Dinheiro Rural
O Brasil detém nítida vantagem comparativa no agronegócio e tem muito a ganhar com a liberalização do comércio internacional de produtos agrícolas. A Organização Mundial do Comércio (OMC), e particularmente a Rodada de Doha, representam a melhor oportunidade da presente década para melhorar as condições de acesso a mercados dos nossos produtos, via redução de tarifas e eliminação de subsídios. O Brasil já é o terceiro maior exportador agrícola mundial, atrás dos Estados Unidos e da União Européia, liderando o comércio mundial de açúcar, etanol, café, carnes bovina e de aves, suco de laranja e tabaco. Neste momento, as atenções do agronegócio se concentram na 6ª Reunião Ministerial da OMC, que acontecerá em Hong Kong, de 13 a 18 de dezembro.
Até recentemente, as expectativas sobre esse evento eram bastante sombrias. O quadro mudou em 10 de outubro, quando EUA e União Européia explicitaram suas propostas em cada um dos pilares da negociação agrícola: acesso a mercados, apoio doméstico e competição das exportações. Até aquele momento, apenas o G-20 havia colocado sobre a mesa propostas formais para cortes em subsídios e tarifas. Criado às vésperas da fracassada reunião ministerial de Cancún da OMC em 2003, o G-20 é uma coalizão que agrupa os principais produtores, consumidores, exportadores e importadores de produtos agropecuários do mundo em desenvolvimento. A principal missão do G-20 é reduzir os subsídios dos países desenvolvidos. O grupo tem feito um grande esforço para apresentar propostas coerentes e construtivas para o avanço do pacote agrícola na OMC. Na realidade, nas últimas semanas houve avanços importantes na parte técnica da agenda agrícola. Já existe forte aproximação das metodologias propostas para o tratamento das tarifas e subsídios por parte dos EUA, UE e G-20. Persistem, no entanto, diferenças nos cortes que cada um gostaria de ver adotados em cada tema sensível.
No momento, a ambição dos cortes propostos reflete apenas posições confortáveis dos países que mais protegem e subsidiam os seus agricultores. Mas, como estamos negociando para ampliar substancialmente as atuais condições de acesso, os cortes propostos pelos principais players das negociações ainda são insuficientes. Na realidade, tais cortes atingem apenas a “água” nos subsídios e tarifas. No jargão negociador, “cortar água” significa reduzir apenas as tarifas e subsídios máximos consolidados na OMC, sem atingir os níveis efetivamente aplicados. Sem uma redução substancial nos níveis correntes de proteção, não há haverá melhores regras do jogo e ganhos de comércio.
Um complicador nesta Rodada é que’ está sendo difícil o Brasil conseguir a implementação de dois painéis na OMC, nos quais obteve vitória contra os EUA (no algodão) e contra a União Européia (no açúcar). Ambos têm se recusado a eliminar subsídios que foram condenados. Ou seja, o Brasil ganhou, mas não levou! Por isso, o Brasil não deve aceitar que as negociações avancem sem a implementação dos resultados daqueles dois painéis. É hora de implementar as decisões da OMC em Washington e Bruxelas, e não de renegociá-las nas mesas da Rodada de Doha em Genebra.
Essa exigência e coerente com a tentativa de manter a ambição contida no Mandato de Doha. Tal mandato foi estabelecido no lançamento da Rodada em 2001 no Catar e tem como premissa sanar as deficiências da Rodada Uruguai na área da agricultura, que prejudicam interesses de países em desenvolvimento como o Brasil. A Rodada Uruguai liberalizou pouco os mercados e criou toda sorte de válvulas de escape para a manutenção do protecionismo agrícola. A agricultura brasileira torce para poder comemorar bons resultados para esta fase crucial da Rodada nas festas de final de ano!
*MARCOS JANK , Professor da USP e Presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais