Café da Marlene tem sabor de luta

15 de julho de 2007 | Sem comentários Cafeteria Consumo
Por: 15/07/2007 08:07:17 - Bom Dia Sorocaba

Um café simples ou um pingado, com pão e margarina. O ritual obrigatório da maioria dos brasileiros para começar o dia tem sabor de conquistas para Marlene Rosa de Souza, de 32 anos.


Ela encontrou neste hábito tão enraizado em nossa cultura uma forma de garantir o sustento da casa e de seus três filhos, de 14, nove e dois anos de idade.


A baiana nascida em Lençóis, terra marcada pelo ciclo da exploração de minérios, , está há cinco anos em Sorocaba, garimpando, com garra e coragem, para sobreviver ao desemprego e ao abandono do marido.


Todos os dias, Marlene acorda às 4h para preparar cinco litros de café e acondicioná-los em duas garrafas térmicas, uma delas com leite. Em seguida, coloca os apetrechos como caixas de isopor, copos e guardanapos em seu Chevette financiado e parte da casa alugada, no Jardim Novo Mundo, zona sul, até a portaria de um condomínio de classe média, na zona oeste da cidade.


No caminho, passa na padaria para buscar cerca de 30 pães que, ainda quentes, são colocados sob a toalha em uma mesa de armar, de ferro, o seu balcão improvisado.


Do outro lado estão trabalhadores da construção civil, prontos para “pegar no batente’”. Pedreiros e serventes sãos os principais fregueses de um café da manhã movido a suor, criatividade e respeito mútuo, tão característico das pessoas simples que se identificam pela dignidade de quem acorda antes mesmo do sol nascer para ganhar a vida com trabalho.


No café da Marlene, o preço é único: R$ 0,50. “Tanto faz, pode ser café preto ou com leite. E o pão com margarina também custa o mesmo”, explica. Entre um gole e outro, todos vão se conhecendo e o café simboliza mais que o próprio alimento. Quem quiser, pode marcar para pagar no fim do mês. Calote? “Ah, tem não”, assegura Marlene.


Música para coroar o esforço
Assim que Marlene se dá conta de que venceu quase todos os pedidos e o ritmo de trabalho começa a diminuir, chega o vendedor José Romão, 43, espalhando alegria. De segunda a sexta-feira, ele passa pelo café, por volta das 7h. Estaciona o carro, aumenta o volume do rádio e diz que o gesto é para Marlene ter um bom dia.


“Uma vez eu estava passando e notei a criatividade e o esforço da Marlene, que estava começando. Também virei freguês; admiro a sua história de vida.”


Tímida, ela lembra que começou a trabalhar aos 12 anos, como babá, quando ainda morava na Bahia. Em São Paulo e em Sorocaba, foi empregada doméstica durante muitos anos. Após ficar desempregada, começou a fazer salgados e vender de porta em porta.


Segundo Marlene, os piores momentos foram conviver com os problemas de alcoolismo do marido, que não mora mais com a família. Com a idéia do café, consegue cuidar dos filhos, pagar R$ 230,00 de aluguel, mais R$ 230,00 da prestação do Chevette “que ele amassou todo”, lamenta.


Mas a independência expressa a força de quem vai à luta. “Marlene é um exemplo, não espera que façam por ela, vai em busca do trabalho e sabe que Deus dá oportunidade para todos. Se muitas mulheres pensassem assim não haveria tanto sofrimento”, acrescenta Romão. Para ele, parar o carro diariamente e aumentar o som do rádio é como tocar o hino nacional.


Facilidade agrada fregueses
Rogério Santos, pedreiro: ‘sou fã desde o começo, tenho até conta’ João da Silva, pedreiro: ‘saio cedo, mal dá tempo; aqui tem tudo pronto‘ Marcelo Silva, servente: ’tomo um em casa e outro depois, para esquentar‘


A maior concentração ao redor da mesa ocorre entre 6h e 6h30. “Saio correndo de casa, mal dá tempo para fazer o café. Quando chego aqui já está tudo pronto, é mais fácil e gostoso”, diz o pedreiro José Antônio Ferreira da Silva, 61, que mora no jardim Novo Horizonte, zona norte da cidade.


O servente Claudinei Ferreira da Silva, 22, vem do Mineirão, também na zona norte. “Acordo às 5h, então é melhor deixar a minha mulher, que também trabalha fora, dormir um pouco mais, sem ter que fazer o café”, justifica a opção.


Desde que Marlene chegou na porta do condomínio, há um ano e meio, o pedreiro Rogério Ferreira dos Santos, 33, é seu freguês. De bicicleta, Santos chega para trabalhar vindo da Árvore Grande, onde mora. Às vezes, reserva ainda outros dois pães para comer mais tarde e reforçar o almoço.


Um café em casa e outro da Marlene. Esta é a rotina do servente Marcelo Moreira Silva, 40, que mora na Vila Nova Manchester, na zona oeste. “Para começar no trabalho, nada como um copo, bem quente. Ainda mais nesses dias tão frios.”

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