No campo, dólar alto gera paradoxo

14 de outubro de 2008 | Sem comentários Análise de Mercado Mercado
Por: VALOR ECONÔMICO

Patrick Cruz, de São Paulo


A alta do dólar nas últimas semanas pode ajudar a compensar a queda do preço das commodities agrícolas, mas cria um paradoxo dos produtores em sua relação com a crise econômica, segundo analistas e também conforme um mea culpa dos próprios agricultores: a torcida pela manutenção do dólar em alta pressupõe uma dilatação dos efeitos da crise, o que, em última instância, tende a reduzir a demanda mundial por alimentos.


“A chave para o produtor fechar a safra no azul está no câmbio, já que os preços caíram muito em relação à safra anterior. Esta é uma situação paradoxal porque o produtor, ao torcer pelo câmbio elevado, tem que torcer para a situação continuar ruim”, disse André Pessoa, diretor da Agroconsult, em seminário durante o “Destaque Bunge Agricultor Brasileiro 2008”.


Cálculos da Agroconsult apontam que, de acordo com os níveis do câmbio e da cotação da soja da última sexta-feira, a comercialização do grão em Mato Grosso, o maior produtor do país, ocorreria em margens ligeiramente positivas. Expectativa de mercado apresentada ontem pelo Boletim Focus, do Banco Central, contudo, aponta para o dólar a R$ 1,85 no fim de 2008. “Com essa taxa de câmbio, não há chance de a margem ser positiva”, disse Pessoa. No Paraná, com custos mais reduzidos com logística e fertilizantes, a situação “é um pouco melhor”, afirmou, mas o aperto nas margens também é evidente.


Embora concorde com Pessoa, o produtor Sérgio De Marco, que planta soja, milho e algodão em Rondonópolis (MT), afirma que o cenário “é muito pior”. “Na safra passada (2007/08), o câmbio desceu a R$ 1,60, mas a soja atingiu US$ 16 por bushel em Chicago. Agora, com a soja a US$ 9 por bushel, vai ser preciso vender muito mais sacas para se conseguir a mesma receita, mesmo com o câmbio mais favorável”, avaliou.


O quadro de câmbio em ascensão e soja mais barata ocorre em uma safra que contabiliza menos uso de fertilizante – cujos preços dispararam na esteira da alta do petróleo – , o que tende a reduzir a produtividade. O menor rendimento, se confirmado, ocorreria em um mercado com demanda mais fraca, caso os efeitos da crise se alastrem em países compradores, como a China. Abre-se, portanto, um outro paradoxo na relação dos produtores com a crise econômica: produtividade menor já não seria a pior das notícias, já que ela ajudaria a puxar os preços para cima. Produtividade menor, nesse sentido, já não seria um fator tão negativo, disse De Marco.


“A nossa esperança é o câmbio”, disse Raul Frare, que produz soja e milho em Tibagi (PR) e Ponta Porã (MS), que também atesta o paradoxo de ficar na expectativa por um câmbio elevado. “Mas a agricultura deve sofrer menos impactos negativos [da crise]. Ninguém vai deixar de comer por causa dela”.


Ontem, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues afirmou que o governo federal deveria fazer valer a lei dos preços mínimos para minimizar o impacto da crise financeira sobre o setor agrícola. Essa seria uma maneira de fazer a agricultura brasileira ocupar, no médio e longo prazos, espaços que outros países não conseguirão ocupar no mercado internacional.


Segundo o ex-ministro, que coordena o Centro de Estudos de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV), o mecanismo caiu em desuso nos últimos anos, mas poderia voltar a ser utilizado agora com a forte queda dos preços das commodities. Segundo ele, o governo teria que recalcular os preços mínimos com base nos custos de produção e depois alocar recursos no Orçamento da União para comprar parte da produção ou remunerar os agricultores com a diferença entre o preço mínimo e os preços de venda. O mecanismo seria acionado sempre que a produção fosse vendida por um preço inferior ao mínimo estabelecido.


