Produtos orgânicos: a ecologia das exportações 19/02/2009
Produção certificada e adaptada aos padrões internacionais de agricultura sustentável e comércio justo abre espaço para micro e pequenas empresas brasileiras no exterior
Em meio à recessão que atinge grande parte dos países desenvolvidos, há um tipo de produto cujas vendas não param de crescer: orgânicos que trazem a garantia de respeito a todos os atores da cadeia produtiva, em geral situados em comunidades de baixa renda. Esses produtos, conhecidos também como ecossociais, têm tido aumento anual de 15% a 20% nas vendas – estima-se que com o agravamento da crise no ano passado os números tendam a ser menos exuberantes, mas o crescimento continua. Produtores brasileiros têm aproveitado pouco as oportunidades desse mercado, mas isso começa a mudar, graças ao apoio de programas do Sistema CNI (Confederação Nacional da Indústria).
A Coopnatural, uma cooperativa de produtos têxteis cuja base é o algodão, já aprendeu a lição. Criada no ano 2000, em Campina Grande (PB), na Paraíba, como consórcio Natural Fashion, ainda hoje uma marca vinculada à entidade, a cooperativa se qualificou, cresceu e obteve excelência na produção de um algodão naturalmente colorido, graças às características da região em que é cultivado, entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte. É ali que brota o algodão do tipo seridó, considerado único no mundo, pela alta resistência, que resulta em tecidos mais finos e sofisticados, e pela diversidade de tons, que permitem a produção de roupas sem nenhum tingimento.
Com ajuda da Embrapa e de ONG s ligadas à agricultura, a Coopnatural tem uma produção hoje totalmente orgânica e ecossocial. A parceria de entidades como Instituto Euvaldo Lodi (IEL), CNI, Federação das Indústrias do Estado da Paraíba (FIEP), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), entre outras, ajudou a cooperativa a obter três certificações reconhecidas internacionalmente, e a trabalhar para conseguir mais duas. Também auxiliou no desenvolvimento de um projeto de franquias – dentro do âmbito do Procompi, da CNI -, cuja consolidação terá início neste ano, com a abertura de três lojas: em João Pessoa, São Paulo e no interior paulista, em São José do Rio Preto. A parceria ainda ajudou a levá-la a participar das principais feiras internacionais de orgânicos, com destaque para a Biofach, que nasceu na Alemanha e hoje está no Japão, Estados Unidos e Brasil.
A participação em feiras internacionais, que aumenta a cada ano, somada à obtenção das certificações que garantem a excelência do produto e à conformidade com os padrões internacionais de agricultura orgânica e comércio justo, levaram a Coopnatural a um boom de exportações: em um ano a cooperativa passou de uma inserção que se limitava a três países europeus para passar a exportar com força para dez países de três continentes: Portugal, Espanha, França, Itália, Inglaterra, Alemanha, Dinamarca, Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul.
“Antes das certificações as exportações eram 5% das nossas vendas, hoje chegaram a 40%”, conta a designer Maysa Gadelha, que fundou a Natural Fashion e preside a Coopnatural e o Sindicato das Indústrias de Confecção (Sindivest) da Paraíba. Só na Itália, as vendas têm 100% de aumento anuais, nos últimos quatro anos. Em 2009, as exportações deverão chegar a Taiwan e ao Canadá. Além disso, a Coopnatural aumentou sua inserção nos Estados Unidos, onde seus produtos podem ser comprados na Califórnia, nos estados do centro do país e na Flórida. Com isso, o crescimento das vendas da cooperativa tem sido próximo a 40% anuais, nos últimos dois anos: a Coopnatural fechou 2008 com um faturamento de R$ 3 milhões.
Certificações internacionais
A primeira certificação foi concedida pela Embrapa, que garante a qualidade da semente e do produto (fios de algodão) utilizados pela Coopnatural. As outras duas foram emitidas pelo Instituto Biodinâmico (IBD), do Paraná, única certificadora brasileira nesse âmbito reconhecida pelo mercado internacional. Isso traz a garantia de que os produtos são orgânicos e ecossociais. “Para ser considerado ecossocial é necessário ser orgânico, mas não só isso. O produtor precisa provar que atende a critérios como manejo correto do campo, justa remuneração e respeito às normas trabalhistas e aos direitos humanos”, conta Maysa.
