Relatos da História do Café no Espirito Santo
Estado perde o ex-governador que foi símbolo do desenvolvimento
10/09/2007 06:09:44 – A Gazeta – ES
Grazielle Loureiro
glsilva@redegazeta.com.br
O Estado perdeu ontem um de seus políticos mais ilustres. Morreu na manhã de ontem, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), o ex-governador Christiano Dias Lopes Filho. Primeiro governador eleito indiretamente pela Assembléia Legislativa, durante o golpe militar, ele foi um ícone do desenvolvimento industrial e econômico do Estado, no período de 1967 a 1971.
O governo do Estado decretou luto oficial de três dias pela morte de Dias Lopes. O corpo está sendo velado desde as 18h30 de ontem, no Salão Nobre da Assembléia Legislativa, e será sepultado hoje, por volta das 10h, no Cemitério Santo Antônio, em Vitória. Um carro do Corpo de Bombeiros fará o translado do corpo até o cemitério.
O governador Paulo Hartung, o vice, Ricardo Ferraço, amigos e familiares de Dias Lopes estiveram na Assembléia, na noite de ontem.
Hartung – que ainda está licenciado do cargo por causa das férias – chegou por volta das 19h30, abraçou a viúva, Aliete Dias Lopes, e os dois filhos do ex-governador, Rúbia Dias Lopes Nunes e Christiano Dias Lopes Neto, mas preferiu não falar com a imprensa. Segundo assessores, ele só se manifestará quando reassumir o cargo, na manhã de hoje.
O ex-governador estava internado no Hospital da Unimed, em Vitória, desde a manhã de sábado. Ele se sentiu mal no apartamento da família, em Guarapari, e foi removido por uma ambulância do hospital. Familiares informaram que Dias Lopes sofria de problemas no coração, decorrentes da idade avançada. Ele completaria 80 anos no dia 26 de dezembro deste ano.
O governo de Christiano Dias Lopes Filho foi marcado por grandes realizações, mas também por delicados momentos políticos diante do endurecimento do regime militar. Com um bom relacionamento com nomes do primeiro escalão do governo militar, ele conseguiu superar as dificuldades iniciais de sua administração e viabilizou importantes projetos para o desenvolvimento estadual, como a expansão rodoviária.
Governo marcado por obras expressivas em vários setores
Grazielle Loureiro
Um dos marcos do governo de Christiano Dias Lopes Filho foi a criação do Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap) e da Companhia de Desenvolvimento do Espírito Santo (Codes), que em junho de 1966 se transformou no Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes) – hoje instituição responsável por financiar projetos e planos de negócios para implantação de empreendimentos localizados no Espírito Santo.
Diante do auge da crise da economia cafeeira que resultou na erradicação, a partir de 1962, de 180 milhões de pés de café no Espírito Santo, considerados antieconômicos, Christiano buscou alternativas para a economia do Estado.
A erradicação havia ceifado 60 mil empregos diretos afetando 180 mil pessoas na zona rural do Estado provocando um êxodo rural de 120 mil pessoas. Surgiu daí a idéia de criação de um incentivo fiscal exclusivo para o Espírito Santo para compensar o fato do Estado não estar incluído na área da Sudene.
Dias Lopes promoveu, então, uma peregrinação pelos Estados do Nordeste para conseguir apoio ao seu projeto e assim obteve do Governo Federal o Decreto-lei 880 que criou o Fundo de Recuperação Econômica do Espírito Santo (Funres) e o Geres (Grupo Executivo de Recuperação Econômica do Espírito Santo) para incentivar a industrialização.
Obras. Além disso, durante seu governo foram realizadas obras expressivas na área da saúde, levando médicos a todos os municípios do Estado; na educação, com a ampliação da rede escolar; na segurança, com a melhoria do sistema penitenciário; na agricultura, com o cadastramento das propriedades agrícolas, drenagem, reflorestamento e desenvolvimento agropecuário; e no turismo com a criação da Emcatur que definiu o Plano de Desenvolvimento Turístico da Faixa Radioativa.
A Petrobras confirmou a descoberta de petróleo no posto pioneiro de Nativo, município de São Mateus e foi criado o Civit, o Centro Industrial de Vitória, na região de Carapina.
Também foi iniciada a construção do projeto “Espinha de Peixe” interligando todas as sedes dos municípios à Capital por estradas asfaltadas e concluiu boa parte das obras da Rodovia do Sol que percorre o litoral do Estado.
