O celeiro de grãos se fez com vencedores

VALOR ESTADOS
30/05/2008
 
O celeiro de grãos se fez com vencedores
 
 
Por Jacílio Saraiva
O Oeste Baiano é o maior celeiro de grãos do estado. A região produz 100% da safra de soja, 95% da de arroz, 90% do algodão e 80% da colheita de milho da Bahia. Em 2007, a produção de grãos cresceu 26%, atingindo 5,5 milhões de toneladas e, segundo especialistas do setor, deve chegar a 9,3 milhões em 2012. A área, no entanto, só foi efetivamente ocupada a partir da construção da Rodovia Brasília-Salvador, a BR-242, nos anos 70 – o que coincidiu com o esgotamento da fronteira agrícola entre Paraná e Santa Catarina. Isso provocou uma elevação no preço das terras e empurrou os produtores de grãos do sul do Brasil para os lados da Bahia.


No começo, a agricultura engatinhou com o plantio de arroz e capim. já a soja ganhou força principalmente a partir de 1983, com a ajuda da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que criou cultivares de soja tropical, mais resistente no cerrado. Depois da soja, vieram o café e a fruticultura – a região é a principal fornecedora de frutas tropicais, como mamão, melancia e graviola. No fim da década passada, começou a era do algodão, hoje um dos mais importantes produtos do Oeste. Atualmente, outras culturas, como a cana-de-açúcar e o girassol, usado para a produção de biodiesel, começam a florescer.


Um dos pioneiros sulinos que migrou para o Oeste Baiano foi o fazendeiro paranaense Walter Horita. Debaixo de um sol de 32 graus e bem no meio de 20 mil hectares de campos de algodão, o hoje próspero Horita parece estar em casa. Mas esse filho de japoneses que imigraram para o Brasil nos anos 30 percorreu um longo caminho até fazer fama e fortuna na região. Hoje ele é, inclusive, presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa).


Um dos três sócios da Horita Empreendimentos Agrícolas, o empresário é um retrato perfeito dos 1,2 mil produtores da região que deram certo: plantou e colheu. Começou em 1984, com uma nesga de 1,2 mil hectares, e hoje cultiva algodão, soja e milho numa gleba de 32 mil. “A meta é entregar 36 mil toneladas de algodão em pluma em 2008”, conta. Na verdade, nos últimos cinco anos, a produção de Horita triplicou. Desse volume, 30% segue para a exportação, iniciada há quatro anos, principalmente para compradores do Sudeste Asiático.


A Horita iniciou sua história no Brasil com a chegada da família do Japão, em 1937. O clã se instalou inicialmente em São Paulo, numa fazenda de café, e depois comprou 72 hectares de campos virgens no município de Floresta, no norte do Paraná, para trabalhar nas próprias terras.


A empresa chegou a ter mais de 500 hectares no sul do Brasil antes de partir para o cerrado nordestino, no início dos anos 80. “Na época, havia uma corrida de agricultores para o Oeste Baiano, atraídos por terras baratas e de baixa fertilidade”, lembra. Era possível comprar 1 hectare por pouco mais de US$ 40. Hoje, um lote do mesmo tamanho na região não sai por menos de US$ 4 mil.


“Estou com sete vendas em andamento”, confirma Ari Alves, dono da Oeste Imóveis, corretora que há oito anos vende fazendas no principal pólo agrícola da Bahia e comemora um aumento nos negócios desde fevereiro de 2008-segundo ele, por causa de investimentos na área da soja. Geralmente, as ofertas ã venda têm mais de 10 mil hectares e ainda não estão prontas para o cultivo. “Os principais compradores vêm do Sudeste, Sul e Centro-Oeste.”


Os Horita, por exemplo, iniciaram a saga na Bahia com uma área virgem de apenas 1,2 mil hectares. Plantaram 135 hectares de soja e 35 de arroz. “A produtividade era baixa por conta da falta de variedades adaptadas à região, mas investimos na aquisição de terras e no aumento da área plantada”, diz Walter Horita. A estratégia vingou feito semente.


