O médico da terra

Por: Globo Rural

REPORTAGEM
15/07/2009

Projeto de recuperação de áreas degradadas pela erosão em Minas Gerais, comandado pelo agrônomo Vinicius Ferreira, já beneficiou 65 mil pessoas em nove municípios do estado

Texto Janice Kiss
Aos poucos, o Brasil vai caindo no buraco. A ampliação das fronteiras agrícolas para implantação de lavouras e pastagens multiplicou o número e o tamanho das voçorocas. Segundo dados da Embrapa Solos, sediada no Rio de Janeiro, a erosão causa a perda de 822,7 milhões de toneladas de terra e prejuízo de US$ 4 bilhões por ano ao país. O desmoronamento sistemático provoca o assoreamento dos rios e enormes crateras no chão, que inviabilizam a área onde se instalaram. Grandes extensões de terreno em Minas Gerais foram tomadas por elas, em especial a região que pertencia ao Ciclo do Ouro, como São João Del Rei, Tiradentes, Mariana, Nazareno, entre outras. Nos séculos XVII e XVIII, Portugal havia encontrado nas riquezas minerais uma nova forma de explorar a colônia com o declínio da produção açucareira.
Manejo inadequado do solo causa a erosão, que deixa a terra infértil e provoca o assoreamento dos rios

A mineração excessiva, associada ao trânsito intensivo dos carros de boi no passado e ao manejo do solo incorreto no presente, resultaram numa soma de buracos gigantescos que ocupam 2 mil hectares no sudoeste do estado. De tão costumeiros, há quem tenha se habituado a presença deles no estado. Não Vinicius Ferreira, engenheiro agrônomo criado na roça e que recupera terras erodidas com plantas da Mata Atlântica e do Cerrado. Mineiro de São João Del Rei, ele bateu muita cabeça até “prestar atenção aos sinais”, como costuma dizer, que o fariam fincar pé em Nazareno a 230 quilômetros de Belo Horizonte, e dar início a um projeto pioneiro de reabilitação das voçorocas que envolve várias comunidades. Antes disso, ele foi parar no ITA – Instituto Tecnológico de Aeronáutica, largou o curso e pulou para ciências sociais da USP, em São Paulo, e abriu mão mais uma vez da escolha para encontrar seu caminho na agronomia, cursada na UFLA – Universidade Federal de Lavras, em MG. Nessa época, suas lembranças eram povoadas por imagens da infância em Nazareno, coma avó Dadina,que era professora rural e artesã, das candeias e dos ingás desse lugar. E foi por meio da prefeitura local, que buscava implantar alguma ação ambiental por lá, que Vinicius reencontrou o passado e selou seu futuro e o de muitos agricultores. De imediato ele decidiu trabalhar nas regiões de erosão. O pequeno município de 7 mil habitantes contabiliza 86 buracos (252 hectares) em uma área de 3.300 hectares. “A inserção delas na paisagem não tem cabimento”, comenta com acentuado sotaque mineiro.

Tempos depois, o programa criou pernas próprias e se transformou no projeto Maria de Barro (www.projetomariadebarro.org.br), que completa dez anos no próximo mês. Vinicius Ferreira teve uma grata surpresa ao encontrar um punhado de gente jovem que queria reabilitar aquelas áreas. Luciano Heitor Ferreira, técnico de campo, é um desses exemplos. Ele sabe onde foi colocado cada pé de manga, pitanga, limão e laranja nas voçorocas. Nas encostas delas, sempre no sentido de cima para baixo, são plantados capim-gordura, aveia preta, feijão-guandu, crotalária, que somam 70 espécies de leguminosas, que ajudam a descompactar o solo. Ele aprendeu que elas devolvem a fertilidade da terra e por isso contêm a erosão. Se não fosse pelo programa, Luciano poderia ser mais um filho de pequenos agricultores a abandonar o campo à procura de emprego nas cidades. Ele chegou a se preparar para isso, fez curso técnico em radiologia, mas preferiu ficar na propriedade onde nasceu depois da oportunidade. “Gosto daqui, de ver meu pai e meu irmão tirarem leite para a mãe fazer queijo, de semear a roça”, conta.