Além das certificações que já conseguiu, a Coopnatural busca obter mais duas: a primeira é a de indicação geográfica por denominação de origem, emitida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), que elevará o algodão colorido brasileiro à mesma categoria dos vinhos Champagne e Bordeaux franceses, por exemplo. A segunda é a certificação emitida pela FLO-Cert, braço certificador da Fairtrade Labelling Organizations International (FLO), entidade formada por organizações de 20 países desenvolvidos, que se dedica a apoiar tecnicamente a implementação do comércio justo nos países pobres e em desenvolvimento da América Latina, África e Ásia.
Hoje, a Coopnatural é uma organização com 23 empresas, sete consultores e 22 associações e grupos autônomos, que representam um universo de mais de 800 pessoas empregadas. Em 17 municípios, 150 pequenos agricultores, em sua vasta maioria assentados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), têm sua produção voltada para a cooperativa, sempre com a preocupação de levar sustentabilidade às famílias. “Se o agricultor planta um hectare de algodão, planta o mesmo de feijão, por exemplo, para seu próprio consumo”, explica Maysa.
A adesão da Coopnatural ao projeto Gestão Estratégica Orientada para Resultados (Geor), do Sebrae, também impulsionou o processo de aquisição de excelência e obtenção das certificações. O projeto se baseia no desenvolvimento e aplicação de uma metodologia de gestão que é periodicamente monitorada, além do apoio à obtenção das certificações, trabalho que é realizado com apoio do IEL e FIEP. De acordo com a economista Jeanne D Arc Nóbrega Quinho, gestora do Geor, o primeiro monitoramento mostrou ótimos resultados: aumento de cooperativas de tecelões, grupos de artesãos e de produtores rurais.
“Buscamos o resgate dessa cultura de algodão na Paraíba. O estado já foi um dos maiores produtores do País, mas, com o tempo, isso acabou”, afirma Jeanne D Arc. “Queremos que esse resgate ocorra de uma forma ecológica e socialmente correta. Por isso trabalhamos a inovação, no campo, na indústria e no artesanato, procurando fazer com que a qualidade de vida das pessoas melhore”.
Com o Procompi, a Coopnatural se tornará a primeira rede de franquias ecologicamente sustentável do Brasil, afirma Luciana Rabay, consultora de Relações Internacionais da cooperativa e responsável pela implantação do projeto de franquias. As 120 lojas em todo o Brasil que oferecem os produtos Coopnatural/Natural Fashion terão prioridade para adquirir a franquia, que já é solicitada por revendedores em Tocantins, Maceió, Belém, Londres e Miami. “Nosso diferencial é a sustentabilidade. Todo o mobiliário das lojas terá madeira certificada, e a campanha de lançamento vai enfatizar o conceito de franquia inovadora, as vantagens da agricultura orgânica, do comércio justo e do consumo consciente”, explica.
Apoio do Sistema CNI
Ao todo, foram investidos R$ 200 mil no Procompi, com recursos da CNI, Sebrae e FIEP, em ações gerenciadas pelo IEL com a parceria do Senai da Paraíba. “Realizamos ações de capacitação para operadores de vestuário, workshops de gerenciamento, consultorias em programação, planejamento e controle de produção, e ainda com a estilista Liana Bloisi, que criou coleção inédita baseada nas peculiaridades da Coopnatural”, explica Kênia Sâmara Quirino, superintendente do IEL e assessora de Desenvolvimento Industrial da FIEP.
O sucesso da Coopnatural pode também ser o de muitas outras cooperativas e empresas dedicadas aos produtos orgânicos no Brasil, afinal a demanda por produtos ecossociais está longe de ser atendida. É o que sustenta Ming Liu, coordenador executivo do projeto Organics Brasil, desenvolvido pelo Instituto de Promoção do Desenvolvimento (IPD), do Paraná, com apoio da Apex, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). O objetivo do projeto é criar condições para a inserção de empresas brasileiras produtoras de orgânicos no mercado internacional. “Sem a certificação é muito difícil achar comprador estrangeiro”, observa Liu.