Regime contestado. Enquanto o Estado descobria novas perspectivas para o desenvolvimento, durante o governo de Dias Lopes, a situação política nacional era abalada pelo crescimento dos movimentos de contestação do regime.
Em 9 de fevereiro de 1969, o deputado federal Mário Gurgel, integrante do grupo de “autênticos” do MDB, teve o seu mandato cassado e os direitos políticos suspensos por dez anos pelo Conselho de Segurança Nacional.
Em 13 de março, a cassação atingiu os deputados estaduais José Ignácio Ferreira e Daílson Laranja, também do MDB, o primeiro por ter lido da tribuna da Assembléia uma carta do pároco de Itarana considerada desrespeitosa aos símbolos nacionais, e o segundo por ter se solidarizado com o colega.
Quem foi Christiano Dias Lopes Filho
Início. Nascido em Bom Jesus do Norte, então município de São José do Calçado, em 26 de dezembro de 1927, trabalhou como professor, jornalista, advogado e político. Em 1943, iniciou atividade no magistério, tendo lecionado em várias escolas locais inclusive na Escola Técnica Federal do Espírito Santo.
Jornalismo. Em 1948 fundou, em Vitória, a Campanha Nacional de Educandários Gratuitos. Como jornalista escreveu nos jornais “A Tribuna” e “Diário da Manhã”, e fundou , ainda, os jornais “O Diário” e “Diário Trabalhista”. Político militante já em 1951 foi nomeado oficial de gabinete do governador Jones dos Santos Neves.
Eleição. Em 1954, disputou a sua primeira eleição, pelo Partido Social Democrático (PSD), ficando na primeira suplência, não obstante ter exercido praticamente todo o mandato. Em 1958, se elegeu deputado estadual, sendo nomeado líder do governo de Carlos Lindemberg, na Assembléia Legislativa do Espírito Santo, em 1959.
Assembléia. Em 1960, foi eleito presidente do legislativo estadual. Reeleito deputado em 1962, assumiu imediatamente uma postura de forte oposição ao então governador Francisco Lacerda de Aguiar – o Chiquinho – que renunciou o mandato em 1966, assumindo assim o vice-governador Rubens Rangel.
Governador. Com a queda de Chiquinho, seu nome passou a ser o candidato natural da Arena à governadoria. Em 1967, foi eleito, indiretamente, governador do Estado, cargo que ocupou até 1971. Foi, ainda, deputado federal na legislatura seguinte. Em 1976, aposentou-se como procurador do Estado.
Escritor. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e da Academia Espírito-santense de Letras, publicou diversas obras como: Jerônimo Monteiro, Conferência, Vitória, 1940; Estudos para adaptação constitucional do Estado no regime parlamentarista, 1962; e Convocação para o desenvolvimento, discurso de posse no cargo de governador do Estado em 1967.
Livro. Em 2004, o ex-governador Christiano Dias Lopes Filho também participou da publicação de um livro, junto com outros ex-governadores, cientistas políticos e economistas. O livro intitulado “Memórias do Desenvolvimento”, retrata o desenvolvimento do Espírito Santo nos últimos 50 anos.
Comenda. Em maio de 2005, o ex-governador recebeu, do governador Paulo Hartung (PSB), a comenda Jerônimo Monteiro, pela relevante contribuição ao desenvolvimento do Espírito Santo.
ANÁLISE – João Gualberto Vasconcelos
O estadista do século XX
No mês de dezembro de 1973, eu era apenas um estudante da UFES, ainda pouco ligado às grandes questões que nos ligariam como capixabas ao universo globalizado que estava se construindo. Lia como de hábito ao jornal A Gazeta quando me deparei como um texto do Dr. Christiano Dias Lopes Filho. Ele falava do falecimento do grande capixaba, nosso governador entre 1951 e 1955, Jones dos Santos Neves. E o que dizia Christiano, dono de um grande texto, era que não tivera coragem de comparecer ao velório e sepultamento de Jones. Seu argumento é que conhecera em vida o amor daquele homem pelo Espírito Santo e que vira seu todo seu frenesi pelo nosso progresso. Não gostaria de ver seu corpo inerte, morto, entregue para sempre a inércia quanto ao nosso futuro.
Essa foi a minha primeira reação quando recebi da redação de A Gazeta a noticia da morte do Dr. Chistiano. Foi a de sua homenagem ao grande líder de sua geração Jones dos Santos Neves – quando esse nosso sofrido Brasil ainda tinha grandes líderes. Foi a de sua, na verdade, decisão de guardar na memória a imagem de um homem em ação, não a de um corpo inerte e inexoravelmente longe de seus ideais.
