Artigo publicado na Comunidade Manejo da Lavoura Cafeeira no Peabirus
Maria Sylvia Macchione Saes
Professora do Departamento de Administração da USP e pesquisadora do PENSA
Bruno Varella Miranda
Bacharel em Relações Internacionais pela USP e Pesquisador do PENSA
Sustentabilidade virou a palavra do momento. Repetida como uma espécie de mantra, muitas vezes este termo é vítima da falta de cuidado de seus usuários. A maioria das pessoas não tem a mínima idéia de seu significado, mas o fato é que associar um produto, uma idéia ou uma atitude ao rótulo “sustentável” vem se tornando um imperativo no mundo corporativo atual. Quem ainda não entrou nesta onda o quer de forma rápida, de olho nos ganhos de imagem.
Não é nossa intenção discutir as diversas interpretações que a idéia da sustentabilidade pode possuir no meio acadêmico; para nossos fins, basta dizermos que a polêmica é grandiosa. Por outro lado, é de todo o interesse entendermos quais os efeitos que a adoção da noção de sustentabilidade, seja qual for sua interpretação, possui para os diversos setores da economia. Obviamente, iguais as coisas não estão. Tem consumidor pedindo um produto diferente, e empresas correndo atrás de nichos de mercado bem atraentes. E para o cafeicultor, como é que fica?
Na cafeicultura, sustentabilidade pode se refletir em maiores ganhos, principalmente quando amparada no ávido interesse de consumidores com demandas específicas, algo comum em algumas sociedades do Primeiro Mundo. Mesmo em nossa coluna, são recorrentes as referências às vantagens colhidas por cafeicultores capazes de entrar nestes nichos de mercado. Apesar disso, são diversos os ângulos que podem ser escolhidos para esta análise, e casos de sucesso absoluto não se universalizarão.
São das mais interessantes as histórias de comunidades pobres que souberam aproveitar a ausência de condições para a inserção no mercado convencional como um trunfo para a exploração de nichos como a agricultura orgânica; no entanto, a realidade nos mostra que para milhares de cafeicultores, o quadro é outro e os dilemas enfrentados são bem diversificados. Para o produtor comum, nem sempre a adoção dos valores dessa nova onda se reflete em ganhos maiores.
Primeiramente, é necessário salientarmos que altruísmo nunca foi o forte da iniciativa privada, mesmo porque a lógica econômica darwinista nunca perdoou aqueles que se atreveram a assumir uma postura menos egoísta. O discurso da sustentabilidade pega no mundo corporativo porque o mesmo pode garantir um aumento nos lucros. Afinal, o consumidor que se preocupa com o meio ambiente ou com as condições de trabalho dos camponeses é aquele que possui maior renda, maior acesso à informação, e até mesmo maior folga nas contas do fim do mês para consumir atributos como o alívio por estar ajudando as matas tropicais, por exemplo. Ou indo além, é o sujeito que não quer se contaminar com produtos químicos, não quer comer carne de animais que viveram estressados e podem produzir enzimas prejudiciais à saúde, quer evitar o aquecimento global pois este pode afetar sua vida diretamente e por fim não quer sentir-se culpado em pagar por um café mais que o salário de um mês de um trabalhador do campo nos países do terceiro mundo!
Na outra ponta, o produtor tem que conviver com informações desencontradas em muitos casos, dificuldades de planejar o longo prazo, e pressões crescentes de empresas com um poder crescente de mercado. A certificação custa caro, determinadas práticas sustentáveis idem. Principalmente em casos nos quais a readequação da produção é necessária, o investimento pode ser considerável.
De forma crescente, nem mesmo a chance de se pensar duas vezes é dada aos produtores. Atentas ao gosto do consumidor, algumas empresas vêm aumentando a exigência em relação ao produto adquirido, buscando o fornecimento da matéria prima perfeita. Nas gôndolas dos supermercados, é crescente o interesse no oferecimento de um café com o maior número de atributos possíveis, como qualidade, respeito a regras sociais, ambientais, etc. No entanto, na hora de pagar a conta, é rara a iniciativa que se disponha a transferir mais recursos aos produtores. Aumenta a exigência, porém os ganhos da ponta da produção continuam constantes.
Este quadro, ironicamente, pode levar a uma deterioração em determinadas variáveis que atualmente podem ser consideradas fonte de orgulho para a cafeicultura brasileira. Por exemplo, a existência de milhares de médios produtores, formadores de uma classe média fundamental para o progresso de qualquer sociedade, pode se ver ameaçada por uma atividade na qual ou se prioriza a necessidade ferrenha por escala, ou se impõe custos que nem todos podem arcar. Sustentáveis ou não, os cafeicultores do futuro poderão ser donos de propriedades cada vez maiores, o que implica em um número menor de pessoas atuando no campo, mais gente nas cidades, e o eventual aprofundamento de alguns de nossos problemas urbanos.
As tendências para o futuro já estão dadas, e os dados não mentem. Mais gente se interessa por atributos que até bem pouco tempo atrás nem eram citados pela literatura ou pelos gurus do mercado, e os agentes têm que se virar para garantir o fornecimento de produtos diferenciados. Sustentabilidade faz bem para o nosso planeta, mas não podemos nos esquecer de que a consolidação desta noção implica na afirmação de valores como a solidariedade também. Pode parecer utópico esta última frase, e de fato ela é; no entanto, tem muita empresa ganhando pesado com o discurso da sustentabilidade sem garantir qualquer contrapartida àqueles que de fato são os agentes capazes de garantir que esta noção seja respeitada no contato com o meio ambiente.