A demanda por certificação de produtos orgânicos e ecossociais no Brasil ainda é maior em função da exigência externa do que da interna, alerta Alexandre Harkaly, diretor do IBD. Segundo ele, 80% dos pedidos encaminhados ao instituto são para exportação. “Quase não há demanda interna por produtos ecossociais”, diz Harkaly. De 1990 a 2009, o IBD concedeu 1.200 certificações, a maior parte para produtos orgânicos.
A certificação de produtos ecossociais começou somente há dois anos, por causa da pressão das empresas importadoras, principalmente da Europa e Estados Unidos. “As empresas desses países querem que os produtores brasileiros de orgânicos comprovem que desenvolvem ações sociais e ambientais e de comércio justo”.
Participam do Organics Brasil 70 empresas, que, juntas, desenvolvem 500 projetos de produtos orgânicos e ecossociais com certificados válidos no mercado internacional, emitidos pelo IBD, IMO, Ecocert, BCS e Control Union – os quatro últimos são instituições estrangeiras com escritórios no Brasil. Uma mesma empresa pode participar de vários projetos, e nem todos são voltados à exportação. O Organics Brasil começou há três anos e meio com apenas dez empresas e já investiu quase R$ 10 milhões na promoção da exportação dos produtos orgânicos brasileiros.
Eduardo Caldas, gestor da Apex para o Organics Brasil, alerta para o fato de os dados brasileiros ainda serem incompletos. A declaração do exportador é um ato voluntário, que começou a ser estimulado pelo MDIC a partir de 2006. “É um setor que ainda está se organizando no mundo todo. As empresas informam apenas voluntariamente que suas exportações são de produtos orgânicos”. Segundo o último balanço disponível do MDIC, em setembro de 2008, 31 empresas declararam exportar produtos orgânicos. Desde agosto de 2006, esse tipo de exportação somava 37,7 kg e US$ 26,7 milhões, a maior parte de soja e derivados.
A FLO-Cert, que em todo o mundo já certificou pouco mais de 600 organizações em países da América Latina, África e Ásia, no Brasil só emitiu certificados de comércio justo para 22 empresas, fabricantes de quatro tipos de produtos: café, castanha do Brasil, sucos de frutas e frutas frescas. Para o algodão existem duas empresas pleiteando a certificação – a Coopnatural é uma delas. “Acredito que o Brasil tem muito mais potencial para essa certificação, não somente para aumento do número de empresas como também do leque de produtos certificados”, avalia Darana Souza, coordenadora regional da organização para Brasil, Bolívia e Argentina. Segundo ela, os principais mercados brasileiros com potencial para obtenção da certificação de comércio justo são a produção de mel, castanha de caju, algodão e soja. Os custos concentram-se na etapa de solicitação (500 euros), nas visitas de inspeção, que começam por 1.200 euros e podem sofrer acréscimos, e nas taxas anuais, que variam de 400 euros a 3.100 euros, de acordo com o tipo de produção e a região.
Regulamentação dos orgânicos começa a vigorar neste ano
O conhecimento do universo de orgânicos no Brasil ainda é incipiente, mas deverá estar consolidado até o final deste ano. O processo de regulamentação do setor teve início com a aprovação, no ano passado, da Lei 10.831. Além da lei, já foram baixados um decreto e duas instruções normativas sobre o tema, e mais três entrarão em vigor neste mês. “Todas as empresas produtoras de orgânicos têm até o final do ano para se adequar às normas. Quem não estiver regular não vai mais poder vender seu produto como orgânico”, avisa o coordenador de Agroecologia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Rogério Dias. “Teremos, então, estatísticas verdadeiras sobre o setor. Temos certeza de que a realidade é muito superior aos números conhecidos”.
