Consumidor final já mostrou que está apto para mudança no valor, mas pagamento de prêmio ao produtor brasileiro tornaria transição ainda mais rápida
Por Virgínia Alves/ Notícias Agrícolas
A produção de café do Brasil tenta, a passos lentos, se recuperar das intempéries climáticas que afetaram as principais origens produtoras do país nos últimos ciclos. Diantedas dúvidas que norteiam o setor cafeeiro a nível global, uma coisa é certa: No elo final da cadeia, o consumidor final cobra por produtos mais sustentáveis e boas práticas agrícolas. E apesar de o Brasil a cada ano se mostrar preparado para essa mudança, o quanto isso afeta o bolso do produtor e mais do que isso, o torrefador é mais exigente, mas estaria disposto a pagar essa conta?
Avaliando o cenário atual, recentemente o Rabobank divulgou um estudo sobre os desafios da produção de café baixo carbono no Brasil. Chamando atenção para os debates sobre às mudanças climáticas e o papel da agricultura na redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), o material conduzido por Guilherme Morya avaliou os impactos ao produtor, os dados de exportação de café partindo do Brasil e em como essa transição pode alterar a produção no médio e longo prazo.
“A transição para um sistema de produção regenerativo apresenta desafios e custos iniciais para os produtores, mas conversas com cooperativas e produtores ressaltam os potenciais benefícios a longo prazo, além de um potencial aumento da produtividade”, afirma o relatório.
É importante ressaltar que os dados foram avaliados com os custos de produção do último mês de julho. “Os cafeicultores enfrentam desafios na adoção de práticas regenerativas. Os grandes produtoras certificados necessitam de ajustes menores, enquanto os pequenos produtores enfrentam maiores limitações devido aos elevados custos de mitigação das emissões e retornos financeiros mais demorados”, diz o documento.
O processo de transição de um sistema convencional para uma abordagem regenerativa, segundo Morya, requer não só o investimento financeiro, mas também determinação para superar barreiras. Citando as mudanças nas aplicações com redução de herbicidas, aplicação de fertilizantes orgânicos, plantio de culturas entre as linhas do cafezal, afirma que é preciso que o mercado entenda esse processo de mudança.
“A redução das emissões de gases de efeito estuda é um objetivo de grande importância. No entanto, é fundamental abordar as barreiras que impedem essa mudança nas práticas agrícolas”, complementa.
O período de transição exige também um período de aprendizado por parte dos produtores. “Adicionalmente, um potencial impacto nas margens pode ocorrer devido à redução temporária da produtividade durante a fase de adaptação”, afirma.
Apesar de desafiador, os dados levantados pelo Rabobank mostraram que após a fase inicial de adaptação, os produtores passam a colher benefícios no longo prazo, sem necessariamente enfrentar aumento expressivo nos custos de produção.
Os resultados resultaram de uma avaliação feita a partir de dados fornecidos por uma cooperativa, na qual as principais diferenças entre os dois sistemas consistem na substituição de fertilizantes minerais por compostos orgânicos e do uso de culturas de cobertura nas entrelinhas do cafezal.
“Assumindo o custo de produção para obter uma produção de 30 sacas (60kg) por hectare, observamos um aumento de 7,2% nos custos operacionais dentro do modelo de cafeicultura regenerativa. Considerando apenas os fertilizantes, o aumento foi de 20,7%.
Complementa ainda que apesar do investimento não apresentar retorno imediato, a adoção de boas práticas pode trazer recompensas significativas a médio e longo prazo, especialmente para estrutura do solo.
“Relatos também sugerem que essa mudança poderá, eventualmente, resultar em um aumento de produtividade, com estimativas variando entre dois a cinco sacas por hectare quando comparado com o sistema operacional. Se isso se confirmar, a diferença inicial nos custos de produção entre os sistemas seria, portanto, um efeito de curto prazo”, afirma.
O estudo aponta que o aumento médio do custo para o produtor fazer a transição para a cafeicultura regenerativa é de R$ 996 por hectare, equivalente a seca de US$ 199 por hectare. “O custo adicional para o produtor seria de aproximadamente US$ 6,6 por saca. Contudo, o novo sistema de produção resultaria em uma redução significativa de 8,9 toneladas de CO² por hectare anualmente.
O levantamento do Rabobank também destacou que grandes players do mercado já assumiram metas significativas para os próximos os próximos anos.
A Nestlé, por exemplo, informou no seu último relatório de sustentabilidade o compromisso de se tornar “net zero” até 2050. O objetivo da empresa é reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 20% até 2025 e em 50% até 2030.
No último relatório anual, a JDE também reforçou o compromisso com a redução das emissões de gases de efeito estufa. Até 2030 a empresa pretende diminuir as emissões em 25%.
Citou ainda a Strauss – empresa que trabalha em parceria com a 3 corações, também anunciou a meta de reduzir pela metade as emissões globais até 2030, com o foco de se tornar “net zero” até 2050.
“Se os torrefadores estiveram dispostos a pagar um prêmio adicional de pelo menos US$ 6,6 por saca pelo café cultivado por meio da agricultura regenerativa, isso representaria um aumento de aproximadamente 3% a 5% sobre o café convencional comparando os preços atuais ou à média dos últimos cinco anos”, afirma o estudo.
O Rabobank levantou ainda a seguinte questão: Até que ponto esse aumento de custos poderia ser transferido aos consumidores? Considerando a possibilidade dos torrefadores aceitarem a oferta de um prêmio adicional.
Os dados mostraram que, considerando o sucesso da Rainforest Alliance – uma das principais certificadoras mais reconhecidas de cafés sustentáveis do mundo, os consumidores estão sim dispostos a pagar um preço mais alto.
Os números mais recentes divulgados mostraram que em 2021, a Rainforest Alliance contou com quase 300 mil produtores de café e com um originação estimada de 846 mil toneladas de café certificado. “Nos últimos cinco anos, as vendas globais desse tipo de café cresceram a uma taxa média anual de 11%, com o Brasil contribuindo com cerca de 40% do volume total”, afirma.
No Brasil, o prêmio pago aos produtores pelo café certificado Rainforest Alliance varia de acordo a oferta e a demanda, mas, em média, esse valor adicional fica entre 3% e 8% em comparação com um saco de 60kg de café convencional.
Os cafés que possuem qualidade superior ou certificados de práticas sustentáveis responderam por 16,9% das exportações totais brasileiras do produto no acumulado deste ano, com o envio de 5,183 milhões de sacas ao exterior. Esse volume representa recuo de 9,6% frente ao registrado entre janeiro e outubro de 2022. O preço médio do produto diferenciado foi de US$ 233,20 por saca, gerando uma receita cambial
de US$ 1,209 bilhão nos 10 primeiros meses de 2023, o que corresponde a 18,9% do obtido com os embarques totais de café. No comparativo anual, o valor é 25,6% inferior ao aferido em idêntico intervalo do ano passado.
No ranking dos principais destinos dos cafés diferenciados até outubro, os EUA estão na liderança, com a aquisição de 1,152 milhão de sacas, o equivalente a 22,2% do total desse tipo de produto exportado. Fechando o top 5, aparecem Alemanha, com 788.682 sacas e representatividade de 15,2%; Bélgica, com 517.602 sacas (10%); Holanda (Países Baixos), com 321.996 sacas (6,2%); e Reino Unido, com 250.925 sacas (4,8%).