2010 será o princípio do fim?
Empenhar-se na produção de balanço da atividade cafeeira assim que ocorre a troca do calendário é algo anacrônico, pois, todos sabem que o ano cafeeiro não guarda qualquer correspondência com o fiscal. Tampouco, omitir-se diante dos inúmeros pedidos que surgem solicitando para se apreciar o ano que findou e se vislumbrar os fatos que estão porvir, pode transparecer uma atitude de descaso frente ao atual momento histórico que, em raras vezes, se mostrou tão paradoxal.
Não há mais o que se dizer sobre a crise econômica que permeou 2009. A única parte incompreendida do colapso passado consiste no descaso diante da necessidade de se engendrar um novo capítulo da história do sistema econômico, muito mais concertado e, especialmente, com regras de transparência tenazmente perseguidas. Todavia, os excessos que redundaram na última crise estão recompostos e caso um novo castigo venha no horizonte a raiar, encontrará nações contabilmente esgotadas e agentes financeiros ainda esfrangalhados. Enquanto os donos do poder (leia-se banca financeira), assim pautarem sua conduta torna-se difícil imaginar que tipo de abismo seria necessário para inculcar nessa casta uma vaga possibilidade de reconversão.
Se as regras de operação do sistema financeiro fossem o único elemento carente de concerto até poderíamos nos considerar salvos do purgatório. A conferência sobre o clima confirmou a incapacidade das nações pactuarem estratégias coletivas diante de problema que já aterroriza os países insulares e os aturdidos habitantes dos Países Baixos. A severidade dos distúrbios climáticos e os prejuízos que contabilizam (materiais e humanos), associados à forte mobilização da sociedade civil deveriam bastar para que fosse ao menos decretada a adoção de uma espécie de “princípio de precaução”. Numa demonstração clara de procrastinação, nada se decidiu e para o próximo encontro novamente veremos levantarem-se os cartazes “agora ou nunca”!
No mercado de commodities muitos novos fatos podem ser registrados. A aderência dos índices das commodities (metálicas e agrícolas) com o mercado de ações das empresas é talvez aquele que mais se distingue. Ainda que apenas 1% da movimentação financeira diária de bolsa esteja destinada às commodities, essas, agora, além de se impregnarem de todas as oscilações decorrentes da insegurança climática que ano a ano se potencializa, passam também a refletir os melindres dos balanços maquiados e dos esqueletos de armário, exemplificados pelos inúmeros desmantelamentos de potentados bancário-industriais que se enfileiraram no passado recente. O que se pode esperar de um mercado que já era imensamente volátil mediante os perversos rótulos que a ele agora se aderem?
Sem freios nem arreios, o apetite chinês catapulta as cotações para patamares que fazem do mercado de commodities o porto seguro da banca internacional. Entretanto, a recuperação da economia mundial ainda depende de cotações do petróleo comportadas, algo que não se observou em 2009, quando o produto exibiu aumento superior a 80%. Ainda que os novos megacampos iniciem a extração e a oferta comece a exceder a procura, há um hiato temporal que pode, novamente, conduzir esse mercado a situações insanas e altamente prejudiciais à tênue recuperação econômica que procura atravessar terreno pantanoso.
A deterioração da cotação do dólar e o atrelamento do yuan a esse movimento, promovem distorções no comércio mundial que fazem todo o resto do globo padecer. A especialização da economia brasileira em matérias primas e suprimentos básicos já parece ser uma tendência consolidada. Excelente para o competitivo agronegócio doméstico, porém, péssimo para a nação agora chamada de emergente.
Assim, 2010 se inicia carregando uma contradição fenomenal: mercado de commodities em fase ascensional e economia global ainda combalida e com reais possibilidades de levar a cabo um segundo tombo. O comércio de café recebe influências das duas realidades: cotações em dólar pressionadas (especialmente do arábica) e mercados compradores ainda cautelosos, ressabiados que se encontram pelas taxas de desemprego, calotes em dívidas, ruínas das pensões e tesouros nacionais combalidos pelo montante das transferências exigidas pela banca financeira.
Portanto, 2010 não será, mas é realmente o princípio do fim! O horizonte para o cafeicultor ganha contornos favoráveis para que estejamos algo mais esperançoso. Pode ser o fim do longo ciclo de cotações quase que ridículas frente aos custos de produção suportados pela maior parte dos sistemas produtivos. A única ameaça é a majoração do salário mínimo, pois nele há o potencial de corrosão do possível ganho nas cotações. Talvez, o mesmo possa não ser verdadeiro para os solubilizadores que se lamentam por mais um ano sem ver seu legítimo pleito (draw back) estampado em diário oficial. Mas o café é apenas mais um produto, dentre dezenas de milhares de outros itens que formam o sistema econômico. Esse ainda se encontra trespassado pela covarde lança da desbragada cobiça, verdadeiro mau que precisaria de realinhamento para que o fim da via crucis cafeeira se assentasse sobre terreno duradouro e não sujeito a avalanches como aquelas que estamos bovinamente a assistir. Antes disso, espera aí. Acaba de chegar a previsão da CONAB que não custa espiar.
Celso Luis Rodrigues Vegro
Eng. Agr. MS, Pequisador do IEA
celvegro@iea.sp.gov.br