O caráter social da cultura do café

Por: 28/09/2007 09:09:55 - Gazeta Mercantil

28 de Setembro de 2007 – A produção nacional gera renda para uma população hoje marginalizada. O Brasil não está sabendo explorar a contribuição que o café pode dar ao seu desenvolvimento econômico e social. Hoje, o café já é o produto agrícola que apresenta maior crescimento de consumo no mundo. Ainda assim, 2/3 da população mundial ainda o desconhecem, o que dá a exata dimensão de seu potencial como commodity e fator de geração de renda, sobretudo para países em desenvolvimento.

O aumento de seu consumo tem tido taxas mundiais de 1,5% ao ano. No Brasil, o consumo foi de 5% no último ano, e de 1993 para cá o aumento acumulado foi de 20%. Países euroasáticos, que até pouco tempo mal conheciam o grão, assimilaram a bebida e incorporaram-na aos seus hábitos. Este é, por exemplo, o caso marcante da Rússia, que já é o maior consumidor de solúvel do mundo. No Leste Europeu o consumo deste tipo de café cresce entre 5% e 7% ao ano.

Esses países seguem o exemplo dos EUA, que, na primeira metade do século XX, no bojo de políticas que culminaram com a Lei Seca, incentivaram o consumo do café para combater o elevadíssimo consumo de álcool. Como resultado, tornaram-se os maiores consumidores de café do mundo. Por sinal, neste período o Brasil dobrou a sua exportação de café. Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia.

O café tem tido papel destacado como lavoura substituta de plantações de narcóticos, em especial a cocaína e o ópio, transformações que têm sido feitas com sucesso na Colômbia e na Tailândia, entre outros países. De fato não se pode esquecer que os maiores consumidores de café no mundo são as classes mais carentes, a C e D. Portanto, esta commodity é uma bebida-alimento, que se insere nas mais avançadas políticas internacionais de combate ao narcotráfico e à miséria.

Isso não é tudo. Para os países pobres ou em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, o café representa, em termos agrícolas, uma promissora oportunidade de fixar o homem no campo e garantir emprego a grandes contingentes de mão-de-obra que hoje se vêem absolutamente alijados do mercado de trabalho. Sem oportunidades no campo, onde a agricultura de larga escala pressupõe uma mecanização massiva, sem a presença do lavrador, esses contingentes migram do interior para os grandes centros urbanos, inchando os bolsões de pobreza.

Não foi por outra razão que as grandes cidades brasileiras, em particular o Rio, assistiram ao impressionante crescimento de suas favelas. Essas comunidades foram infladas pelos camponeses que deixaram as regiões cafeeiras fluminenses, onde hoje, infelizmente, a lavoura do café está praticamente erradicada, na busca vã de um futuro melhor.

O Rio chegou a colher quase 10 milhões de sacas de café no século XIX, o equivalente a mais de 60% da produção nacional de então, numa época em que o café era a principal fonte de riqueza do País. Hoje o Estado tem uma pífia produção de 100 mil sacas em relação a um consumo interno de sua população de 1,3 milhão de sacas/ano. E isso apesar de ter plena vocação para a cultura cafeeira.

O Brasil mantém-se como líder mundial do setor, tanto na produção (cerca de 35 milhões de sacas/ano) como na exportação (cerca de 17 milhões de sacas/ano). Também é o segundo maior mercado, atrás dos EUA: cuja média de consumo per capita no País hoje é de 70 litros/ano. Mas, paradoxalmente, o Brasil não enxerga no café todo o seu potencial.

Governantes e lideranças empresariais não perceberam que o produto poderá desempenhar um papel de grande importância na geração de renda para uma população hoje marginizalada. A comparação com o Vietnã, neste sentido, é didática. Até pouco tempo aquele país asiático desconhecia o café e hoje já é o segundo produtor mundial do grão, com 10% da produção global. Devemos levar em conta que o café é a única commodity agrícola em que a máquina não pode substituir o trabalho humano.

Por isso mesmo, surpreende que estado como o Rio, atormentado pelos problemas sociais e a violência, não aposte na agricultura do café como fator de geração de emprego e renda. Sobretudo se levarmos em conta que o estado importa cerca de R$ 240 milhões em cafés de seus vizinhos.

O contexto é favorável para a reversão deste quadro. Há crescente demanda interna e externa pelo produto. Há mão-de-obra disponível. No Estado do Rio, sobretudo, há terras agricultáveis, perfeitas para este tipo de lavoura. Faltam apenas estratégia de governo e decisão política para trilharmos este caminho. Se houver apoio e incentivo, cerca de 5 milhões de empregos podem ser criados no médio e longo prazo. Mas é preciso determinação.

