Sem aviso prévio, em 2005 Japão parou de comprar divisas, zerou o overnight e esfriou o hot money
17.05.2007 – 18:57
Antonio Machado
Que o dólar cairia abaixo de R$ 2 se sabia desde que começaram a coincidir, em meados do fim do ano passado, duas certezas: 1ª, que o Banco Central não arredaria pé da política de reduzir a Selic a conta-gotas; e 2ª, que o Brasil caíra nas graças do hot money, já que se consolidava a percepção de solidez das contas externas, da dívida pública e do aumento dos investimentos na economia, a ante-sala do crescimento ao ritmo febril dos países emergentes.
O que não se sabia é quando o BC capitularia diante da somatória dos volumosos superávits comerciais e da conta de capitais com os dólares ingressados para desfrutar o diferencial de juros internos em relação aos cobrados em países de liquidez abundante como Japão – conforme o modelo do carry trade – e a valorização do real.
A rendição seria mais cedo que tarde. E com baixo risco de perda para os estrangeiros, fiando-se na experiência do que já ocorrera em outros mercados. O banco central japonês passou anos enxugando gelo, para manter o iene desvalorizado e, assim, a competitividade de suas volumosas exportações para os EUA. Foram quase cinco anos de luta infrutífera contra a especulação, que nunca desistia.
Sem aviso prévio, em meados de 2005 o Banco do Japão mudou a sua estratégia. O que fez? Parou de dar liquidez oficial aos fluxos de divisas que não fossem investimentos reais. E o hot money? Ora… Esfriou. Por pouco tempo o iene ficou gravoso para as exportações.
O Banco do Japão se manteve impassível, e o iene voltou a girar em torno de 120 por dólar – câmbio tido pelos japoneses como ideal para o comércio exterior do país. E assim se mantém até hoje.
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, estava bem a par do acontecido no Japão dois meses atrás, quando reverberavam na mídia as críticas de exportadores contra o real forte e ainda havia quem discutisse na área econômica a viabilidade de medidas mais duras para frear a avalancha especulativa sobre o câmbio.
O que se passou daí em diante deve ter sido um jogo de paciência e de aprendizado na prática. Circularam quadros em que se mostrava que todas as moedas se valorizaram em relação ao dólar e bem menos contra o euro, indicando um fenômeno global de fraqueza da moeda americana. Não era só o Brasil, apesar da assimetria da Selic.
Lula não reclama
A queixa dos exportadores perdeu força ao ficar claro que, apesar do real valorizado, o país deverá obter outro superávit comercial robusto, não menos que US$ 40 bilhões, segundo as estimativas mais recentes.
Isso devido à demanda mundial por commodities continuar aquecida, tolerando aumentos de preços. E também porque os setores golpeados pela falta de câmbio são os que mais batem de frente com a competição imbatível dos chineses.
A isso se adiciona a simpatia do presidente Lula pelo resultado do real valorizado sobre o poder de compra dos salários. Até o ministro Guido Mantega se aquietou.
BC suou a camisa
Mas só isso não bastava. O BC teria de mostrar que faria de tudo contra a especulação, embora negando que tivesse uma meta para a taxa de câmbio. Comprou desde janeiro todo o excedente cambial do comércio exterior e dos ingressos de investimentos diretos. E o câmbio não se rendeu, flertando cada vez mais com a marca de R$ 2.
A partir de meados de abril, retornou com as operações de swap reverso, que equivalem à compra futura de dólar. De US$ 12 bilhões do estoque de swaps, emitiu mais US$ 8 bilhões. As reservas foram a US$ 125 bilhões. Nada adiantou. O real ganhou 7% no ano.
É uma crise? Não. Mas é a mistura do sucesso da macroeconomia ajustada com o expansionismo fiscal, razão da Selic psicodélica.
O trunfo da Selic
Ficaram evidentes três cenários. O 1º é que a se manter na feira de moedas o BC acabará restaurando o câmbio fixo, de má lembrança. Talvez por isso o presidente tenha dito que o câmbio flutua porque é flutuante. O 2º é que não há ataque ao real, mas fuga do dólar. E, 3º, barrem-se os ingressos, e o câmbio continuará influenciado pelos mercados de fora. Tudo está interligado e em tempo real.
Com a solvência do país nos trinques, real desvalorizado só se o governo tivesse superávit fiscal para acumular reservas de US$ 1 trilhão e pouco, como a China. Mas o BC guarda um último trunfo: aumentar o ritmo de queda da Selic. Não fará o real perder grande coisa, mas a especulação perderá a sua fonte de lucros fáceis.
O provável daqui para frente, conforme o precedente do Japão, é que o real se fortaleça mais um pouco e depois retorne ao patamar de R$ 2, se a Selic voltar a perder 0,5 ponto percentual, quiçá 1 ponto de uma vez na reunião de 6 de junho. Tal decisão teria mais força se viesse acompanhada, na Lei de Diretrizes Orçamentárias, do congelamento dos gastos correntes em relação ao PIB até 2010.
Fato é que o dólar a R$ 2,30 ou mais, como sonham os exportadores sem noção da realidade, nunca mais – se a economia interna seguir comportada e as finanças mundiais não entrarem em colapso. O risco do pior cenário é baixo, mesmo diante do eventual crash das bolsas da China para o qual o governo chinês parece se preparar.
No Brasil o real forte é seqüela dos acertos da macroeconomia, e é assim que deve ser enfrentado. Já seria um grande avanço aprovar a autonomia das agências regulatórias e encurtar o planejamento das obras de infra-estrutura do PAC. Se a isso se somar a retomada da agenda microeconômica, com foco na redução da burocracia, o que é consenso nacional, pode o mundo cair que o Brasil fica de pé.