“Agora é guerra, é hora de o governo demonstrar a sua posição pró-Brasil e não pró-agricultura, porque se a agricultura fracassar, lá na frente haverá problemas de inflação, de pouca oferta”, ressaltou Rodrigues, que participou ontem do III Seminário de Meio Ambiente Brasil-Japão, no BNDES.(Colaborou Rafael Rosas do Valor Online, no Rio)
 

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No campo, dólar alto gera paradoxo

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Patrick Cruz, de São Paulo


A alta do dólar nas últimas semanas pode ajudar a compensar a queda do preço das commodities agrícolas, mas cria um paradoxo dos produtores em sua relação com a crise econômica, segundo analistas e também conforme um mea culpa dos próprios agricultores: a torcida pela manutenção do dólar em alta pressupõe uma dilatação dos efeitos da crise, o que, em última instância, tende a reduzir a demanda mundial por alimentos.


“A chave para o produtor fechar a safra no azul está no câmbio, já que os preços caíram muito em relação à safra anterior. Esta é uma situação paradoxal porque o produtor, ao torcer pelo câmbio elevado, tem que torcer para a situação continuar ruim”, disse André Pessoa, diretor da Agroconsult, em seminário durante o “Destaque Bunge Agricultor Brasileiro 2008”.


Cálculos da Agroconsult apontam que, de acordo com os níveis do câmbio e da cotação da soja da última sexta-feira, a comercialização do grão em Mato Grosso, o maior produtor do país, ocorreria em margens ligeiramente positivas. Expectativa de mercado apresentada ontem pelo Boletim Focus, do Banco Central, contudo, aponta para o dólar a R$ 1,85 no fim de 2008. “Com essa taxa de câmbio, não há chance de a margem ser positiva”, disse Pessoa. No Paraná, com custos mais reduzidos com logística e fertilizantes, a situação “é um pouco melhor”, afirmou, mas o aperto nas margens também é evidente.


Embora concorde com Pessoa, o produtor Sérgio De Marco, que planta soja, milho e algodão em Rondonópolis (MT), afirma que o cenário “é muito pior”. “Na safra passada (2007/08), o câmbio desceu a R$ 1,60, mas a soja atingiu US$ 16 por bushel em Chicago. Agora, com a soja a US$ 9 por bushel, vai ser preciso vender muito mais sacas para se conseguir a mesma receita, mesmo com o câmbio mais favorável”, avaliou.


O quadro de câmbio em ascensão e soja mais barata ocorre em uma safra que contabiliza menos uso de fertilizante – cujos preços dispararam na esteira da alta do petróleo – , o que tende a reduzir a produtividade. O menor rendimento, se confirmado, ocorreria em um mercado com demanda mais fraca, caso os efeitos da crise se alastrem em países compradores, como a China. Abre-se, portanto, um outro paradoxo na relação dos produtores com a crise econômica: produtividade menor já não seria a pior das notícias, já que ela ajudaria a puxar os preços para cima. Produtividade menor, nesse sentido, já não seria um fator tão negativo, disse De Marco.


“A nossa esperança é o câmbio”, disse Raul Frare, que produz soja e milho em Tibagi (PR) e Ponta Porã (MS), que também atesta o paradoxo de ficar na expectativa por um câmbio elevado. “Mas a agricultura deve sofrer menos impactos negativos [da crise]. Ninguém vai deixar de comer por causa dela”.


Ontem, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues afirmou que o governo federal deveria fazer valer a lei dos preços mínimos para minimizar o impacto da crise financeira sobre o setor agrícola. Essa seria uma maneira de fazer a agricultura brasileira ocupar, no médio e longo prazos, espaços que outros países não conseguirão ocupar no mercado internacional.


Segundo o ex-ministro, que coordena o Centro de Estudos de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV), o mecanismo caiu em desuso nos últimos anos, mas poderia voltar a ser utilizado agora com a forte queda dos preços das commodities. Segundo ele, o governo teria que recalcular os preços mínimos com base nos custos de produção e depois alocar recursos no Orçamento da União para comprar parte da produção ou remunerar os agricultores com a diferença entre o preço mínimo e os preços de venda. O mecanismo seria acionado sempre que a produção fosse vendida por um preço inferior ao mínimo estabelecido.


“Agora é guerra, é hora de o governo demonstrar a sua posição pró-Brasil e não pró-agricultura, porque se a agricultura fracassar, lá na frente haverá problemas de inflação, de pouca oferta”, ressaltou Rodrigues, que participou ontem do III Seminário de Meio Ambiente Brasil-Japão, no BNDES.(Colaborou Rafael Rosas do Valor Online, no Rio)


 

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