Além do Fato: O superávit comercial e o apagão logístico

Por: Nelson Carlini*









 

O Brasil continua expandindo o seu comércio exterior, apesar dos insignificantes investimentos em infra-estrutura. O superávit comercial do ano até agora soma US$ 33,746 bilhões, um resultado superior a todo o ano de 2004, mas o fato é que ainda é pouco perto do que o país poderia fazer.

A proposta orçamentária do governo para 2006 prevê investimentos em infra-estrutura de apenas R$ 11,7 bilhões, o equivalente a 0,55% do Produto Interno Bruto (PIB). São cifras irrisórias face às necessidades de modernização da economia. No ano passado os investimentos em transportes, energia e saneamento foram de apenas 0,4% do PIB.

A renitente preguiça do Estado brasileiro em modernizar rodovias, ferrovias e portos engendrou gargalos que comprometem nossa eficiência – e cujo custo da solução cresce na proporção em que se protela o problema. As empresas brasileiras mantêm R$ 118 bilhões em estoque como forma de prevenir as ineficiências dos transportes. Calcula-se que 78% das estradas se encontram em péssimas condições. Seriam necessários R$ 10,5 bilhões para recuperar a malha rodoviária, praticamente todo o dinheiro reservado à infra-estrutura em 2006.

Já a malha ferroviária é absolutamente incipiente, não cobrindo sequer 4% do território nacional (nos EUA, cobre 29,8%). No transporte hidroviário, de baixo custo, as condições estão muito aquém do desejável: apenas 35% das vias hidronavegáveis são utilizáveis. Nos Estados Unidos, existem 1.137 terminais hidroviários; no Brasil, 46.

As eclusas em construção nas hidrelétricas estão com obras paralisadas, por ações de ONGs ou lobbies políticos provincianos. As novas hidrelétricas não prevêem em seus projetos a construção de eclusas, parecendo que o erro de Itaipu não serviu de lição.

O déficit na capacidade de armazenagem de grãos é de 38 milhões de toneladas (lembrando que somos o maior exportador de café do planeta, com 1,4 milhão de toneladas anuais). Falta espaço nos terminais portuários para a movimentação de contêineres, sobretudo se levarmos em conta que o volume deste tipo de carga tem crescido 25% ao ano – graças, ressalte-se, ao dinamismo do setor privado.

Para acompanhar a demanda, seria preciso construir 60 berços de atracação nos portos brasileiros. Hoje, os grandes navios ficam por tempo excessivo à espera de uma “janela” para atracação, a US$ 50 mil/dia.

Mas o mais grave é que o nó não é apenas logístico. Por trás dele – e tão daninho quanto – há ainda um nó “invisível” atuando como lastro contra a competitividade. Ele é representado por uma legislação trabalhista anacrônica (datada da era Vargas), pela qual a remuneração dos trabalhadores é fixada com base na tonelada carregada no navio e não em sua produtividade, como ocorre nos países desenvolvidos. Eis aí a principal causa da baixa produtividade de nossas operações portuárias. Enquanto no Brasil a produtividade é de no máximo 35 contêineres por hora, no exterior ela chega a 60 unidades/hora.

A tributação de ICMS foi imposta ao transporte na época de Controle de Preços pela famigerada CIP – Comissão Interministerial de Preços –, para que a “venda casada” não desviasse o aumento de preço da mercadoria controlada para o preço livre do transporte. Acabou a CIP, mas o ICMS no transporte continua, como uma excrescência nacional.

Nos Estados Unidos, o transporte interno não tem nota fiscal e é isento de imposto por se tratar de atividade intermediária. Aqui, as alíquotas de ICMS chegam a variar de 7% a 18% entre os estados, um modelo ineficiente. O arroz transportado por navio do Uruguai para o Recife sai mais barato do que o arroz produzido no Rio Grande do Sul e embarcado para o mesmo destino, devido ao excesso de tributação (em várias etapas).

Por fim, a falta de padronização na atuação dos diversos órgãos que atuam na fiscalização dos portos, como Receita Federal, Polícia Federal, Anvisa e Ibama, transforma os embarques e desembarques numa Babel portuária. O Prohage – Programa de Harmonização da Ação dos Órgãos Governamentais –, idealizado para pôr fim ao problema, não deslanchou.

Para mudar este quadro, o país precisa manter o rigor fiscal e estabelecer uma nova proporcionalidade para os gastos públicos. Significa reduzir as verbas de custeio – enxugando e tornando mais eficiente a máquina administrativa – e aumentar os recursos destinados aos investimentos. Além, é claro, de modernizar a legislação trabalhista e tributária. Não há alternativa, pois vivemos sob a ameaça de um “apagão logístico”.

*Engenheiro naval com pós-graduação em Administração de Empresas, é diretor-geral no Brasil da CMA CGM, terceira maior transportadora marítima do mundo

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