A longo prazo, TJ de São Paulo vai gerenciar quase 70 milhões de processos
17/01/2010 18:01:04 – Última Instância
O arquivo do Tribunal de Justiça de São Paulo conta com 67milhões de arquivos, todos processos transitados em julgado —quando não cabemmais recursos. A maior parte deles está em mãos de empresas terceirizadas, maso restante encontra-se em uma antiga fábrica de colchões no bairro do Ipirangadesde 1999. A guarda destes documentos gera uma despesa de R$ 2,5 milhões pormês ao Estado, que deve em breve começar a classificar e dar o destino corretoaos processos.
Todos os processos até 1980 serão guardados como documentoshistóricos, o que significa que serão conservados. Em parceria com o Arquivo Públicodo Estado, cerca de 7.000 processos já foram encaminhados para a preservação ecatalogação. Isso porque, o arquivo do TJ não tem vocação de biblioteca: nãotem profissionais com este grau de especialização e muito menos um ambienteclimatizado para conservar os documentos históricos.
Mais de 200 pessoas vão aos arquivos por dia —para realizarpedidos de desarquivamento ou em busca de informações históricas.
De acordo com Angela Caniato, coordenadora dos arquivos doTJ, os visitantes buscam provas para outros processos, sentenças de títulosexecutivos e judiciais. A esperança é poder provar direito a recepção dealimentos, paternidade, realização de inventários, direito a propriedade,enfim, resolver conflitos difusos e particulares. “Não é um arquivo morto”,afirma a coordenadora.
Em 1994, os processos eram guardados em armazéns na VilaLeopoldina. Mas, com o passar do tempo, o espaço ficou insuficiente. Assim, aadministração do TJ entendeu que a terceirização da guarda dos processos erauma possibilidade e, mediante licitação, contratou a Recall. Chegaram a cogitaro Fórum João Mendes, mas, por ser vertical, não comportaria tanto peso. E naBarra Funda também não há espaço para a guarda de documentação.
A resolução 438 do TJ paulista estabelece a guarda, apreservação e o gerenciamento dos processos. E é o que vem sendo feito, comoafirma a coordenadora e também conselheira do Proname (Programa de Preservaçãode Memória do Judiciário).
Até abril de 2010, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) irálançar o Programa com o objetivo de criar um padrão de gestão de documentos noPoder Judiciário. Para isso, estão sendo realizadas reuniões para estabeleceros padrões de guarda e classificação dos materiais e definir quais são osdestinos dos arquivos.
O CNJ pretende ainda estabelecer uma tabela deperiodicidade, com o tempo de prescrição de cada processo, de acordo com o ritoda historicidade e o valor jurídico. Para isso, conta com o trabalho de doishistoriadores e de associações de preservação.
Angela explica que esses processos, principalmente os maisantigos, são muito importantes porque mostram a identidade do Poder Judiciário.”Temos inventários que descrevem tudo que a pessoa possuía com riqueza dedetalhes como imóveis, obras de arte, todos os bens”, destaca a coordenadora.
Além de atender a população, o arquivo do TJ no Ipirangarecebe também cerca de 10 pesquisadores por mês. Porém, apenas as ações que jáforam desarquivadas estão informatizadas. Isso significa quando alguém solicitaum processo, se ele ainda não foi procurado, terá de ser localizado manualmenteatravés de números enviados pelos tribunais. Para ter acesso é preciso saber deonde é a documentação e o número da caixa onde ele está guardado.
Se alguém procurar um inventário e sabe apenas em que ano a pessoa morreu, aprocura começa nos livros de distribuição da época. Porém, não existe acatalogação e é preciso abrir caixa por caixa. “É um trabalho de garimpo”,observa Angela.
História
A pesquisadora e professora aposentada de economia da Unesp Maria Alice Rosa Ribeiro, estuda o padrão de acumulação dos fazendeiros de 1850a 1930. Ela conta que através de inventários de fazendeiros pode-se saberquanto cada um possuía na época. Ela relembra que a economia era sustentadapelo plantio de café, e depois da crise de 29 os produtores passaram adiversificar seus investimentos. Com quase 630 páginas manuscritas, oinventário do Conde do Pinhal, Antonio Carlos de Arruda Botelho, descreve emdetalhes tudo que ele deixou em vida.
“Estes arquivos são muito importantes, é precisoconservá-los para futuras pesquisas”, reforça a pesquisadora.
O processo mais antigo já informatizado que se sabe é oinventário de um padre de 1767, também manuscrito com seus pedidos pós-morte. Opapel corroído pelo tempo é um documento que conta a história do Judiciário. Aindapode haver mais antigos, mas ainda estão guardados ou não foram informatizados.
Para informatizá-los é necessário ler o processo inteiro e passar asinformações para o computador, mas a letra rebuscada da época dificulta. Paraler uma página inteira do português arcaico pode-se demorar uma hora.
Os processos antigos contam também como era a estrutura doJudiciário na época. Era comum os juízes darem sentenças de forma poética, comlinguagem rebuscada, também pela proximidade de magistrados com a literatura.Grandes escritores também foram da área jurídica.
A tríade composta pelo juiz, advogado e promotor, nãoexistia. No processo de 1770 contra escravos que haviam fugido de seussenhores, só consta um juiz de Portugal, o chamado juiz de fora, e existiaapenas o Tribunal de Apelação.
O arquivo possui também documentos nos quais advogados quefizeram história atuaram como o caso de, conhecido por ter advogado em defesa dos escravos. O arquivo possuiainda processo de crimes famosos, como o da Rua Cuba, contra Chico Picadinho, oBandido da Luz Vermelha e muitos outros.