A chamada “crise dos alimentos” – alta dos preços internacionais das commodities agrícolas, que têm pressionado a inflação em diversos países – não tem solução a curto prazo, na avaliação do governo brasileiro e de analistas de mercado. Mas, para especialistas, o que o Brasil precisa é “fazer a lição de casa”, ou seja, investir em infra-estrutura e estímulo à produção. Medidas de curto prazo seriam “apenas paliativas”, dizem.
Para o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Reinhold Stephanes, a crise pode, paradoxalmente, ser mais uma oportunidade para o Brasil, como celeiro mundial de grãos. Em entrevista exclusiva a este jornal, ele aponta algumas soluções para este problema. “Pode-se diminuir as alíquotas naqueles poucos tributos que ainda existem em relação à cesta básica, como acabou de ser feito com o trigo.
Também pode-se incentivar o aumento de produção, porque uma das formas de contribuir para que não haja uma alta muito forte é aumentando a produção, apesar de a inflação nos preços dos alimentos ser importada. Ou aumentar o subsídio para as classes menos favorecidas”, diz. Segundo o ministro, são quatro os produtos que o governo deve dar tratamento diferenciado: feijão, arroz, milho e trigo. No caso do feijão, pela impossibilidade de estoque – o grão perde a qualidade – o estímulo se dará crédito, seguro e preço de garantia – entre R$ 80 a R$ 90 a saca. “Quando houver redução muito grande do preço, esse valor seria mantido pelo governo para evitar recessão na safra seguinte”, afirma. Com relação ao arroz, a política é para o controle do preço interno. Para o milho estão sendo feitos estudos e, no caso do trigo, ele acredita em um aumento de 20% na produção e, em autosuficiência em cinco anos. Para as populações de baixa renda, ele acrescenta também a distribuição de cestas básicas. “Para aumentar a produção de forma significativa, o governo teria de dar um choque de crédito, a custo barato. O que não vai ocorrer. Em tese, o preço alto dos alimentos estimula o plantio, mas está muito caro plantar”, diz a economista Amaryllis Romando, da Tendências. Na sua avaliação, o governo deveria atacar esta situação. Ela acrescenta que a possibilidade de aumento do volume de financiamento de R$ 58 bilhões para R$ 70 bilhões no plano de safra pode não ser suficiente diante do aumento do custo de produção. O próprio ministro aponta o custo – sobretudo dos adubos – como entrave: “É uma questão grave para o Brasil, pois, estrategicamente, a agricultura é altamente eficiente, mas é dependente da importação de insumos, que aumentaram muito ultimamente, devido ao petróleo. Os gastos com adubo são 40% do custo da produção da soja”.
O professor Tomaz Caetano Cannavan Ripoli, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), aponta a infra-estrutura como um dos gargalos para o custo de produção. Segundo ele, se as perdas pós-colheita até a mesa do consumidor fossem reduzidas pela metade, o País teria alimentos para todos os famintos. Ele acrescenta também que uma política de ciência e tecnologia para a agricultura e de assistência técnica reduziria o custo.
Amaryllis acrescenta também que a desoneração sobre os alimentos poderia ocorrer nos custos. “Está caro produzir e é óbvio que os impostos são elevados”, afirma. No entanto, segundo ela, não é uma solução a ser tomada momentâneamente. “O governo tem de fazer a reforma tributária e reduzir os problemas de infra-estrutura. Ou seja, fazer a lição de casa”, conclui. Quanto à crise atual, de imediato, segundo ela, quase nada pode ser feito. “Não é um problema apenas brasileiro”. Mas, de acordo com a economista, conter o consumo é uma solução. Amaryllis lembra que a Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) projeta um cenário de preços altos dos alimentos até 2017.
“A alta veio para ficar. Acredito que, nos próximos anos, teremos um patamar de preços mais alto ainda. O mundo continua crescendo, a renda aumentou e as populações da China, Índia, Rússia e Brasil estão comendo mais. Ao lado disso, o uso do milho para produzir etanol nos Estados Unidos também influenciou a alta dos preços, assim como o uso da canola, que está substituindo áreas de lavoura na Europa, e o de trigo para produzir etanol. Temos ainda as questões climáticas que começam a afetar a produção de alguns países”, afirma o ministro. Segundo ele, o Brasil é um dos poucos países do mundo que consegue produzir para atender a toda a demanda interna e seu aumento. “Não temos de nos preocupar, pois o Brasil ocupa uma situação privilegiada, o fenômeno que está acontecendo no mundo é uma oportunidade para o Brasil”, diz Stephanes.
Para o sócio-diretor da RC Consultores, Fábio Silveira, muitos produtos agrícolas já têm verificado um “arrefecimento” nos preços e, por conta disso, o cenário, para o segundo semestre é de uma menor pressão sobre a inflação. No entanto, apesar disso, a empresa já reviu – novamente – suas projeções para a inflação. Agora, passa de 5% para 5,3%.