(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 3)

(Ruy Barreto Filho – Diretor da café Solúvel Brasília (CSB) e vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de café Solúvel (Abics))


 

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O caráter social da cultura do café

28 de setembro de 2007 | Sem comentários Produção Sustentabilidade
Por: Gazeta Mercantil

OPINIÃO – 28/09/2007 

 
A produção nacional gera renda para uma população hoje marginalizada. O Brasil não está sabendo explorar a contribuição que o café pode dar ao seu desenvolvimento econômico e social. Hoje, o café já é o produto agrícola que apresenta maior crescimento de consumo no mundo. Ainda assim, 2/3 da população mundial ainda o desconhecem, o que dá a exata dimensão de seu potencial como commodity e fator de geração de renda, sobretudo para países em desenvolvimento.


O aumento de seu consumo tem tido taxas mundiais de 1,5% ao ano. No Brasil, o consumo foi de 5% no último ano, e de 1993 para cá o aumento acumulado foi de 20%. Países euroasáticos, que até pouco tempo mal conheciam o grão, assimilaram a bebida e incorporaram-na aos seus hábitos. Este é, por exemplo, o caso marcante da Rússia, que já é o maior consumidor de solúvel do mundo. No Leste Europeu o consumo deste tipo de café cresce entre 5% e 7% ao ano.


Esses países seguem o exemplo dos EUA, que, na primeira metade do século XX, no bojo de políticas que culminaram com a Lei Seca, incentivaram o consumo do café para combater o elevadíssimo consumo de álcool. Como resultado, tornaram-se os maiores consumidores de café do mundo. Por sinal, neste período o Brasil dobrou a sua exportação de café. Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia.


O café tem tido papel destacado como lavoura substituta de plantações de narcóticos, em especial a cocaína e o ópio, transformações que têm sido feitas com sucesso na Colômbia e na Tailândia, entre outros países. De fato não se pode esquecer que os maiores consumidores de café no mundo são as classes mais carentes, a C e D. Portanto, esta commodity é uma bebida-alimento, que se insere nas mais avançadas políticas internacionais de combate ao narcotráfico e à miséria.


Isso não é tudo. Para os países pobres ou em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, o café representa, em termos agrícolas, uma promissora oportunidade de fixar o homem no campo e garantir emprego a grandes contingentes de mão-de-obra que hoje se vêem absolutamente alijados do mercado de trabalho. Sem oportunidades no campo, onde a agricultura de larga escala pressupõe uma mecanização massiva, sem a presença do lavrador, esses contingentes migram do interior para os grandes centros urbanos, inchando os bolsões de pobreza.


Não foi por outra razão que as grandes cidades brasileiras, em particular o Rio, assistiram ao impressionante crescimento de suas favelas. Essas comunidades foram infladas pelos camponeses que deixaram as regiões cafeeiras fluminenses, onde hoje, infelizmente, a lavoura do café está praticamente erradicada, na busca vã de um futuro melhor.


O Rio chegou a colher quase 10 milhões de sacas de café no século XIX, o equivalente a mais de 60% da produção nacional de então, numa época em que o café era a principal fonte de riqueza do País. Hoje o Estado tem uma pífia produção de 100 mil sacas em relação a um consumo interno de sua população de 1,3 milhão de sacas/ano. E isso apesar de ter plena vocação para a cultura cafeeira.


O Brasil mantém-se como líder mundial do setor, tanto na produção (cerca de 35 milhões de sacas/ano) como na exportação (cerca de 17 milhões de sacas/ano). Também é o segundo maior mercado, atrás dos EUA: cuja média de consumo per capita no País hoje é de 70 litros/ano. Mas, paradoxalmente, o Brasil não enxerga no café todo o seu potencial.


Governantes e lideranças empresariais não perceberam que o produto poderá desempenhar um papel de grande importância na geração de renda para uma população hoje marginizalada. A comparação com o Vietnã, neste sentido, é didática. Até pouco tempo aquele país asiático desconhecia o café e hoje já é o segundo produtor mundial do grão, com 10% da produção global. Devemos levar em conta que o café é a única commodity agrícola em que a máquina não pode substituir o trabalho humano.


Por isso mesmo, surpreende que estado como o Rio, atormentado pelos problemas sociais e a violência, não aposte na agricultura do café como fator de geração de emprego e renda. Sobretudo se levarmos em conta que o estado importa cerca de R$ 240 milhões em cafés de seus vizinhos.


O contexto é favorável para a reversão deste quadro. Há crescente demanda interna e externa pelo produto. Há mão-de-obra disponível. No Estado do Rio, sobretudo, há terras agricultáveis, perfeitas para este tipo de lavoura. Faltam apenas estratégia de governo e decisão política para trilharmos este caminho. Se houver apoio e incentivo, cerca de 5 milhões de empregos podem ser criados no médio e longo prazo. Mas é preciso determinação.


(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 3)(Ruy Barreto Filho – Diretor da Café Solúvel Brasília (CSB) e vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics))

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