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14/04/2008
Restrições às exportações ampliam crise de alimentos
FINANCIAL TIMES (UK) TRADUÇÃO UOL
Alan Beattie e Javier Blas
Dale Wiest, gerente da Unga, um empresa moedora de milho na capital queniana de Nairóbi, vê o efeito que as desesperadas restrições de comércio têm no preço dos alimentos muito claramente.
No ano passado ele comprou metade de seus grãos da vizinha Tanzânia. Mas depois de uma safra ruim, o país baniu as exportações em janeiro. “Desde então, não podemos mais comprar deles”, diz. Os preços do milho no Quênia estão um terço mais altos do que há um ano e Wiest está pessimista. “Acho que os preços vão aumentar mais ainda”, disse.
A produção de alimentos, como a maioria das indústrias, tornou-se cada vez mais globalizada à medida que o transporte se tornou mais barato e a comunicação mais eficiente. Mas o comércio de alimentos está longe de ser livre: assim como os têxteis e o vestuário, ele tem sofrido há tempos com restrições impostas pelos governos. As distorções resultantes ajudaram a moldar a crise que desencadeou saques de alimentos em cerca de 30 países neste ano – e o boicote de exportações imposto pelos governos em todo o mundo exacerba esta situação.
O crescimento de países exportadores com uma agricultura hipereficiente como o Brasil e a Tailândia durante as últimas décadas pode ser comparado à abertura dos pampas argentinos e da pradaria norte-americana durante o fim do século 19, que revolucionou o comércio de trigo e carne. O Brasil em particular, dotado de água em abundância e milhões de quilômetros quadrados de pastos cultiváveis (e a floresta Amazônica, ilicitamente) tornou-se para muitas commodities – açúcar, carne, soja, suco de laranja e frango – o que a China é para os bens manufaturados e a Índia para a terceirização de serviços de negócios.
Alguns países em desenvolvimento passaram a depender substancialmente de importações para suprir a demanda de itens básicos como trigo, milho e arroz. O Egito, por exemplo, cuja população mais do que dobrou nos últimos 20 anos e está cada vez mais urbanizado, importa cerca de metade de seu principal alimento, o trigo. Tony Allan, especialista em uso da água na Escola de Estudos Africanos e Orientais em Londres, diz que o país não tem escolha, uma vez que não é mais capaz de alimentar sua população de forma sustentável – mesmo com os recursos de água do Nilo. No mês passado, o presidente egípcio Hosni Mubarak, ordenou ao exército que aumentasse a produção de pão nas muitas padarias que controla – normalmente usadas para produzir pão para seus próprios soldados – para fazer frente às filas cada vez mais longas pelo alimento e ocasionais irrupções de violência.
Mas apesar de esses grãos básicos serem facilmente trocados, já que não são perecíveis, é impressionante o quão pouco eles são vendidos além das fronteiras internacionais. O arroz fornece quase que um terço das calorias dos países em desenvolvimento, mas apenas cerca de 6% a 7% da produção mundial é exportada, apesar das grandes variações em produtividade e preço entre os países.
Isso é decorrente em parte da crença de que a “segurança alimentar” – garantindo o suprimento do sustento básico – é melhor servida mantendo uma grande proporção da produção em casa, especialmente nos países onde as cadeias de importação são ineficientes ou controladas por monopólios que podem restringir as vendas para aumentar os preços. Como resultado, o mercado internacional de arroz está longe de ser eficiente, fracionado em uma série de acordos bilaterais em vez de basear-se numa troca líquida.
A preferência pela produção interna nos países mais ricos revela outro motivo familiar: uma afeição histórica pelo cultivo que está normalmente ligada ao apego emocional pela cultura, pela cozinha e pela paisagem. Os pequenos produtores do Japão e da Coréia do Sul, por exemplo, que cultivam arroz em terraços nos sopés das montanhas, estão entre os mais mimados do mundo: algumas das tarifas japonesas que mantêm os competidores estrangeiros com produtos mais baratos fora do mercado chegam a passar dos 700%.
