ENTREVISTA – O café brasileiro na visão de Mané Alves da Specialty Coffee Association of America (SCAA)

26 de novembro de 2009 | Sem comentários Entrevistas Mais Café


O especialista em cafés especiais esteve na Ufla, onde ministrou curso


Mané Alves, reconhecido especialista em cafés especiais e membro do Comitê de Normas Técnicas da Specialty Coffee Association of America (SCAA)26/11/2009 – Em visita ao Brasil na semana passada, 19 e 20 de novembro, Mané Alves, reconhecido especialista em cafés especiais e membro do Comitê de Normas Técnicas da Specialty Coffee Association of America (SCAA), ministrou curso de torra para cafés especiais a uma turma seleta de juízes brasileiros. O curso foi realizado no Polo de Tecnologia em Qualidade do Café, na Universidade Federal de Lavras (Ufla). A realização do curso foi iniciativa do professor Flávio Meira Borém, referência em qualidade de café e do especialista em cafés especiais da Embracoffee, Messias Lima         Ribeiro e contou com o patrocínio do programa Nucoffe, da Syngenta.


O trabalho de Mané Alves na SCAA focaliza o estabelecimento de normas para as indústrias de café, visando tornar mais técnica a classificação de café que tem forte cunho sensorial. A ideia é fazer com que os países produtores e países consumidores falem a mesma língua quanto à classificação sensorial de café.


Português de origem e americano por opção, Mané Alves é conhecido no Brasil por ser o instrutor do curso “SCAA Cupping Judge”, de formação e de especialização de juízes credenciados pela associação americana. Também é proprietário da Coffee Lab International, empresa especializada em degustação de cafés especiais que garimpa os melhores cafés em todo o mundo.


Aproveitando a primeira visita de Mané Alves à Ufla, o Polo de Excelência do Café (PEC/Café) tentou capturar a imagem do café brasileiro no mercado americano, sobre as conquistas, dicas para potencializar nossa qualidade e como conquistar novos canais de comercialização.


Veja os pontos principais levantados por um dos maiores provadores de cafés especiais do mundo, que acompanha a trajetória brasileira há 18 anos:


PEC/Café: Nós brasileiros orgulhamos da evolução do nosso café quanto à qualidade, esta melhoria é percebida lá fora?


Mané Alves: Até cinco anos atrás o café brasileiro tinha uma imagem ruim quanto à qualidade. Esta imagem continua junto ao consumidor americano, mas o que importa é a transformação desta imagem junto ao torrefador americano, que melhorou muito nos últimos anos. Eles sabem que o Brasil tem cafés de qualidade superior. O problema é que muitos não compram este café por causa do preço. Eles usam o café do Brasil para formar um blend, mas não destacado como origem única. Infelizmente o café brasileiro que é comprado pelos Estados Unidos não é o café de melhor qualidade. Isto porque o processo de torra utilizado nos EUA permite o uso de um café que não seja de qualidade superior, de modo que seja extraído o máximo de seu potencial.


PEC/Café: Então a tecnologia de torra também passa a ser um concorrente?


Mané Alves: Sim, e isto é possível por que existem técnicas de torra e moagem adequadas que conseguem retirar do café o seu melhor. O ideal seria que fosse comprado o melhor café do Brasil e fazer uma torra perfeita para este café. Sem truques. Hoje o preço é o fator mais limitante para isto, sobretudo pela valorização do real frente ao dólar.


PEC/Café: Assim, qual seria a melhor estratégia para o Brasil conquistar este mercado de cafés especiais?


Mané Alves: Já existem muitas coisas interessantes, como os concursos de qualidade e cursos de treinamento. Porém, o mais importante é ter provadores capacitados para atestar esta qualidade diferenciada. É preciso aumentar o número de juízes credenciados internacionalmente, com parâmetros de calibração com cafés produzidos em outros países. Isto porque o provador brasileiro só prova o café do Brasil e ficando sem parâmetros de comparação. Hoje são cerca de 50 juízes brasileiros credenciados pela SCAA. Este número é pequeno quando se trata do maior produtor de café do mundo. Em breve, nós iremos trazer ao Brasil alguns juízes SCAA para visitarem as principais zonas produtoras para identificação de qualidades diferenciadas. Este é um trabalho importante para os países produtores.


