ECONOMIA
25/01/2009
Produto orgânico ganha selo de qualidade e procedência
Objetivo da nova regulamentação é orientar consumidores na hora da compra
Dez anos após aparecerem nas prateleiras dos grandes supermercados, os alimentos orgânicos finalmente terão uma regulamentação e um selo único para orientar o modo de produção e a escolha dos consumidores. Até o fim do ano, os cerca de 15 mil produtores do País, mais de 85% deles pequenos e em propriedades familiares, deverão adotar procedimentos básicos de cultivo, colheita e armazenamento, fazendo um cadastro no Ministério da Agricultura e exibindo documento que garanta sua origem.
Isso porque, apesar do crescimento de 114% no número de agricultores em dez anos (de 7 mil em 2000 para 15 mil em 2008) e do salto de 196% na área de plantio (de 270 mil hectares para 800 mil hectares no mesmo período), segundo o Ministério da Agricultura, os orgânicos começaram a perder o status de produto restrito a um nicho de mercado.
Melhoraram de aspecto, deixando de ser aquela fruta ou legume pequeno e feio, e ganharam em variedade. Hoje, em redes de supermercado, lojas de produtos naturais, mercearias ou mesmo feiras especializadas é possível comprar um leque grande de frutas, legumes e verduras, além de açúcar, café, leite, achocolatado, biscoito, bolo, queijo, iogurte, doces em compota, geleia, pão, azeite e vinagre orgânicos. Há ainda chá, vinho e cerveja orgânicos, as carnes bovinas e frangos — de animais que crescem soltos, sem receber antibióticos ou hormônios.
Sem contar os cosméticos e produtos de higiene pessoal, como sabonete, shampoo, detergente, desinfetante e até mesmo algodão para fabricar tecidos. “Hoje eu distribuo orgânico para grandes redes e também para padarias de bairro, mercadinhos, lojas menores. Definitivamente deixou de ser um produto que apenas as classes A e B consomem, como era até pouco tempo”, diz Antonio Sá, sócio do Empório em Casa, especializado em delivery semanal de cestas com produtos orgânicos, e da Orgânica Mix, uma das maiores empresas de distribuição e representação de orgânicos no País. “Empresas e hotéis começam a colocar em seus cardápios, sem contar as escolas, abrindo mercado”, afirma.
Identificação
Sá trabalha com diversos fornecedores, de vários Estados, levando para grandes e pequenos pontos-de-venda os produtos. Cada um deles, para provar que é orgânico, paga uma taxa que varia de R$ 500 mil a R$ 5 mil a uma empresa certificadora, que lhe dá um selo de garantia — hoje existem mais de 20 dessas empresas, o que confunde o consumidor. Além disso, cada certificadora tem suas próprias regras para definir o que é alimento orgânico.
“Vejo um pé de alface que custa R$ 50,00 e outro que custa R$ 1,50 e como vou ter certeza que ele é mesmo orgânico?”, questiona a professora de educação física Natália Gratenberg, de 27 anos, adepta de uma alimentação saudável, com menos produtos químicos possíveis. “Na dúvida, tem dia que acabo comprando e tem dia que não. Ou então, compro os produtos nos quais a diferença de preço não é tão grande”, conta.
Justamente para acabar com esse tipo de dúvida e regular o setor, ajudando a identificar com maior precisão onde estão e quantos são os produtores, que o selo foi criado. Ele vem com uma regulamentação maior para a área, que inclui regras de produção, comercialização e mecanismos de controle. Aprovada em 2003 no Congresso e em vigor desde o fim de 2007, ela estabeleceu dois anos para produtores se adaptarem.
“A regulamentação é importante para que os produtores possam se organizar melhor e para que o consumidor saiba o que é o orgânico, que vai muito além do que só ser um produto que não usa agrotóxicos”, explica Rogério Dias, coordenador de agroecologia do Ministério da Agricultura. “O orgânico é um alimento feito sem uso de agrotóxicos, sem condições de trabalho degradante, com manejo para uso adequado do solo e água. Ou seja, é um alimento em harmonia com o ambiente.”
Com isso, até o fim do ano, produtores que vendem em feiras deverão se organizar em associações, que terão registro no ministério e darão direito a um documento (espécie de alvará) Quando ele for vender direto ao consumidor, deverá exibir esse documento para provar que está de acordo com as normas. Já os produtores maiores, que trabalham com redes de distribuição, levarão o selo único. Nesse caso, as certificadoras serão optativas e terão de se adequar à lei. Por terem sido definidas com o setor, as regras do ministério não deverão ter problemas para serem cumpridas, segundo José Pedro Santiago, presidente da Câmara Setorial da Agricultura Orgânica. “Para os produtores, a diferença será pouca. Eles terão de seguir normas que são consenso no mundo.”
