AGRONEGÓCIOS – Franceses, mas cada vez mais brasileiros

Por: Valor Econômico

AGRONEGÓCIOS
29/07/2009 
  
Fernando Lopes e Assis Moreira, de São Paulo e Genebra

Já na reta final, em um ponto com poucas alternativas de retorno, a incorporação da Santelisa Vale pela LDC Bioenergia, braço de açúcar e etanol da Louis Dreyfus Commodities no Brasil, vai sedimentar uma radical transformação no perfil de negócios do tradicional grupo familiar francês.


Os ecos da tradicional trading de grãos fundada em 1851 por Léopold Louis-Dreyfus, então com 18 anos, ainda são marcantes em mais de 50 países, mas o que catapultou o grupo nos últimos anos foram os pesados investimentos em cultivo e processamento de produtos agrícolas, principalmente cana e laranja.


Com atuação direta no Brasil desde 1942, quando adquiriu a Comércio e Indústrias Brasileiras Coinbra S.A., a LD, como passou a ser chamada nos últimos anos, concentra no país esses aportes, e o peso da operação nos resultados e na gestão do grupo são crescentes.


“Mudamos de patamar, de perfil, e a Louis Dreyfus Commodities como um todo se tornou mais brasileira. O foco do grupo, hoje, é o Brasil”, disse Kenneth C. Geld, presidente da Louis Dreyfus Commodities Brasil, em entrevista concedida ao Valor em abril deste ano.


A LD nunca investiu tanto no país como nesta década, e a partir desses aportes recentes, mais concentrados no segmento sucroalcooleiro, seus ativos fixos brasileiros já alcançam US$ 1,9 bilhão, 63% do valor total de seus ativos no mundo. A expansão elevou o número de funcionários da subsidiária de 21,6 mil, ou 81% do total.


Os investimentos da LD no país somaram US$ 149 milhões entre 2004 e 2005 e alcançaram US$ 975 milhões de 2006 a 2007. No triênio 2008-2010, a expectativa no último mês de abril é que os aportes superassem US$ 1,1 bilhão, a depender do ritmo de recuperação da convalescente economia mundial.


Em grande medida, os investimentos já alocados no Brasil foram sustentados por pelo menos dois anos de forte valorização das commodities – até o agravamento da crise financeira, em setembro. Com mais dinheiro em caixa, a multinacional também fortaleceu operações em países como China, Índia, Argentina e Estados Unidos.


Foi Robert Louis-Dreyfus, morto de leucemia no início deste mes, aos 63 anos, o arquiteto que colocou o império familiar na direção que reinventou o conglomerado e favoreceu sobremaneira o Brasil, país reconhecidamente de maior potencial para a expansão agrícola.


O herdeiro havia se afastado do grupo em 1981. Voltou em 2006, já doente, comprou a maioria da ações até então nas mãos de sete acionistas de duas alas distintas da família e garantiu participação de 51%. Deflagrou a reorganização, que consumiu aportes de € 1 bilhão por ano, e, paralelamente, equacionou sua sucessão.


Robert deixou suas ações em um “trust” gerido por um conselho independente da família, que não poderá vendê-las 99 anos. É a fundação que vai distribuir dividendos à viuva e aos filhos do empresário. Outra fundação, administrada por cinco “trusters”, administrará os ativos financeiros.


Para comandar a discreta multinacional, Robert escolheu, pela primeira vez, um estrangeiro fora da família. O novo patrão é Jacques Veyrat, que está próximo dos 50 anos e que, não por acaso, dirigiu a LD Commodities. “Ele [Robert] fez tudo para a Louis Dreyfus se tornar o mais antigo grupo privado do mundo”, afirmou Veyrat em entrevistas após a morte do acionista.


“Robert apostou em açúcar no Brasil não apenas porque o custo de produção era baixo, mas porque sabia que o etanol seria largamente usado pelos veículos brasileiros”, acrescentou. Além do agronegócio, a LD também revigorou sua atuação nos setores imobiliário e de telecomunicações em outros países.


Apesar dessa diversificação, Veyrat também já deixou claro que não haverá revolução. “Vamos continuar a desenvolver nossas atividades ligadas à energia e agroalimentos, que são os verdadeiros setores do futuro”, disse o executivo.


Nesse caminho, a LD Commodities pretende reforçar sua presença na África. Um especialista consultado pelo Valor, em Paris, confirma que esse passo confirma a clara estratégia dos franceses: não se limitar à atividade de trading e investir na primeira etapa de transformação das commodities.


Avessa a badalações e pouquíssimo transparente – publicou balanço apenas na Segunda Guerra mundial, quando teve ativos sequestrados pelos nazistas -, a LD é, hoje, a quarta maior do mundo em sua área, depois das americanas Cargill (faturamento global de US$ 120 bilhões), ADM (US$ 70 bilhões) e Bunge (US$ 52 bilhões).


Negocia trigo no mundo inteiro, tem produção e silos de cereais em Rússia e Ucrânia, processa soja na Argentina e responde por uma boa fatia do comércio global de café, cacau e algodão. Abriu em Indiana (EUA) a maior usina de biodiesel do mundo e é, também, uma das mais importantes negociantes de gás natural da América do Norte. Já teve uma grande frota de navios, mas esta foi cedida por Robert ao primo, Philippe Louis-Dreyfus, em 2006.


No Brasil, a LD foi a primeira empresa estrangeira a adquirir uma usina sucroalcooleira, em 2000. Em 2004, adquiriu mais duas unidades. Em 2006, o faturamento da subsidiária LDC Bioenergia ficou em torno de US$ 400 milhões, mas em 2008 chegou a US$ 1 bilhão e a partir deste ano tende a ganhar força com a incorporação da Santelisa Vale.


Fontes do ramo dizem que o endividamento da múlti cresceu mais do que o desejado no país porque a expansão se acelerou com os preços do etanol em queda, mas a LD rechaça a informação.


Com os investimentos, a área plantada de cana da companhia chegou a 214 mil hectares em 2008 e deverá alcançar aproximadamente 222 mil este ano, sem contar a Santelisa. Também excluindo a Santelisa, o volume de processamento de cana deverá atingir 13,6 milhões de toneladas em 2009, ante 10,9 milhões em 2008 e 2,1 milhões em 2004.


Paralelamente, a LD fortaleceu a atuação no segmento citrícola (produção de laranja e processamento de suco para exportação), que atualmente sofre com demanda externa retraída e preços baixos. A área planta com a fruta, que em 2008 atingiu 26,4 mil hectares, deve crescer para 27 mil hectares em 2009. Desse total, 11 mil hectares são terras próprias, colaborando para o forte aumento do número de funcionários no Brasil nos últimos anos (ver quadro acima).


Nesta frente, a múlti recém-iniciou as exportações de suco não concentrado de laranja (NFC, na sigla em inglês), cuja demanda externa está mais firme. Após investimentos em suas fábricas, em terminais portuários no porto de Santos e na Bélgica, o primeiro embarque do produto foi em fevereiro passado.


Na área de trading, como já informou o Valor, os volumes são crescentes no país. Em 2009, originação e processamento de soja (a empresa tem quatro esmagadoras no país) deverão somar cerca de 5 milhões de toneladas, ante 4,2 milhões em 2008.

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