O Ministério da Agricultura estima que existam 15 mil produtores de orgânicos no Brasil. O único estado que fez um levantamento oficial é o Paraná, que soma mais de 4.000 produtores, o que para Dias é uma indicação de que a estimativa nacional é baixa. “Os dados do Paraná sugerem que um único estado possui mais de um terço da produção de orgânicos brasileira, mas, provavelmente, quando for feito um levantamento nacional com a qualidade do que os paranaenses fizeram, o resultado será outro”, compara. Já a partir de fevereiro, serão distribuídos em todos os estados brasileiros quatro tipos diferentes de cartilhas para divulgar a necessidade de regulamentação. O trabalho será feito com a ajuda das Comissões de Produção Orgânica, quase 400 em todo o País. Elas explicam os mecanismos de controle existentes, como organizar o controle social e, para o consumidor, o que é um produto orgânico e como identificá-lo.
Para Ming Liu, do programa Organics Brasil, a regulamentação será um estímulo para as empresas aumentarem sua produção, pois a demanda interna crescerá. “Nos países onde houve a regulamentação, o consumo de orgânicos cresceu muito”, afirma ele, acreditando que a regulamentação trará mais fiscalização e, com isso, mais confiança do consumidor na qualidade dos produtos orgânicos.
A Lei 10.831 estabelece três mecanismos de controle para que os produtores de orgânicos entrem no mercado. Cada um poderá escolher a qual sistema se filiar. Dois mecanismos formam o Sistema Brasileiro de Avaliação e Conformidade Orgânica, que estabelece certificações por auditorias. Um terceiro mecanismo é o controle social, que só pode ser aplicado em ocasiões de venda direta do produtor ao consumidor final. Nesse sistema, os produtores têm que estar organizados entre si, por meio de entidade cadastrada no Ministério da Agricultura. Segundo Dias, o mecanismo de controle social é válido para localidades mais isoladas, onde a certificação é o próprio cadastramento da organização ou cooperativa junto ao Ministério da Agricultura. O comprovante deverá ficar exposto para o consumidor. “Qualquer outro mercado deverá entrar no Sistema de Avaliação e Conformidade Orgânica, e passará a utilizar um selo específico”, avisa.
Na certificação por auditoria, o organismo certificador deverá verificar se o produtor está adequado às normas brasileiras. Já no Sistema Participativo, a certificação é realizada pelos Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade (Opacs), constituídos por agricultores, produtores e técnicos, que também têm que ser credenciados. “A legislação brasileira é flexível, permitindo ao produtor se adequar à realidade que está vivendo”, avalia Dias. Atento à demanda, o Senai do Paraná lançou ano passado uma ação específica de promoção de segurança de alimentos orgânicos. Por enquanto ainda um projeto-piloto, iniciado em novembro de 2008, a ação está sendo desenvolvida pelo Senai, a Federação das Indústrias do Paraná (Fiep) e o Parque de Tecnologia Social (PTS), instituição do sistema voltada à promoção de ações de responsabilidade social. O objetivo do projeto é capacitar aproximadamente 200 pequenos empreendimentos da região do município de Doutor Ulysses, dentro do Sistema de Boas Práticas em Segurança Alimentar na Produção de Orgânicos.
“A ideia é capacitar a produção, empacotamento, transporte, revenda e até mesmo o consumidor, que aprenderá a identificar e manipular os alimentos”, explica Sérgio Motta, gerente do Programa Alimentos Seguros do Senai nacional. Segundo ele, trata-se do primeiro programa brasileiro voltado para essa finalidade, com a implementação de consultorias, treinamentos, desenvolvimento de conteúdos e tecnologias. Até agora foram investidos aproximadamente R$ 96 mil no projeto-piloto, cuja experiência servirá para sua ampliação para o resto do País.
Para enfatizar a importância da iniciativa, Motta lembra o recente problema enfrentado pelo Brasil com a exportação de mel para a Europa, que em meados de 2007 foi interrompida, sem aviso prévio, por falta de certificação. O prejuízo foi enorme, pois 85% do mel exportado pelo Brasil vai para o continente europeu. Com o excedente na produção, o preço no mercado interno caiu a um quarto do que era antes. “Incluímos essa ação de capacitação dos produtores no Plano de Ação de 2008 e até junho conseguimos certificar aproximadamente 70 empresas. O mercado europeu voltou a se abrir para nós”, afirma.
(Fonte: Revista CNI – Fevereiro de 2009)