PEC/Café: Você acha que existem cafés excepcionais vendidos como comum?


Mané Alves: Acredito que tenha muito café excepcional sendo vendido misturado aos cafés commodities. O produtor deve separar o seu melhor café, nem que sejam apenas 10 sacas. O Brasil deve descobrir onde estão os seus melhores cafés, que deve estar aliado ao quesito de raridade que é fundamental no segmento de “specialty”.


PEC/Café: Se no futebol nossa briga é com a Argentina, em café nosso concorrente é a Colômbia. Como é a visão do mercado americano sobre estes dois países?


Mané Alves: São completamente diferentes. A diferença é que a Colômbia gasta cerca de 15 milhões de dólares anualmente para o marketing do café colombiano nos Estados Unidos. Para o consumidor americano, ele é o melhor café do mundo. A Colômbia tem propaganda e tem qualidade. O Brasil tem qualidade, mas não investe 15 milhões por ano para melhorar a sua imagem. Mas existe uma diferença entre o que o consumidor final pensa e o que o torrefador pensa. Entre as torrefadoras há lugar para os dois tipos de café. Neste setor a mudança já aconteceu.


PEC/Café: Os concursos de qualidade servem como uma vitrine?


Mané Alves: Sim, mas são um pouco frustrantes do ponto de vista do produtor. Isto porque em um ano você pode ter uma qualidade excepcional, mas não se repetir nos próximos anos.


PEC/Café: Quais seriam os passos para se alcançar um café de qualidade excepcional pela metodologia SCAA?


Mané Alves: O primeiro passo seria separar a safra por variedades. Depois separar “talhão”, sobretudo de altitudes diferentes. Não se pode misturar café a 1200 metros com cafés cultivados a 900 metros. Este café também deve ser provado na fazenda, de preferência, amostra “cega”. Mas este trabalho deve ser feito todos os anos, pois traz uma representação gráfica específica daquelas condições. Este ano, por exemplo, a amostra sensorial não seria representativa devido ao volume de chuvas. Ao invés do produtor identificar o café de melhor qualidade de sua propriedade e fazer as combinações certas, ele está preocupado com a variedade que vai produzir mais. Assim, se ele focalizar a quantidade vai ter um café commodity. Nada contra, pois existe um mercado para este tipo de café. Existe também um fator muito importante que é a sorte. Quer dizer, produzir em uma região adequada, receber a quantidade de água correta, ter boa altitude.


PEC/Café: Minas Gerais é um Estado privilegiado?


Mané Alves: Minas Gerais tem muitas regiões de qualidade. Mas lá fora este café na maioria das vezes chega apenas como café do Brasil (qualidade Santos). Quando falamos de zonas demarcadas, como Sul de Minas ou Cerrado, são canais de comercialização específicos que já conhecem a qualidade de determinada região.


PEC/Café: Que café Mané Alves toma?


Mané Alves: Depende do período do dia. Pela manhã, sempre tomo um esspresso e, assim, certamente terá de 50 a 60% de café do Brasil. Na parte da tarde tomo café de filtro e, neste segmento, existe apenas uma marca de café do Brasil, com variações de região. No ano passado este café era do Cerrado de Minas, mas varia de ano para ano.


PEC/Café: A indústria americana é sensível à certificação?


Mané Alves: Se estamos falando das cinco grandes companhias dos Estados Unidos, eles têm cafés certificados, principalmente Fair Trade e Rainforest. O consumidor identifica apenas como o símbolo preto e branco (Fair Trade) ou da ranzinha (Rainforest). Para mim a certificação mais importante é a orgânica. O consumidor americano está cada vez mais preocupado com a alimentação. Neste ponto, acredito que o café orgânico tenha muito potencial de crescimento. As informações partem do Pólo de Excelência do Café.

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