Artigo – Café: Uma Lavoura Ensandecida



1 – Arábica: duas safras em uma?

           
Em princípio de 2006 toda a comunidade cafeeira ficou surpresa com a ocorrência
do fenômeno que foi denominado como ‘coração negro’. Segundo o informativo da
COCAPEC2 a sintomatologia do problema consistia em ‘o pedúnculo e
o grão de café externamente apresentavam-se absolutamente normais sem necrose
mas ao cortar o grão verificava-se que as lojas estavam parcialmente ou
totalmente enegrecidas. Após análise por fisiologista, diagnosticou-se que a
ocorrência dessa necrose era derivada das altas temperaturas acompanhadas de
veranico, comprometendo os processos fisiológicos e metabólicos envolvidos na
divisão e expansão celular. Na fase de expansão, é freqüente a ruptura de
membranas e paredes celulares, culminando em necrose total.’

           
Esse fenômeno, que inicialmente chegou a ser confundido com uma deficiência
nutricional, assustou os cafeicultores da Mogiana e Sul de Minas. Porém, a
exceção dos fisiologistas, ninguém ainda se deu conta que aqueles frutos que
necrosaram foram apenas a ponta do iceberg, pois nesse mesmo momento a planta
estava em fase de diferenciação celular para preparar as próximas flores que
resultaram na atual minguada safra de arábica.

           
No princípio de 2007 começou dentro da planta novo momento de diferenciação
celular para a geração das flores que formarão a safra 2007/08 (ano-safra). O
estancamento ocorrido na preparação das flores da safra anterior deverá levar a
uma superindução floral em 2007, facilitada pelo fato de que houve
restabelecimento do balanço hídrico dos solos após a ocorrência de pesadas
chuvas em todos os principais cinturões cafeeiros. Segundo fisiologista ouvido,
as rosetas poderão facilmente contar com 70 flores, mesmo conhecendo de antemão
que não mais que 20 a 25 delas se converterão em frutos. Assim, excetuando-se a
eventual ocorrência de severos distúrbios climáticos (fator descartado pelas
últimas ocorrências como as intensas chuvas de meados de julho e a potência da
massa polar sem impacto sobre as lavouras), qualquer previsão de produção
inferior a 55 milhões de sacas poderá ser tomada no mínimo como
conservadora.

           
A possibilidade que tal fenômeno se concretize já exibe os primeiros sinais de
que a lavoura realmente ensandeceu: flores surgindo antes do início da primavera
e noutras situações gemas produtivas no lugar de botões florais. Alguns desses
sintomas foram relatados e esclarecidos em artigo divulgado pelo Consórcio
Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café
(CBP&D-Café)3.

           
Os gestores da política cafeeira devem iniciar imediatamente a elaboração de
políticas que se antecipem à estrondosa safra que se estará colhendo no próximo
ano. A reconhecida criatividade brasileira terá que ser exercitada ao máximo
para assegurar que os cafeicultores não amarguem mais um ano sem nenhuma
rentabilidade com a exploração da cultura.

2 – Análise de Mercado

           
Em julho, houve ligeira retração nas cotações nos diferentes mercados tanto para
arábica como para o robusta. Em Nova Iorque (Contrato C para a
2a posição), por exemplo, a cotação média de junho foi de
US$153,94sc./60kg que, frente aos US$150,49sc./60kg, representa decréscimo de
-2,24% no mês. Esse novo declínio na cotação média amplia ainda mais as perdas
acumuladas no ano que já alcançam os -11,05%. As menores cotações podem refletir
a previsão dos traders internacionais de que as chuvas ocorridas ao longo
de julho tenham afastado a alarmante estiagem até então vivenciada nos
principais cinturões cafeeiros do Brasil, embora a colheita pode ficar aquém das
previsões, pois surgem informações de quebra de renda no beneficiamento do
produto (Figura 1).

           
Por sua vez, na Bolsa de Londres, as cotações médias do robusta, em junho de
2007, registraram queda menos significativa de apenas 0,69% quando comparadas ao
mês anterior. Diferentemente do arábica, em 2007, o robusta em Londres exibe
ganho na cotação média de 21,77%, enquanto nos últimos doze meses, os ganhos
acumulados pelo produto superaram os 40%. Nem mesmo os recordes de embarques
vietnamitas, registrados pela Organização Internacional do Café, e a expressiva
colheita brasileira (acima de 10 milhões de sacas) impedem que as cotações do
produto se mantenham pressionadas. Assim, essa ligeira queda não deve se repetir
até que se inicie a comercialização da produção obtida da principal época de
colheita vietnamita (de outubro a dezembro).

