De São Paulo
Sem que muitos
agricultores brasileiros soubessem, seu destino estava sendo decidido em Paris,
em outubro do ano passado. Lá acontecia a 6ª reunião EurepGap, congregando 480
delegações de mais de 50 países – incluindo o Brasil. Os debates que ocorreram
em torno das exigências para a certificação de alimentos exportados ao mercado
europeu afetam a todos os fornecedores no planeta.
Na busca por uma
convergência de normas de comércio exterior, o EurepGap tem um forte apelo: essa
organização sem fins lucrativos (Ong) é formada por trinta grandes varejistas
globais (com presença na Europa) como Tesco, McDonald’s e Ahold e, portanto, tem
o poder de “persuasão” sobre toda a cadeia produtiva. Um elo frouxo põe tudo a
perder.
As suas “boas práticas” vêm sendo seguidas por empresas no mundo
inteiro, mesmo que não estejam apenas interessadas em vender à Europa. Hoje, 35
mil propriedades adotam os procedimentos EurepGAP, em 1 milhão de hectares
espalhados por todos os continentes. O número de países que se enquadram nessas
normas pulou de 18 em 2002 para 62 em 2005.
Há uma tentativa, na medida
do possível, de harmonização no processo de rastreabilidade, de forma a evitar a
duplicidade de controles. “Discute-se agora a adoção de um GlobalGap”, afirma
Marcelo Rocha Holmo, presidente dos grupos de trabalho brasileiros no EurepGAP,
que explicou como funciona este sistema no seminário “Rastreabilidade de
Alimentos: Segurança, Qualidade e Competitividade”, promovido pelo Valor,
segunda-feira, em São Paulo.
O EurepGap surgiu como uma reação à crise da
vaca louca. Com a insegurança que se espalhou entre os consumidores, os
supermercados perceberam os riscos que corriam. Garantir aos clientes a origem
dos alimentos tornou-se uma prioridade, principalmente para aqueles trabalham
com marcas próprias.
Em vez de cada rede adotar um protocolo, o que
aumentaria os seus custos, os varejistas resolveram unir esforços numa
organização só. O primeiro protocolo desenvolvido foi para o mercado de frutas.
A idéia foi minimizar o risco de contaminação de um produto que, normalmente,
vai direto da fazenda para as gôndolas.
Atualmente, o EurepGap tem
diversos protocolos, entre eles o Integrated Farm Assurance (IFA) – Segurança
Integrada da Fazenda, que inclui a produção de bovinos, aves, suínos e
grãos.
Os produtores brasileiros de frutas em breve vão ter uma versão
nacional de um protocolo equivalente ao do EurepGap, informa Holmo. Alguns
grupos já estão adiantados, trabalhando por conta própria.
É o caso dos
fruticultores da região de Presidente Prudente, no noroeste do Estado de São
Paulo. Em parceria com diversas entidades, 120 produtores de mangas, uvas,
acerolas, abacaxis e maracujás procuram adequar-se às normas. Já houve uma
mudança significativa no uso de defensivos agrícolas: alguns produtores
manipulavam até quatro vezes mais produtos químicos do que o necessário. Outros
setores em destaque no Brasil são café e bovinos.
“O EurepGap em tese não
é uma exigência, e sim uma preferência”, afirma Holmo, também diretor do
Instituto Gênesis, com sede em Londrina, que certifica empresas dentro das
normas européias. “Na prática, estar em primeiro lugar na fila torna-se
decisivo”. Exceto para o café, não se paga prêmio para o produtor que segue o
EurepGAP. Mas quem quiser estar entre os exportadores vip de países como
Holanda, Inglaterra, Bélgica, Noruega, Suécia, Suíça, Espanha, Finlândia e
França vai ter que arcar com um custo, apenas para pagar as certificadoras,
entre R$ 3 mil e R$ 5 mil por propriedade.
“É um trabalho que pode trazer
benefícios em gestão para a empresa, com um melhor controle de defensivos
agrícolas, água e solo, manutenção do maquinário, higiene, manejo pós-colheita e
gestão de resíduos”, defende Holmo.
No sistema de acompanhamento, todo a
movimentação do produto fica registrada, desde que foi recebido, processado,
embalado até a sua distribuição. Discriminam-se o número do lote, a data da
colheita, pesticidas utilizados e resíduos. As informações de cada participante
devem se integrar às do próximo na cadeia. Para se ter uma idéia do detalhamento
do programa de certificação, no caso do café, o Documento Normativo de Controle
& Critérios de Cumprimento, que estabelece os critérios de avaliação de
conformidade, tem 195 pontos de controle, agrupados em 14 seções.
O
produtor rural identifica no sistema de informações do EurepGAP o tamanho e
posição geográfica da área cultivada, que pode ser visualizada por satélite até
pelo consumidor. O objetivo é que este possa contar com informações completas do
que leva à mesa. Aspectos sociais, ambientais, de saúde do trabalho e bem-estar
animal também são levados em conta, no contexto de sustentabilidade em voga
atualmente. “Colocar cada vez mais informações à disposição dos consumidores é
uma tendência no mercado europeu”, afirma Holmo.
(A.W.)