Essas intervenções com freqüência distorcem os números do mercado mundial. Os governos impõem tarifas e subsídios para manter os ganhos dos fazendeiros mais altos do que seria possível se eles estivessem submetidos à competição do mercado livre. Às vezes eles também compensam os consumidores com subsídios para manter os preços baixos.
Essas intervenções variam de país para país, inevitavelmente. O Instituto Internacional de Pesquisa em Política Alimentar (IFPRI, na sigla em inglês), sediado em Washington, estima que os preços domésticos de milho no México estejam 35% mais altos do que os preços mundiais desde o começo de 2005, enquanto na Índia o arroz está em média mais de duas vezes mais caro do que no mercado mundial. Mas como os preços de venda normalmente permanecem fixos, os sinais dos mercados mundiais são silenciados.
Pacificar os fazendeiros e os consumidores pode ser relativamente fácil, apesar de não necessariamente eficiente, quando os preços dos alimentos estão estáveis. Mas os preços altos e voláteis de hoje tornam cada vez mais caro atenuar o golpe para os consumidores e muitos dos governos dos países mais pobres não são capazes de segurar os preços dos alimentos indefinidamente. Em vez disso, começaram a remover as tarifas de importação e banir as exportações na tentativa de transferir os ganhos diretamente dos fazendeiros para os consumidores – na realidade evitando que os fazendeiros vendam sua produção pelo melhor preço que conseguirem nos mercados internacionais.
Essas medidas podem aliviar os problemas da demanda doméstica a curto prazo. Mas elas também geram escassez nos mercados globais, acentuando os problemas daqueles que são obrigados a depender de importações e exportações – particularmente quando exportadores eficientes de grãos como a Argentina e a Ucrânia restringem suas vendas. Joachim von Braum, diretor-geral do IFPRI, chama essas políticas de “mate o vizinho de fome”.
Os preços dos principais alimentos são altamente sensíveis aos choques. Tanto a demanda quando a oferta tendem a ser inflexíveis, sobretudo a curto prazo. Uma vez que os grãos são o sustento mais barato disponível, os consumidores tendem a não substituí-los por outros alimentos mesmo quando os preços sobem.
Também é difícil colocar uma nova produção funcionando rapidamente. A oferta normalmente cresce em apenas 1% a 2% para um aumento de preços de 10%. A demanda mundial por cereais aumentou 8% e desde então tem se acelerado, em parte em decorrência da expansão dos programas de biocombustíveis subsidiados pelos Estados que substituíram as lavouras de alimentos.
Isso foi exacerbado pelas políticas governamentais. Se a primeira reação for manter a produção fora do mercado mundial, os preços irão aumentar ainda mais. Piet Bukman, ex-ministro do comércio e agricultura da Holanda que agora é presidente do Conselho Internacional de Políticas Agrícolas e de Alimentos, uma associação de especialistas em comércio, diz: “Os produtores agrícolas precisam de uma boa transmissão dos sinais do mercado, que normalmente é impedida pelos boicotes de importação e exportação, mesmo que esses sejam implementados em nome da segurança alimentar.”
Os países pobres, muitos deles na África Sub-Saariana, são particularmente vulneráveis uma vez que seus setores agrícolas variáveis e pouco produtivos os tornam extremamente dependentes da importação de alimentos básicos. Os grãos (incluindo o arroz) somam 63% das calorias consumidas nos países de baixa renda da Ásia e cerca de metade do que é consumido na África Sub-Saariana. A Eritréia, por exemplo, importa 87% de seus grãos e as exportações do país cobrem apenas 25% de sua conta de importação de alimentos, o resto é financiado com a ajuda de doações de países ricos. Os países africanos tipicamente exportam produtos tropicais como o café, chá e frutas, cujos preços não acompanharam os preços dos grãos básicos.
Nos países em desenvolvimento, alguns se dão bem e outros se dão mal com os preços altos. Os moradores das cidades que consomem mas não produzem os alimentos tendem a se dar mal, mas não são os únicos.