Figura 1 – Cotações Médias Mensais do Café em Diferentes
Mercados de Futuros (segunda posição) e do OIC-Composto Diário, Janeiro de 2004
a Julho de 2007.


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Fonte: Elaborada a partir de dados da Gazeta
Mercantil4.
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No mercado de futuros da BM&F, para o arábica, houve um descolamento de Nova
Iorque, uma vez que as cotações subiram 0,32% (Contratos Futuros de
2a Posição), estabelecendo a média de US$139,54 sc./60kg em
julho de 2007. No ano, a queda acumulada foi de 8,85%, enquanto no somatório dos
últimos doze meses, o produto manteve ganho favorável de 19,36%, ligeiramente
acima dos ganhos observados no ano na Bolsa de Nova Iorque (que exibe 14,21%).
Esse melhor desempenho das cotações no mercado interno pode ser resultante, por
um lado, da pressão de compra por parte dos torrefadores visando o abastecimento
do mercado interno e, por outro, da substancial baixa nos estoques (públicos,
cooperativados e privados) comprovada inclusive por levantamento da Companhia
Nacional de Abastecimento (CONAB). O diferencial das cotações observadas entre a
BM&F e Nova Iorque diminuiu substancialmente, situando-se no novo patamar
dos US$11/sc., devido, em parte, à dificuldade dos exportadores em encontrar
produto no mercado spot.


           
Pressionado pelas cotações do arábica, o indicador da Organização Internacional
do Café (OIC-Composto diário) apresentou diminuição de 0,78% em relação à média
da cotação de junho de 2007. No acumulado dos últimos 12 meses, esse indicador
registra crescimento positivo de 19,23%, embora em 2007 apresente variação
negativa de apenas 1,33%.

           
As cotações do arábica (contrato C, segunda posição, na Bolsa de Nova Iorque)
exibiram forte oscilação na primeira quinzena do mês para assumirem trajetória
ascendente da segunda quinzena em diante. O valor médio do mês foi de
US$150,49/sc. flutuando entre o mínimo registrado de US$144,71/sc. e o máximo de
US$158,34/sc. (Figura 2).


Figura 2 – Cotações Diárias na Bolsa de Nova Iorque, para
Café Arábica, Contrato C, Segunda Posição, Julho de 2007.

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Fonte: Elaborada a partir de dados da Gazeta
Mercantil.
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Em julho, no mercado de robusta da Bolsa de Londres, observou-se na primeira
semana relativa estabilidade nas cotações para em seguida ocorrer uma abrupta
queda que se manteve até o final do mês, embora com algumas oscilações. A menor
cotação foi de US$108,24/sc. e a maior de US$115,26/sc. com média do mês de
US$111,73/sc. (Figura 3).


Figura 3 – Cotações Diárias para o Café Robusta, Segunda
Posição, na Bolsa de Londres, Julho de 2007.

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Fonte: Elaborada a partir de dados da Gazeta
Mercantil.
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No mercado de café paulista, as cotações médias do arábica em julho (em R$/sc.)
subiram 1,65% em relação à média de junho. A operacionalização da PEPRO para as
vendas de café, aparentemente, possibilitou maior retenção do produto por parte
dos cafeicultores. Frente a essa escassez o mercado passou a impulsionar os
preços internos descolando-se da trajetória das cotações exibida por Nova
Iorque. No acumulado dos últimos 12 meses, as cotações no mercado paulista ainda
exibem ganho de 23%, ainda que se considere o recuo de 5,61% no ano (Figura
4).


Figura 4 – Preços Médios Mensais Recebidos pelos
Produtores de Café Arábica, Estado de São Paulo, Janeiro de 2004 a Julho de
2007.

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Fonte: Elaborada a partir de dados do
Instituto de Economia Agrícola.
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3 – Escalada das Exportações Mundiais

           
A Organização Internacional do Café (OIC) divulgou o desempenho das exportações
mundiais de café, que alcançaram 8,013 milhões de sacas de 60kg em julho,
representando incremento de 3,64% em relação ao alcançado no mesmo mês do ano
anterior. Nesse mês, dois comportamentos divergentes podem ser verificados pelos
dados apresentados. Enquanto os cafés lavados e outros suaves apresentaram
estabilidade ou queda nos embarques, os naturais e o robusta exibiram elevação,
notadamente os naturais com 9,11% de crescimento dos embarques. No subperíodo
out./06 a jun./07, a alta acumulada foi de 14,45% em relação ao mesmo período do
ano anterior (out./05 a jun./06), atingindo um total de 84,71 milhões de sacas.
Os embarques de robusta, principalmente oriundos do Vietnã, exibiram incremento
de 24,58% na comparação entre os memos períodos. O avanço dos naturais, embora
de menor monta, também foi expressivo totalizando aproximadamente 25,5 milhões
de sacas no período (Tabela 1).