Mas, o exemplo de Christiano, daquele que considero o meu mestre na arte de governar, de ser ético, de passar pelo sistema político sem se transformar em monstros fisiológicos como um Renan Calheiros, em sua homenagem ao homem de ação não me mobiliza. Dr. Christano, ainda que morto, merece ser velado como um dos maiores capixabas do século XX. Homem que lutou contra o populismo como ainda hoje estamos fadados a lutar contra, homem que nacionalista e estadista até o fim de seus dias, manteve uma fidelidade a seus princípios admirável.
Christiano Dias Lopes Filho herdou um estado falido e entregou a seu sucessor um estado reformado, atualizado e capaz de fazer a passagem sem qual hoje não seriamos nada. Tudo aquilo que veio depois dele, deve-se ao seu ideal. Homem de princípios, nunca abriu mão de seus ideais a troco de trinta dinheiros. Exemplo de estadista, merece de nós não apenas o respeito e a admiração, mas a certeza de que seus passos não foram em vão. De que ele plantou para sempre as sementes do nosso futuro.
João Gualberto Vasconcelos é cientista político
Autoridades destacam importância de Dias Lopes para a História
Grazielle Loureiro
glsilva@redegazeta.com.br
Autoridades e lideranças políticas lamentaram a morte do ex-governador Christiano Dias Lopes e ressaltaram a contribuição do ex-político para o desenvolvimento do Estado. Alguns estiveram presentes ao velório, ontem, como o governador em exercício Ricardo Ferraço (PSDB).
Ferraço definiu o ex-governador como uma figura política marcada pela honradez. “Doutor Christiano é quase uma lenda. Tem uma história política marcada pela honradez. Modernizou as estruturas do Estado, que saía de uma grave crise do café. Ele construiu e desenhou todo conjunto de benefícios fiscais que fez com que o Estado iniciasse um novo ciclo de desenvolvimento. É uma perda irreparável para o Espírito Santo”, declarou.
A presidente em exercício da Assembléia Legislativa, deputada Luzia Toledo (PTB), também esteve presente ao velório, ontem. Ela lembrou da figura que o ex-governador representa para ela. “Ele foi um grande líder político. No campo pessoal, ele foi um grande patriarca. Tenho uma lembrança muito forte pessoal dele, porque foi meu pai de criação – Rubens Gurgel (PTB) – que estava como governador na época – quem fez a transição do cargo para ele em 1967.”
O ex-presidente da OAB no Estado, Agesandro da Costa Pereira, que também esteve no velório, declarou que Dias Lopes foi um grande gestor. “Ele foi o primeiro governador a estabelecer um planejamento nas atividades administrativas e foi sempre um homem de bem, que se impôs pela sua rigorosa observância dos princípios éticos e morais, coisa muito difícil hoje”.
O ex-prefeito de Vitória Setembrino Pelissari, que exerceu o cargo, indicado por Dias Lopes, também ressaltou a importância do ex-governador. “Ele criou todas as grandes oportunidades para a economia do Estado.”
Repercussões
“Eu me considero um filho dele”
Gerson Camata (PMDB) – Senador
“Fiz parte da equipe de governo dele. Fui diretor da Rádio ES. Ele se destaca, no entanto, como pai do Fundap. Me considero como filho dele. Ele foi um dos meus conselheiros durante minha atuação no executivo estadual. Foi um exemplo de ética, simplicidade e seriedade. Nunca se ouviu nada que apontasse contra a dignidade dele. Prova disso é que não enriqueceu com a política e se preservou ao máximo. Merece toda reverência do Estado.”
“Importância enorme para o Estado”
João Carlos Coser (PT) – Prefeito de Vitória
“Lamento muito a perda do ex-governador, que teve uma importância enorme para o Estado. Entre os seus grandes feitos estão a criação do Bandes, Funres e Fundap.”
“Um governador à frente de seu tempo”
Guerino Zanon (PMDB) – Presidente da Assembléia
“Tive a oportunidade de estar com o Dr. Christiano por várias vezes, e a percepção que tive é que ele, como ser humano, sempre transmitia uma força de vontade e carinho com as pessoas que o cercavam. O seu governo pode ser definido como um divisor da economia, quando o Estado passava por problemas gravíssimos na área cafeeira. Foi um governador que esteve sempre à frente do seu tempo.”