Jóias da Mata se destacam na produção de cafés especiais

Por: Globo Rural

AGRONEGÓCIOS
10/07/2008
 
Jóias da Mata se destacam na produção de cafés especiais
 
 
MÔNICA SCHMOLZ de Mattos venceu este ano a 17 a edição do Prêmio Brasil de Qua lidade para Café Espresso, promovido pela empresa italiana Illycaffè, recebendo o título de melhor café gourmet do Brasil. A notícia pegou a família Schmolz de surpresa, pois há cinco anos eles não vendiam para a empresa e, embora cientes da excelente qualidade de seu produto, não imaginavam alcançar a primeira colocação quando enviaram uma amostra para o concurso. Além do prêmio de 50 mil dólares, que Mônica usou para comprar um carro novo, a cafeicultora ajudou a divulgar a cidade de Araponga, MG, e contribuiu para a consolidação da região Matas de Minas – antigamente denominada Zona da Mata – no mapa mundial dos principais produtores de cafés especiais. E, não por coincidência, a família Schmõlz talvez tenha sido a maior responsável pelo ingresso da região no ranking das melhores áreas de café do mundo. Foi pelas mãos de Afonso, irmão de Mônica, que a Illycaffè descobriu que havia produto de qualidade em “Matas de Minas”, que até então mantinha a inglória fama de produtora de cafés de má qualidade.


A volta por cima começou quando Marino Petraco, pesquisador da Illy, fez uma palestra na Universidade Federal de Viçosa, em 1998. “A Illy, já era famosa pelo prêmio que oferecia, mas somente cafés do Cerrado e do Sul de Minas eram contemplados”, lembra Afonso Schmolz. A época, o produtor abordou o pesquisador pedindo que ele levasse uma amostrado seu café para prova na sede da Illy, em Trieste, na Itália. No entanto, devido à fama que a região tinha de produzir café ruim, Marino se recusou. “Eu insisti, dizendo que havia mandado uma amostra para Emilia Mori, pesquisadora do Ital – Instituto de Tecnologia de Alimentos, e que ela havia elogiado o produto. Só então ele aceitou”, conta Afonso. Alguns dias depois, o pesquisador enviou um fax para Afonso dizendo que o café tinha realmente características de qualidade e que ele devia inscrevê-lo no concurso. “Já no primeiro ano nosso café ficou entre os 50 finalistas. Foi um orgulho imenso. Afinal, ter um café de Matas de Minas finalista de concurso era uma coisa extremamente difícil”, diz Afonso. Um mês depois, Ernesto Illy desembarcou na região para conhecer as fazendas de café. “A gente agradece muito à empresa. Depois da primeira visita de Ernesto Illy, houve um `boom’ de qualidade e hoje os executivos da empresa estão aqui todo mês”, conta Mônica, a segunda mulher a vencer o concurso de qualidade em 17 anos de realização. De fato, os produtores brasileiros que investem em qualidade encontraram na companhia italiana o parceiro ideal, pois a Illycaffè – que registra vendas de 6 milhões de xícaras de café; por dia em 140 países – estimula as boas práticas agrícolas, oferece treinamento prático e teórico aos produtores e remunera com preços acima dos praticados no mercado.


Proprietários de uma fazenda de 300 hectares, os irmãos Schmõlz são ousados e vanguardistas em tudo o que se refere ao café. Depois de aceitos no seleto grupo de fornecedores da Illy, eles perceberam que podiam ir ainda mais longe. “A chancela da Illy nos credenciava como café de alta qualidade”, diz João. E foi novamente Afonso o escolhido para a busca de um novo segmento. Mesmo sem saber nenhuma palavra em inglês, ele encheu a bagagem de amostras e viajou para Londres atrás de potenciais compradores. “A gente não queria só vender café para a Illy. Nosso sonho era vender um café reconhecido pela história da nossa família e do nosso trabalho. Por isso, criamos uma marca e compramos um pequeno torrefador”, lembra Mônica. “Hoje, a maior parte da nossa produção é vendida nos Estados Unidos”, diz.


A safra 2008/2009 está estimada em 6 mil sacas de café. Deste volume, a produção de grãos especiais chega a 55%. Um índice alto. Para explicá-lo, Afonso revela a ousadia com que a família prepara o grão depois de colhido. “Temos um pós-colheita que contraria tudo o que as pessoas faziam antigamente”, diz. Isso significa que os produtores não costumam secar o produto despejando uma fina camada de grãos nos terreiros e mexendo com freqüência. “Criamos terreiros suspensos de altitude. O café é colhido e imediatamente depositamos uma espessa camada de 10 centímetros de grãos em cada terreiro. Esses grãos descansam por dias ao sol e são revolvidos apenas 3 vezes por dia “, conta João. Além disso, segundo os produtores, há cafés dos quais é retirado todo o mel (mucilagem) e cafés dos quais não se retira nada. No Brasil, há vários métodos de processamento após a colheita. Na região de Matas de Minas – onde a umidade é alta e ocorrem chuvas durante a colheita – o sistema cereja descascado é o mais comum. Nele, retira-se a casca do grão para que ele seque mais rápido. Quando se retira a mucilagem, o tempo é ainda menor.


Outra técnica vem apresentando resultados na fazenda, a de plantio espaçado. “Não existe verdade absoluta sobre o negócio de café, pois a cada dia a gente aprende uma coisa nova. Mas há uma tendência para os espaçamentos mais abertos terem maior qualidade. Essas plantas também recebem mais sol, por isso estamos voltando a espaçar os novos cafezais”, diz João.