Hoje, colecionam 32 mil hectares cultiváveis. O algodão, principal negócio do grupo, responsável por mais de 70% do faturamento, ocupa 20 mil hectares, seguido da soja e do milho, com 6 mil cada um. “Há poucas regiões no Brasil onde é possível explorar três culturas ao mesmo tempo.”


Da produção algodoeira esperada para 2008- que deve chegar a 36 mil toneladas de algodão em pluma e 50 mil de caroço de algodão -, 70% fica no mercado interno e o restante embarca para países como Indonésia, Coréia, China e Japão. Segundo o fazendeiro, os importadores apreciam o produto baiano não só pela qualidade, mas pela freqüência da entrega.


“Conseguimos fornecer a mercadoria ao longo de todo o ano, principalmente entre os meses de junho e fevereiro”, diz. O algodão da Bahia apresenta qualidades invejadas lá fora, como a brancura, a resistência e o bom comprimento das fibras: o clima do cerrado oferece condições ideais para o desenvolvimento da cotonicultura.


A temperatura média anual é de 23 graus e há duas estações definidas. A chuvosa, com índices pluviométricos que atingem 1,8 mil milímetros por ano, e a seca, que dura cinco meses e permite que a colheita seja feita com uma boa preservação dos fios. A topografia plana também ajuda a mecanização de todas as etapas da produção.


Horita mantém 400 empregados fixos na fazenda de São Desidério, município de 19 mil habitantes, a 860 quilômetros de Salvador. Na época do beneficiamento do algodão, a equipe ganha um reforço de mais 220 pessoas e, durante a limpeza da área de cultivo, feita de dezembro a abril, oferece trabalho a mais 400 agricultores.


A soja e o milho também devem mostrar bons resultados em 2008. Metade da soja produzida na propriedade, que deve chegar a 22 mil toneladas em 2008, vai para Europa, China e Japão. Já o milho deve alcançar 55 mil toneladas nesta safra. “Conseguimos triplicar a nossa produção nos últimos cinco anos”, garante.


Segundo conta Jackson Mendonça, professor de economia rural da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o Oeste Baiano foi dividido – para efeito de planejamento – em 25 cidades, numa área de 120 mil quilômetros quadrados. O município de Luís Eduardo Magalhães, com 50 mil habitantes, é um dos mais importantes da região, ao lado de Barreiras, que, com população de 120 mil pessoas, ficou conhecida como a “capital do Oeste”.


Na ponta do lápis, a região representa cerca de um terço do território estadual, de 56 milhões de hectares. Segundo Humberto Santa Cruz, presidente da Associação dos Agricultores e Irrigantes da Bahia (Riba), a pólo guarda 1,5 milhão de hectares cultiváveis. São 950 mil hectares de soja, 310 mil de algodão, 190 mil de milho e 15 mil de café.


O produtor do Oeste também tem características próprias: é 100% mecanizado, confia no associativismo, faz rotação de culturas e pilota grandes fazendas. “O módulo médio na região chega a 1,3 mil hectares”, diz Santa Cruz, conhecido por produzir café, laranja e mamão para exportação.


A pesquisa científica também tem ajudado os produtores locais a ganhar a corrida agrícola no estado. A Fundação Bahia (de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento da região) inaugura até dezembro de 2008, em Luís Eduardo Magalhães, uma área irrigada de 120 hectares para conduzir testes de variedades de grãos e de combate às pragas.


Com um time de 54 pessoas, entre agrônomos e técnicos agrícolas de Bahia, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, a entidade pesquisa novas variedades de soja e ajuda os produtores com melhores formas de plantio. Hoje tem um orçamento de R$ 4 milhões por ano e ainda conduz pesquisas sobre milho, algodão, café e cana-deaçúcar- a nova vedete do cerrado. “A idéia é que, nos próximos cinco anos, esse valor seja duplicado”, revela Amauri Stracci, presidente da fundação, com 26 sócios cotistas e 1,1 mil produtores associados.