Existe uma noção de que, uma vez que a maior parte da pobreza do mundo em desenvolvimento está concentrada nas áreas rurais, os altos preços de alimentos são bons para os mais pobres. Mas isso varia consideravelmente de país para país, dependendo de quantas famílias vendem mais alimentos básicos do que compram. Os pobres de Bangladesh, por exemplo, tendem em média a perder: 22% do lucro dos compradores de alimentos vão para os grãos. No Vietnã, por outro lado, há pequenos produtores mais competitivos que tendem a se beneficiar com os preços altos.
Acima de tudo, diz Braun, “não há evidências que suportem a idéia de que os preços mais altos das safras podem em geral fazer com que as famílias pobres ganhem mais ao vender a produção do que perderiam ao consumir”.
Além de cortar as tarifas de importação, como muitos governos de países em desenvolvimento estão fazendo, e voltando atrás nos subsídios governamentais para os biocombustíveis, o que os governos ricos estão resistindo em fazer, há poucas soluções imediatas para o aumento dos preços dos alimentos. A última vez que aconteceu uma crise global foi no começo dos anos 70, quando houve uma combinação familiar de aumento geral nos preços das commodities, estremecimento do mercado financeiro e aumento da demanda por alimentos no mundo em desenvolvimento. As políticas então tinham dois vieses: mudar a intervenção dos governos para encorajar a oferta e aumentar a produtividade usando novas tecnologias. A perspectiva de fazer o mesmo dessa vez pode ser mais limitada.
Nos anos 70, os Estados Unidos reverteram quarenta anos de uma política agrária que vinha desde a Grande Depressão e mudaram seus programas para encorajar a oferta em vez de sustentar os preços limitando a produção. Uma reforma subseqüente, em parte instigada por acordos de comércio mundiais que tentavam acabar com as distorções dos mercados agrícolas, desde então fez pouca diferença nesse modelo básico. Os fazendeiros americanos são pagos para produzir. A mesma reforma não pode ser repetida, e tirar os subsídios dos EUA para os produtores de trigo e arroz – uma demanda-chave feita pelos países em desenvolvimento nos acordos de comércio – iria aumentar, e não diminuir, os preços globais dos alimentos.
A médio prazo, as perspectivas para a oferta se baseiam em usar mais terra e melhorar o acesso dos fazendeiros às finanças e aos mercados. A longo prazo, a esperança está na tecnologia – na adoção em larga escala de alimentos modificados geneticamente ou na repetição da “Revolução Verde” dos anos 60 e 70 que produziu novas variedades de grãos e ajudou países como a Índia a se tornarem auto-suficientes em alimentos. Mas o trabalho pelos mesmos avanços na África, apesar de ser algo perseguido com urgência por doadores como a Fundação Bill e Melinda Gates e o Earth Institute da Universidade de Columbia, ainda está em um estágio inicial.
No momento, a reação automática de muitos governos tem sido resolver uma distorção do mercado com outra e tornar o problema pior. Pedro de Camargo Neto, ex-chefe de negociações agrícolas do Brasil em diálogos de comércio globais e regionais, diz: “é muito frustrante ver nossa vizinha Argentina cometer os mesmos erros que o Brasil cometeu há 20 anos, com boicotes de exportação e proibições. A solução é criar os sinais do mercado que significam mais produção, melhor tecnologia e maior estabilidade. As proibições às exportações não são uma solução para ninguém.”
Custos em alta destroem os lucros dos fazendeiros
Será que os preços recorde dos alimentos podem ser sua própria cura, levando os fazendeiros ao redor do mundo a aumentarem suas produções? Uma viagem de campo recente de Josette Sheeran, diretora do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas, ao Quênia forneceu pouca evidência para sustentar essa visão.
Quando, numa reunião com um grupo de fazendeiros, Sheeran pediu para que eles levantassem as mãos se estivessem se beneficiando do aumento dos preços das commodities agrícolas, nenhum entre as duas dúzias de presentes o fez. “Definitivamente não há benefício”, disse Carl Tundo, gerente da Grãos Lesiolo no Quênia, a Sheeran. “Os custos de produção aumentaram absurdamente nos últimos seis meses – tudo, desde os fertilizantes às sementes e combustíveis, está mais caro.”