Para Dias, a normatização ajudará a venda ao mercado interno — muitas vezes preterido em detrimento das exportações. De agosto de 2006 a setembro de 2008, o Brasil exportou 37 mil toneladas em produtos orgânicos, que equivale a uma receita de US$ 26,7 milhões. (Da Agência Estado)
Preço alto ainda é problema para que consumo seja maior
Orgânicos são apenas 1% de todo o alimento que é vendido no Brasil
Com o mercado mais organizado, o preço continua um entrave para que os orgânicos ganhem espaço — mesmo com o crescimento, esse tipo de produto representa apenas 1% dos alimentos consumidos no Brasil.
Mesmo que a cadeia produtiva siga aumentando, a dificuldade com transporte e pontos-de-venda, além das condições de produção, fazem com que a queda no preço fique lenta e difícil.
Hoje, em média, os orgânicos são de 10% a 30% mais caros do que os alimentos convencionais, variação que depende do tipo de produto e da época. Em hortaliças e frutas, a diferença tem caído. Quanto aos laticínios, o preço pode ser mais do que o dobro.
“O produto orgânico cuida do solo, da água, da saúde dos consumidores e dos trabalhadores, da biodiversidade e isso gera custos. Ele evita que a sociedade pague na forma de serviços de despoluição, tratamento de doenças, desassoreamento de rios e lagos, recuperação de solos erodidos, recomposição da fauna e da flora”, afirma José Pedro Santiago, presidente da Câmara Setorial da Agricultura Orgânica. “Se fizermos contas sociais e ambientais, o produto orgânico talvez tenha o mesmo preço do convencional”, defende.
Na prática, esse raciocínio nem sempre convence. “Em feiras populares, onde você tem o produto convencional e o orgânico, você ainda perde porque o consumidor só pensa em preço, ele nem sempre tem informações sobre os orgânicos e condições financeiras para consumi-los”, conta Robson Carvalho, dono de sítio em Ibiúna, interior paulista.
Ex-gerente de restaurante em São Paulo, mas formado em agronomia, decidiu há três anos comprar a propriedade. Lá, planta cerca de 50 tipos de legumes e vegetais, ganhando mais pela diversidade oferecida do que pela quantidade de um mesmo produto — como fazem os agricultores tradicionais e poucos agricultores orgânicos, como produtores de açúcar e laranja. “Tenho um ponto-de-venda em uma escola. E um projeto didático, no qual crianças vêm até o sítio”, afirma Carvalho.
Dono do primeiro box voltado para orgânicos no Mercado Municipal, o Empório Família Mendonça, Fábio Luís Mendonça conta que a busca tem aumentado. “Abri há oito meses”, diz. “Os clientes são pessoas que já conhecem os produtos ou que têm problemas de saúde e querem uma alimentação saudável.” (AE)
Sem consenso, estudos apontam benefícios
Apesar de não ser consenso, os benefícios dos alimentos orgânicos para a saúde começam a ser mostrados em estudos de vários centros de pesquisa. De maneira geral, os trabalhos apontam que produtos sem agrotóxicos têm mais nutrientes que os convencionais. Um dos estudos, feito por cientistas da Rutgers University, em New Jersey (EUA), encontrou diferenças consideráveis na quantidade de nutrientes nos alimentos convencionais e orgânicos. Descobriram, por exemplo, que o teor de ferro no espinafre orgânico era 97% mais alto que no convencional. Em relação ao alface, a diferença foi de 200%. Outra pesquisa, realizada durante três anos na Grã-Bretanha, mostrou que legumes e frutas orgânicos contêm até 40% mais antioxidantes do que seus equivalentes não orgânicos. O leite orgânico teria entre 50% e 80% mais antioxidantes. Os resultados também sugerem que os orgânicos têm menos ácidos graxos trans, considerados nocivos à saúde. E mostraram que trigo, tomate, batata, repolho, cebola e alface orgânicos contêm entre 20% e 40% mais nutrientes.
“Teoricamente, qualquer alimento sem agrotóxico é melhor para a saúde, então os nutricionistas e médicos recomendam que se consuma orgânicos quando possível”, explica a nutricionista Daniela Silveira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Mas é um assunto que precisa de mais estudos. Isso porque o efeito nocivo do agrotóxico não é imediato e depende da quantidade e do tempo em que é ingerido. Faltam estudos de longo prazo populacionais”, diz ela. Como exemplo de evidência científica interessante, a nutricionista cita um trabalho com 90 mil mulheres. Ao acompanhar o histórico delas, os cientistas descobriram que as que consumiram uma porção e meia de carne vermelha por dia tiveram quase o dobro de risco de câncer de mama associados a hormônios. (AE)