De 1997 para cá, os técnicos da Fundação Bahia já descobriram três variedades comerciais de soja e devem apresentar mais três espécies geneticamente modificadas em junho. Em 2004, conseguiram brecar os prejuízos nas safras dos dois anos anteriores com o monitoramento da ferrugem asiática, praga provocada por um fungo e disseminada pelo vento. A doença praticamente dizimou a safra de soja entre 2002 e 2003.


Há dois anos, os especialistas também descobriram que o corte no fornecimento de água nas plantações de café – cultura de perfil irrigado na Bahia – melhorava a qualidade da bebida. Outra linha de pesquisa pretende eliminar o bicudo, inseto que ataca as plantações de algodão.


“Agora, estamos envolvidos com a canade-açúcar, com estudos sobre a fertilidade do solo e as espécies mais adequadas às lavouras”, afirma Stracci. Segundo ele, pelo menos três empresas estão interessadas em explorar a cana no Oeste Baiano, de olho na produção de energia alternativa.


A Agropecuária Xingu – controlada pela Multigrain, uma joint venture entre a brasileira PMG Trading, a cooperativa americana CHS e a japonesa Mitsui -já anunciou que pretende, em três anos, cercar 30 mil hectares de cana em Correntina, município com mais de 30 mil habitantes. Na região desde 2005, a Xingu tem 400 funcionários na Bahia e ocupa uma área de 100 mil hectares no Oeste, entre Correntina e São Desidério.


“Já começamos a construir a usina de álcool”, confirma Paulo Garcez, presidente da Multigrain do Brasil. Ele pega carona em um recente decreto do governo estadual, válido até 2010, que oferece incentivos fiscais às atividades de usinas alcooleiras. Outro projeto do empresário na região é uma unidade de descaroçamento de algodão, prevista para operar a partir de julho. “A idéia é produzir 90 fardos de algodão em pluma por hora, ou 200 mil unidades por safra.” Cada fardo pesa 200 quilos e 90% da colheita deve ser vendida para o Japão.


A nova unidade industrial da Multigrain inclui ainda usinas de etanol e biodiesel, com investimentos esperados de R$ 500 milhões. “Acredito no Oeste Baiano por conta das condições topográficas e climáticas, as melhores do Brasil”, diz Garcez.


Mas nem tudo é fartura no interior da Bahia. O maior problema da região é a falta de infra-estrutura para escoar a produção. “Precisamos de ferrovias, reformas nas rodovias, como a duplicação da BR 242-020, e estradas pavimentadas que interliguem as regiões agrícolas às BRs”, diz Eduardo Yamashita, secretário de Agricultura e Meio Ambiente de Luís Eduardo Magalhães.


Para se ter uma idéia, os carregamentos de soja da Horita Empreendimentos Agrícolas precisam vencer mais de 800 quilómetros de estradas para sair de Luís Magalhães até os portos de Ilhéus ou Aratu (BA), numa viagem que dura um dia. Já os caminhões de algodão demoram três dias para chegar ao terminal de Santos (SP) e percorrer quase 2 mil quilõmetros de asfalto. “Cerca de 80% das estradas vicinais da região são mantidas pelos próprios fazendeiros”, afirma Stracci, da Fundação Bahia.


Hoje, o grande sonho dos produtores é a chegada da Ferrovia Leste-Oeste, que vai ligar o Oeste Baiano ao litoral, com previsão de largada a partir de 2009. Orçada em R$ 2,5 bilhões, com recursos dos governos federal e estadual, a linha será especializada em transporte de grãos, minérios e biocombustíveis produzidos nas regiões Oeste, Sudoeste e sul da Bahia. “Estamos à espera do trem”, diz Horita.

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