Carlos Henrique Jorge Brando
Sócio da P&A Marketing Internacional, empresa especializada em marketing, certificação e qualidade no agronegócio, que assessora a Organização Internacional do Café e programas de promoção de café no Brasil, México, Índia e El Salvador
Nos últimos anos os produtores têm sofrido com o fenômeno que apelidei de “paradoxo dos cafés especiais”. O volume de café especial vendido pelos produtores aos importadores está crescendo lentamente, mas o volume de café especial comprado pelos consumidores em países importadores está crescendo rapidamente. Como isso pode ser possível? Qual é a razão deste paradoxo? A explicação se encontra nas diferentes definições do que é café especial.
Os compradores, comerciantes e importadores definem cafés especiais pela sua qualidade na xícara, por exemplo, cafés que alcançam 80 pontos ou mais na escala de avaliação da SCAA. No entanto, para os consumidores, a definição de café especial se associa à forma como o café é apresentado. Para muitos consumidores, café espresso, qualquer café vendido em lojas de café e as novas bebidas de café são todas consideradas cafés especiais e estes consumidores estão dispostos a pagar mais por estas bebidas, ainda que sua qualidade não esteja acima dos 80 pontos na escala da SCAA, como acontece frequentemente.
Há grande agregação de valor e crescimento do lado do consumidor, mas baixa agregação e pequeno crescimento do lado do produtor. De fato, há uma transformação de cafés comerciais em “cafés especiais”. Como se pode resolver este problema e colaborar para que a agregação de valor chegue ao produtor, tornando o mercado de café mais sustentável?
Atualmente, há evidências preliminares interessantes de que a crise global pode reduzir os impactos do paradoxo e melhorar as condições dos produtores. Ainda que possa ser muito prematuro para chegar a estas conclusões, uma tendência já detectada nos Estados Unidos indica que os consumidores estão bebendo mais café de menor custo por xícara em casa, em detrimento das bebidas de café de maior preço oferecidas nas lojas de café. Durante crises, os consumidores tendem a prestar mais atenção ao fator custo e não é difícil concluir que os ganhos decorrentes do consumo em casa possibilitem adquirir uma máquina de espresso e consumir café especial de alta qualidade vendido por quilo ao invés de comprá-lo por xícara. Isto pode levar a um consumo mais alto de cafés especiais de alta qualidade pelas pessoas e também pelo ralo, isto é, café que é descartado por não ter sido consumido.
O aumento no consumo real de cafés especiais deverá se refletir em maiores importações, assim restringindo o processo de transformação de cafés comerciais em cafés pseudo-especiais. Esta mudança nos padrões de consumo criará oportunidades interessantes para os produtores de cafés especiais e tornará o paradoxo do café especial menos prevalente como resultado da crise global.
A mudança do consumo de fora para dentro de casa também é positiva, porque indica que os consumidores não estão buscando substitutos do café ou reduzindo seu consumo, mas sim procurando maneiras de diminuir os custos e manter o consumo. Pode ser muito cedo para prever se a crise global reduzirá o vigoroso crescimento do consumo mundial de café ocorrido em anos recentes. No entanto, o cenário é muito diferente se comparado com situações passadas quando o consumo caiu como conseqüência de aumentos dramáticos apenas nos preços do café como resultado de secas ou geadas. Os impactos da atual crise afetarão o café e também todas as demais bebidas num momento em que o café está posicionado de maneira privilegiada como sabor adquirido e hábito muito forte.
Este artigo foi originalmente publicado na seção PERSPECTIVA, do informativo Coffidential, número 17, de dezembro de 2008