11/03/09
Com uma pauta de exportações voltada para vários destinos e focada em alimentos, o Brasil vem conseguindo escapar do colapso do comércio mundial
GUSTAVO GANTOIS E HUGO CILO
EXPORTAÇÃO DESCENTRALIZADA: o Brasil reduziu a dependência dos EUA. A fatia caiu de 30% para 12% em dez anos
O TERREMOTO CAUSADO pela crise financeira internacional – que não tem respeitado fronteiras – está redesenhando o mapa-múndi do comércio global. E os países altamente industrializados, as maiores vítimas, têm assistido a suas exportações afundarem a uma velocidade impressionante. Nos primeiros dois meses do ano, as vendas externas do Japão caíram 46%, em comparação ao primeiro bimestre de 2008. Na Alemanha, a maior exportadora do planeta, o tombo foi de 56,7%, em função da brusca freada nas vendas de carros como BMW, Audi, Mercedes-Benz e Porsche. Em Taiwan e na Coreia do Sul, houve recuo de 40%. As exportações do México, que destina mais de 90% de suas vendas aos vizinhos americanos, inclusive automóveis, despencaram quase 60%.
Dito isso, como fica o Brasil? Também não escapou incólume, porém está em condição, digamos, menos preocupante. Números da balança comercial, divulgados dias atrás, mostram que as exportações brasileiras recuaram 20,9% neste ano. Em outros tempos, seria motivo de pânico, mas hoje não é se for comparado ao resto do mundo. O País ainda se deu ao luxo, ajudado pelo recuo de mais de 30% nas importações, de contabilizar superávit de saldo comercial de US$ 1,7 bilhão. E as exportações já dão sinais de reação.
O que explica isso? Dois fatores, na verdade. O primeiro é o fato de o Brasil ser o que os diplomatas definem como um “global player”. Tem vendas diversificadas para várias regiões do mundo e os emergentes vêm crescendo na pauta brasileira. O segundo é o fato de as exportações brasileiras estarem muito concentradas em alimentos – um setor que sofre menos o impacto da crise. “Ironicamente, aquilo que sempre criticamos no passado, a falta de sofisticação e a descentralização das exportações, é o que dá ao País uma relativa estabilidade hoje. Seria exagero dizer que estamos bem, mas podemos afirmar que estamos melhor que os outros.
No Brasil, isso é uma novidade”, disse à DINHEIRO o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. O presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Guilherme Braga, compartilha essa opinião. “Ninguém deixa de comer na crise. Como somos exportadores de produtos de baixo valor unitário, somos menos afetados”, disse ele. O quilo do café custa hoje no mercado internacional cerca de US$ 8, o suficiente para mais de 100 xícaras.
Mesmo entre as empresas que não exportam alimentos, existe ainda quem enxerga crescimento.
A Saint- Gobain Sekurit, fabricante de vidros automotivos, pretende aproveitar as transformações do comércio mundial para conquistar mercados. Segundo o diretor-geral da empresa no Brasil, Manuel Corrêa, as exportações para a Europa devem passar dos atuais 5% da produção para até 25% em 2010, graças à busca de novos parceiros no Velho Continente. “A questão cambial ampliou a competitividade do Brasil lá fora. Não somos os mais baratos, ao comparar com China e Índia, mas levamos vantagem porque temos uma boa reputação”, afirmou. “Independentemente da crise, o País continuará conquistando mercados. Respondemos rápido às necessidades dos clientes.”
A afirmação de Corrêa faz sentido. O País tem avançado a passos firmes na busca de novos parceiros e na descentralização das exportações. Há até dez anos, a pauta brasileira estava concentrada em mercado tradicionais, como os Estados Unidos e a Europa. O primeiro respondia por mais de 30% das vendas nacionais e o bloco europeu representava uma parcela semelhante.
Hoje, o mercado americano atende apenas 12% das exportações, o menor nível em 50 anos, e a União Europeia encontra-se estagnada na casa dos 24%. “Não há mais um país que seja preponderantemente responsável por resultados isolados”, atesta o embaixador Sergio Amaral, ex-ministro do Desenvolvimento. “A decisão mais acertada foi a de investir na diversidade de novos destinos comerciais.”