Altas temperaturas não são novidades, pois estão acima da média histórica desde setembro do ano passado, mesmo durante períodos chuvosos
Profs. Paulo Mazzafera e José Donizeti Alves
Após um ano agrícola aparentemente normal, com boas floradas e sem os problemas no vingamento de flores de anos anteriores, surge agora uma estação quente e seca. Na verdade, essas altas temperaturas não são novidades, pois estão acima da média histórica desde setembro do ano passado, mesmo durante períodos chuvosos. E calor desestabiliza o metabolismo de qualquer planta e no caso do cafeeiro, cobra um alto preço de sua fisiologia.
Vamos considerar três exemplos. O primeiro diz respeito às enzimas, que possuem uma faixa ideal de temperatura para funcionar adequadamente. Acima dessa faixa, o metabolismo é acelerado e abaixo, retardado. O segundo exemplo está relacionado às altas temperaturas, que afetam a permeabilidade das membranas celulares, prejudicando a absorção de nutrientes pelas células das folhas. Além disso, sob temperaturas elevadas, os estômatos das plantas de café podem se fechar, mesmo quando há água disponível no sol reduzindo a entrada de água na planta.
Adicionalmente, nesse cenário de calor e seca, o processo fotossintético é desacelerado, pois com os estômatos fechados, o dióxido de carbono (CO2) não entra nas folhas e não pode ser incorporado aos fotoassimilados. Para complicar mais ainda, os hormônios sinalizadores de estresse, como o ácido abscísico e o etileno, atingem níveis elevados e espécies reativas de oxigênio (ROS) proliferam descontroladamente, uma vez que, com calor e seca, as defesas antioxidantes não conseguem limpar eficientemente as células. Além disso, o gasto de energia, que já é baixa, aumenta significativamente pela respiração, tanto durante o dia quanto à noite. Como resultado, as reservas diminuem e os cafeeiros depauperados, entram em colapso. Uma vez instalado o caos metabólico, haverá menos carbono e menos água disponíveis para a formação dos grãos durante a granação, que podem levar à diminuição da produtividade do café mesmo com água no solo.
O calor persistente em maio continua causando estragos. As altas temperaturas aceleram o processo de maturação devido ao aumento da produção de etileno, criando uma janela menor para a colheita. Desse modo, quando o cafeicultor planeja colher com uma determinada porcentagem cerejas, ele calcula o tempo necessário para colher sua lavoura e ajusta sua logística. Se a maturação ocorre de forma muito rápida, a programação fica comprometida, os frutos passas quando não caem aumentando o café de chão, mofa na planta.
Além da redução no período de colheita, os cafeicultores enfrentam outro problema sério que afeta seu planejamento e a qualidade do café: a desuniformidade na maturação. No ano passado, observamos várias floradas entre agosto e novembro. Embora não haja consenso, a literatura sugere que essa multiplicidade de floradas está relacionada ao longo período de indução e diferenciação floral que ocorre entre janeiro e junho. Quanto mais cedo esse fenômeno ocorre, mais precoce é a florada. No entanto, o período de repouso das gemas florais, anteriormente considerado crucial para sincronizar a floração, parece não estar funcionando conforme o esperado. Assim, resta aos cafeicultores lidar com múltiplas floradas e buscar auxílio na colheita seletiva dos frutos.
Para aqueles que anteciparam a colheita, a medida pode ter sido acertada, pois começaram com uma certa porcentagem de frutos vermelhos e acabaram com uma quantidade maior do que o esperado. Nesse caso, o agricultor acertou em dobro, pois ao colher antecipadamente, livrou a planta da carga de frutos que continua a drenar energia da planta, mesmo após o amadurecimento e permitiu que ela se preparasse melhor para o próximo ano. Adicionalmente, com a retirada dos frutos com mais antecedência, a planta pode guardar reservas, antes da queda de temperatura, favorecendo o crescimento radicular durante as épocas mais frias do ano. Essa reserva de energia será uma vantagem na retomada de crescimento com a chegada das chuvas no segundo semestre, mas com o clima ainda imprevisível, já que ninguém sabe exatamente quando e com que intensidade a La Niña se manifestará, podemos nos preparar para mais surpresas.