforme e dourado que, como legítimos produtos dos laboratórios de manipulação genética, atendem por nomes de robô em filmes de ficção científica, como BX 767, o superprecoce, ou o BX 970, notável por sua arquitetura de planta moderna.ais próximas de um palanque, só as máquinas. O trator H3000I, por exemplo, é tão alto que as conversas dos vendedores com os clientes desdenhavam as cadeiras do estande para se esconder do sol na sombra de seu chassi. O Auto Pilot RTK faz a colheita automática de cana-de-açúcar percorrendo sozinho, “com precisão de 2 a 5 centímetros” e “100% de paralelização”, os talhões marcados no GPS do painel.
Custa R$ 45 mil. E o vendedor reage ao menor sinal de espanto diante desse número, afirmando que “já tem muitos desses rodando aqui”. Claro, os pequenos produtores e assentados comparecem ao Show Rural com seus produtos orgânicos e artesanais. Mas parecem, entre máquinas provavelmente mais amplas que suas casas, uma montagem de época num espetáculo futurista.
Sem contar que a agricultura pesada vai mascando tranquilamente o jargão do ambientalismo. Seus prospectos andam cheios de palavras como sustentabilidade ou reciclagem. O que não impede a tecnologia das sementes clonadas e do agrotóxico de ir em frente, abrindo o caminho para a troca do desperdício poluente pela eficácia supostamente mais limpa.
Desta vez, ele coincide com uma safra que teve “o sol certo, a chuva certa”, segundo um dos campeões locais de produtividade. O rendimento médio por hectare cresceu mais de 30%. Vá se falar de aquecimento global com um barulho desses.
* É jornalista e escreve no blog marcossacorrea.com.br