Além disso, os produtores mantêm há cinco anos um convênio com a Universidade de Viçosa. “Instalamos diversas estações meteorológicas nas lavouras para tentar saber o que está acontecendo a fim de criarmos um modelo de repetição. Tudo começou com a certificação. A fazenda é certificada com o selo Utz Capeh – que viabiliza a venda para os mercados mais exigentes do mundo no que tange às questões ambientais e sociais – e Com o selo da BSCA – Brazilian Specialty Coffee Association. Em função da necessidade de se rastrear, os lotes são avaliados de perto”, diz Mônica.


Cuidados semelhantes são adotados nas fazendas Dutra, de propriedade dos irmãos Ednilson Alves Dutra e Valter César Dutra, situadas em Manhuaçu, cidade vizinha à Araponga. Ednilson ficou em segundo lugar no concurso de café especial da Illy e Valter alcançou a quinta colocação. Certificadas também pela BSCA e pela Utz Capeh, as fazendas Dutra mantêm cortinas de mata em torno dos cafezais. “Com isso, as nascentes são preservadas e o uso de agrotóxico caiu bastante pelo fato de o sistema ser bastante equilibrado”, diz Ednilson. Os irmãos nasceram na roça numa época em que o pai trabalhava como apanhador de café na região. Nas horas vagas, ele cultivava a própria lavoura. Inspirados pela determinação e coragem que vinham de dentro de casa, eles assumiram os negócios após a morte do patriarca. Durante uma visita ao Banco do Brasil, em 1999, tomaram conhecimento da Illycaffè, através de um cartaz de divulgação do concurso. Ao enviarem a primeira amostra, não foram premiados. “No entanto, eles se interessaram em comprar nosso café. Fizemos a primeira venda no mesmo ano: um volume de mais de 200 sacas. Nessa época, participamos de alguns cursos na Illy. E em 2000, nosso café ficou em quarto lugar “, lembra Valter, que junto com o irmão quadriplicou a lavoura herdada pelo pai, para os atuais 2 milhões de pés.


COM fOCO na produção para a Illy, os cafeicultores acabaram elevando a qualidade de toda a safra, atualmente estimada em 17 mil toneladas. A colheita é extremamente importante, pois o manuseio do grão vai influenciar a qualidade do produto final. As lavouras estão sempre limpas, e os cursos que os jovens cafeicultores fazem na empresa ajudam a manter o padrão de qualidade da lavoura. “Eles nos ensinam a produzir o café, construir tulhas e terreiros, entre outras coisas. Ser fornecedor da Illy mudou a nossa vida e também a vicia do nosso funcionário. Hoje, os empregados se orgulham de produzir um café de qualidade”, conta Ednilson.


Outra grande vantagem da parceria com a Ill y é que a empresa compra o café ainda na colheita. “Na hora em que você mais precisa de dinheiro, ela entra comprando.


Isso ajuda a custear a colheita, que responde por até 70% do custo de produção do café”, diz Valter.


Os jovens, hoje grandes cafeicultores, nem parecem os meninos que andavam oito quilômetros a pé para chegar à escola. “Mudamos de vida depois que começamos a vender para a Illy. Começamos a viajar para São Paulo, fizemos cursos, conhecemos outros produtores, novas tecnologias. Fomos também conhecer a fábrica de Trieste e fomos à Nova York contar nossa história num seminário. Nossa vida cultural melhorou muito. Nos consideramos parte da família Illy “, revela Valter com certo orgulho. Apesar disso, eles não esquecem sua origem. A casa pobre onde o pai nasceu foi restaurada e a moradia da família, depois que os pais casaram, foi transformada em escritório. “Nascemos em casa, com parteira, e temos orgulho de tudo o que nosso pai nos ensinou”, diz Valter. Atualmente, a venda para a torrefadora italiana soma 7 mil sacas. O custo de produção está estimado em 230 reais por saca para a safra 2008/2009. O preço do café despolpado bom se situa, em média, em 260 reais por saca. “A Illy paga 350 reais. Já os selos acrescentam uma pequena diferença de 10 reais. Mas o lado bom é a motivação dos funcionários e o melhor controle da fazenda”, diz Ednilson.


O que não vai para a Illy, os cafeicultores enviam para outros mercados. De acordo com eles, há clientes para todo tipo de produto. “As vendas de café cresceram muito nos últimos anos e hoje o consumidor jovem ajuda a elevar o consumo. Isso nos dá mais coragem para continuar investindo”, diz Ednilson. De fato, os irmãos acabam de comprar uma área de 25 hectares, que se somará aos 507 hectares da família, hoje distribuídos em cinco propriedades. Nas fazendas Dutra, o café especial é secado em terreiros e eles não costumam tirar a mucilagem (mel) do grão. Quando não há sol, o produto passa por um secador antes de descansar por 30 dias em tulhas. A receita parece simples. Mas é à custa de muita dedicação que os produtores de cafés especiais conseguem destacar seu produto entre as 45,5 milhões de sacas que o Brasil vai colher este ano, segundo dados da Conab – Companhia Nacional de Abastecimento.


Do volume estimado pela Conab, o café arábica participa com 76,1%, ou 34,7 milhões de sacas. Minas Gerais mantém a tradição de maior produtor do Brasil. As outras 10,8 milhões de sacas são de robusta, produzido especialmente no estado do Espírito Santo. Mais rústico, o conilon – como também é chamado – é bastante usado pela indústria brasileira para garantir a cor escura do produto final. Este ano os preços do produto seguem em altos patamares, uma vez que a safra mundial está em queda.
 

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