Mesmo com o aumento dos preços de venda, o alto custo da produção – especialmente dos fertilizantes e do diesel – freqüentemente impede que os fazendeiros de países pobres na África Sub-Saariana e no Sudeste Asiático tenham lucro.
No Paquistão, por exemplo, o governo previu uma queda na safra de trigo nesta primavera e verão, apesar dos preços recordes. Isso porque os fazendeiros de lá diminuíram pela metade o uso de fertilizantes depois de um aumento de quase 50% no ano passado. O menor uso de fertilizante reduziu a safra de trigo, erodindo o lucro dos fazendeiros.
Nestor Osorio, diretor executivo da Organização Internacional do Café, diz que os preços explosivos do petróleo estão exercendo um impacto negativo nos lucros dos fazendeiros de café. “Isso pode fazer com que eles cortem o uso de fertilizantes, com uma queda conseqüente na produtividade.”
Isso é má notícia para o suprimento mundial de produtos agrícolas. Pior ainda, os fazendeiros dos países pobres podem não conseguir aumentar suas plantações – e em alguns casos até mesmo reduzir suas lavouras – apesar dos preços recordes e da forte demanda atual.
A situação é diferente nos países ricos da Europa e nos EUA, onde os preços dos produtores estão mais próximos daqueles praticados no mercado internacional e, além do mais, os fazendeiros recebem generosos subsídios governamentais. A combinação está incentivando os fazendeiros a plantarem mais num esforço para tirarem o maior benefício do aumento da demanda.
O Departamento de Agricultura dos EUA prevê que os fazendeiros do país plantarão a maior lavoura desde 1984, apesar de não estar claro se essa expansão se traduzirá em uma safra excepcional, por causa da qualidade ruim de boa parte das novas terras.
O lucro agrícola líquido nos EUA está previsto para chegar a um recorde de US$ 92,3 bilhões este ano, um aumento de 4,1% em relação a 2007. Joseph Glauver, economista-chefe do Departamento, disse aos fazendeiros numa conferência recente que não haverá muita discussão quanto ao fato de 2007 ter sido “um dos melhores anos que a agricultura já viu”.
“Enquanto olhamos adiante para 2008, o cenário parece montado para outro ano de prosperidade e crescimento”, disse Glauber em uma reunião de quase mil fazendeiros sorridentes e executivos da indústria de alimentos.
Os fazendeiros ocidentais também desfrutam do acesso dos mercados futuros de commodities, o que permite que eles mantenham os preços altos atuais. Além disso, eles podem fazer seguro sobre suas safras – a preços subsidiados, graças ao apoio do governo – contra danos do clima.
Isso está a um mundo de distância dos boicotes de exportação e controle de preços que os governos dos países em desenvolvimento vêem como principais ferramentas para assegurar que suas populações sejam alimentadas. Esses mecanismos desencorajam o aumento da produção, não somente nos países mais pobres mas também em maiores economias em desenvolvimento essenciais para a produção agrícola – como a Argentina, a Ucrânia ou o Vietnã.
A Argentina é em particular um bom exemplo. Depois que o governo baixou uma tarifa de exportação de 44% sobre os grãos de soja, a safra foi adiada e os analistas diminuíram suas previsões em relação ao tamanho da área plantada no próximo ano. Os fazendeiros dizem que não há incentivo para plantar mais se não podem colocar no bolso o lucro com os preços internacionais recordes.
No Egito, onde o preço do arroz local aumentou US$ 200 por tonelada em outubro passado para US$ 430 no começo desse mês, a decisão do governo de banir as exportações por seis meses fez com que o preço caísse US$ 100 em um só dia.
Os controles nacionais de preços são especialmente prejudiciais, de acordo com Joachim von Braun, diretor-geral do Instituto Internacional de Pesquisa em Política Alimentar sediado em Washington. “Os controles de preço reduzem o valor que os fazendeiros recebem pelos seus produtos agrícolas e assim reduzem seu incentivo para produzir mais alimentos”, disse.