29/01/2010 07:01:46 – O Estado do Maranhão
Nelson Brasil de Oliveira
A comemoração dos 200 anos do lançamento da primeira política industrial brasileira dotada de um sistema de patentes coincidiu com uma medida da maior importância para o resgate da dignidade do país nessa questão estratégica para o desenvolvimento: a proposta de Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada ao STF pelo procurador-geral da República contra o artigo 230 da Lei de Propriedade Industrial, que instituiu a patente pipeline e com isso engordou o faturamento de corporações transnacionais no Brasil em detrimento da indústria doméstica e do consumidor.
Solapar os empreendimentos produtivos locais para privilegiar interesses de fora era uma prática corrente na era colonial. Uma incipiente industrialização de ferro e algodão surgida no Brasil no século XVIII desagradou a Corte portuguesa, por fazer concorrência a seus negócios, e levou a rainha Maria I a decretar por alvará, em 1785, o fechamento de fábricas, manufaturas e teares que operavam aqui. Essa proibição começou a ser questionada com a transferência da sede da Coroa para o Brasil em 1808, que demandou a produção local de armamentos e munição. Assim, em 1809 – exatos 200 anos atrás – o então príncipe regente publicou novo alvará anulando o édito de Maria I e instituindo um sistema de patentes industriais no Brasil, como parte de um pacote de incentivos para o desenvolvimento da indústria local.
O édito do príncipe regente lançou os fundamentos de uma política industrial para o país baseada em isenções fiscais para matérias-primas destinadas à indústria e para seus produtos de exportação; o uso do poder de compra do Estado para incentivar a produção local; os subsídios às indústrias com dificuldades financeiras e criando direitos de patente por quatorze anos para a comercialização dos inventos registrados na Real Junta de Comércio e fabricados no Brasil. Aquela fase da evolução industrial brasileira, partindo do alvará do príncipe regente, focou o setor agroexportador – especialmente o café, que representava 70% das exportações brasileiras – além de carne e têxteis. A implantação de uma relevante indústria manufatureira no Brasil, bem como de uma indústria de base e produção de energia, somente veio a ocorrer após a Revolução de 1930 com Getúlio Vargas.
A inepta abertura comercial realizada pelo governo brasileiro nos anos 90 teve impacto semelhante ao do alvará de Maria I. Ela provocou o sucateamento da emergente indústria de química fina implantada no país na década de 80 com o apoio da portaria PI 04/84, instrumento que veio a servir de modelo de política pública para os países do leste asiático, então menos desenvolvidos e que hoje despontam como grandes exportadores mundiais de farmoquímicos e agroquímicos.
Com a eleição de Lula, em 2002, voltou à pauta a questão da retomada do desenvolvimento industrial do país. Mas foi somente no seu segundo mandato que os compromissos assumidos ao longo do primeiro começaram a se consubstanciar em medidas efetivas de apoio à indústria – não por acaso, focadas nos mesmos tópicos do alvará editado pelo príncipe regente há 200 anos: isenções tarifárias, financiamento subsidiado pelo Estado, uso do poder de compra do governo e incentivo à propriedade industrial num contexto de inovação tecnológica. Agora começam a ser forjadas as primeiras parcerias público-privadas na área da química fina, colocando laboratórios oficiais e a indústria farmoquímica privada a serviço da produção de medicamentos essenciais demandados pelo Sistema Único de Saúde.
Um desafio ainda a ser superado é o domínio da cadeia de suprimentos de alguns produtos mais relevantes, o que requer a implantação no país de uma indústria de intermediários químicos de síntese. Tal projeto esperamos que venha a se concretizar na montagem do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro, capitaneado pela Petrobras. Disponibilizar localmente cerca de duas dezenas de intermediários hoje importados estimulará a fabricação no país de inúmeros produtos da química fina cuja importação onera pesadamente a balança comercial brasileira, concorrendo para o atual déficit anual superior a oito bilhões de dólares.
Na atual conjuntura de crise internacional, o Brasil tem tudo para emergir como uma nação de primeiro mundo no estratégico segmento industrial da química fina. Com determinação e vontade política, certamente chegaremos lá.
Vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina (Abifina)