Tabela 1 – Exportações de Café, por Tipo, para Todos os
Destinos, Junho de 2006 e de 2007, Outubro de 2005 a Junho de
2007

(em sc./60 kg)



















































Tipo
Jun./2006

Jun./2007

Var.%

Out.05/Jun./06

Out.06/Jun./07

Var.%
Lavados
984.851

990.905

0,61

8.854.942

11.242.240

2,79
Outros
suaves

2.183.764

2.126.438

-2,62

14.917.405

19.000.100

5,73
Naturais
2.014.217

2.197.868

9,11

19.331.391

25.421.811

15,43
Robusta
2.549.356

2.698.643

5,85

21.166.509

29.045.288

24,58
Total
7.732.188

8.013.854

3,64

64.270.247

84.709.438

14,45


Fonte: Organização Internacional do Café,
20075.

           
O declínio das cotações no primeiro semestre do ano reflete em parte uma grande
transferência de estoques dos países produtores para os consumidores, que se
soma ao período de baixa dentro do ciclo sazonal de consumo da bebida no
Hemisfério Norte, onde, por razão das altas temperaturas, espera-se queda de 10%
no consumo.

4 – Performance dos Embarques Brasileiros no
Primeiro Semestre de 2007

           
A performance dos embarques brasileiros de café, tanto em volume como em
receita, no primeiro semestre de 2007, exibiu substancial avanço frente ao mesmo
período do ano anterior. Em termos globais foram praticamente 2 milhões de sacas
de aumento das exportações, representando mais de 28% de variação nas receitas
cambiais (Tabela 2 e Figura 5). Todos os tipos exibiram variação positiva com
destaque para o Conillon, com mais de 80% de crescimento nas suas receitas,
excetuando-se as transações envolvendo café torrado e moído, cujas estatísticas
do CeCAFE não refletem todos os negócios efetuados.



Tabela 2 – Desempenho Comparativo entre as Exportações
Brasileiras de Café, Primeiro Semestre de 2006 e de
2007























































Período
Volume (sc.60kg)

Conillon

Arábica

Torrado

Verde

Solúvel

Total
Jan.-Jun./06
273.001

9.903.539

50.485

10.227.025

1.389.720

11.616.745
Jan.-Jun./07
386.618

11.645.384

24.459

12.056.461

1.447.535

13.503.996
Período
Receita (US$1.000)

Conillon

Arábica

Torrado

Verde

Solúvel

Total
Jan.-Jun./06
21.744,87

1.192.216,31

12.119,92

1.226.081,10

182.578,91

1.408.660,01
Jan.-Jun./07
39.359,34

1.558.623,71

5.214,73

1.603.197,79

210.793,12

1.813.990,91


Fonte: Elaborada a partir de dados do
CeCAFE6.


Figura 5 – Variação Percentual das Exportações Brasileiras
de Café, Primeiro Semestre de 2006 e de 2007.

 

Fonte: Elaborada a partir de dados básicos do
CeCAFE.
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O excelente desempenho do comércio exterior de café brasileiro no primeiro
semestre de 2007 deve arrefecer ao longo do restante do ano. A menor oferta,
proveniente de um ano de safra pequena, e o aumento dos negócios no mercado
interno reduziram os volumes disponíveis para que os exportadores continuem com
o atual ritmo de transações com o exterior. Ademais, o enxugamento dos estoques
públicos tornará ainda mais apertada a oferta com grande disputa entre
industriais (torrefadoras e solubilizadoras) e exportadores pelos lotes
oferecidos à comercialização.

________________________________________________
1O autor agradece a colaboração do técnico de apoio
agropecuário do IEA Gilberto Bernardi.

2COCAPEC em Revista, v. 6, p. 10-11, fev. 2006.

3MUDANÇAS climáticas deixam cafeeiros
desordenados. Disponível em: <www.sede.embrapa.br/café>.

4Dados coletados em: <www.gazetamercantil.com.br>.
5Relatório disponível em: <www.ico.org>.
6Disponível em: <www.cecafe.com.br>.






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Data de
Publicação:
07/08/2007

Autor(es): Celso Luis Rodrigues
Vegro (
celvegro@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste
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Fonte: http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=9031

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