Luciano divide esse mesmo apego com 27 funcionários contratados pelo projeto. Quase todos eles são da zona rural e comemoram as conquistas do programa, que já rompeu fronteiras em uma década. Agora eles atendem a oito municípios – no futuro serão 35-que pertencem à Bacia do Rio Grande. Cerca de 65 mil pessoas são beneficiadas com a recuperação de erosões e a preservação de nascentes e matas ciliares. Essa é a mais recente atuação do Maria de Barro, que tem orçamento de R$ 378 mil em 2009, fruto de parcerias entre iniciativa pública e privada.

Por mais que as voçorocas representem ameaça onde se instalam, as comunidades costumam batizá-las com seus próprios nomes.No Córrego do Cravo, em Nazareno, ela quase engoliu o cafezal; a do bairro Bela Vista está próximo às casas da cidade e na propriedade do avô de Israel de Andrade, técnico ambiental; quatro delas engolir a metade da área. Os pais dele herdaram um lote da fazenda e ali eles mantêm, junto com o filho, uma pequena criação de gado, típica da região. Israel tem 24 anos, trabalha há dois no programa e percebe o quanto a família perdeu pela falta de manejo adequado do solo.”O vô roçava a terra, queimava para depois plantar. Quando estava desgastada, ele simplesmente mudava o plantio de lugar”, informa. “Deu no que deu”, emenda. Mas ele não quer esse mesmo destino para o sítio deles. Ele ensinou ao pai que a propriedade deveria ser cuidada com esmero daqui para diante,com adubação verde, culturas intercaladas de café, milho, feijão e arroz. Ele também implantou duas barraginhas, construções de miniaçudes ao longo dos sulcos das enxurradas para coletar as águas das chuvas e evitar que elas se percam e lavem os nutrientes do solo, causando a erosão. Israel aprendeu a técnica por meio do Maria de Barro e descobriu que a água captada pode revitalizar córregos e rios e o surgimento de minasenascentes.

A formação de jovens que agora pensam em estudar engenharia agronômica e florestal é outra conquista do coordenador Vinicius Freire, que agitou Nazareno com visitas internacionais depois que o projeto foi apresentado em um workshop na França. “Não sabia que a gente fazia algo de importante”, comenta João Paulo Ferreira, de 22 anos, chegado há sete meses no programa. Durante a manhã, ele trabalha no viveiro de plantas, quando não é escalado para fazer plantios nas voçorocas. À tarde, cuida da propriedade dos pais, onde cria gado solteiro, planta café, milho e feijão e nela aplica práticas simples que antes não dava valor. “Faço compostagem, não queimo a capina E descobri a eficiência da adubação verde”, informa. Em dia de visitas escolares à sede do programa, construída em área de erosão, João Paulo capricha na arrumação do viveiro. É ali que Fabiana Silva, futura bióloga, dá aula de educação ambiental para 600 crianças por semana da cidade e região.

“Não queremos que elas se habituem com essas crateras como aconteceu em épocas passadas”, esclarece.A professora explica a função do coquetel de sementes leguminosas para a reabilitação das voçorocas.” O trabalho com os alunos muda a cabeça de uma geração”, acredita. Quando elas visitam as áreas em resconstrução, já identificam a maior parte das plantas e sabem que os plantios precisam ser diversificados porque os buracos são compostos por partes secas e úmidas e cada raiz tem uma profundidade. Por isso, não podem competir entre si.

Além do trabalho da equipe, Vinicius Freire também tratou de envolver os moradores dos municípios atendidos de diversas maneiras. No final das chuvas, ele põe à disposição dos agricultores mudas, adubo, arame e mourões, para que eles protejam suas áreas e cuidem das nascentes e das matas ciliares de suas propriedades. O agrônomo encontrou seu remanso quando conseguiu fazer os produtores entender que terra é lugar de lavouras, matas e bichos. E não feita para ser comida por erosão.

FEITOS EM UMA DÉCADA
>>> 65 mil pessoas de nove municípios de Minas Gerais são beneficiadas diretas pelo trabalho

>>> 2 mil hectares é a extensão das voçorocas que abrangem nove municípios mineiros

>>> 35 municípios serão atendidos no futuro pelo programa que vai trabalhar com preservação de nascentes e matas ciliares

>>> 378 mil reais é o orçamento do programa para o ano de 2009, fruto de parcerias

>>> 80% dos municípios atendidos estão ligados a áreas rurais e com tradição na pecuária

>>> 600 crianças, por semana, assistem a aulas de educação ambiental na sede do projeto

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