(*) Plínio Travassos dos Santos
Existe a mais completa ignorância quanto a introdução ou procedência do famoso café “Bourbon” no Brasil, sendo crença generalizada provir ele do “ Murta” .
Em trabalho de ficção, e numa conferência que fiz no salão do “Clube Comercial” de São Paulo, em julho de 1935, por ocasião da inauguração da “ Semana de Ensino Secundário”, patriótico empreendimento da “ Sociedade Luiz Pereira Barreto”, conferência que foi publicada, na íntegra,pelo “ Jornal do Commercio” do Rio de Janeiro, em 12 de agosto de 1936, depois de descrever a vinda do Dr.Luiz Pereira Barreto e seus irmãos para o `Oeste´ paulista – 1876 – escrevi : “No fim de três anos os Barretos e os Junqueiras, possuíam as mais formosas lavouras cafeeiras da região, na sua maioria de “Bourbon”, do excelente café garantidor da primazia cafeeira paulista,de sementes trazidas cuidadosamente como pepitas de ouro,pelos Barretos, quando de sua mudança para a terra roxa.”
Entretanto, somente agora, em recente estadia no Rio de Janeiro, pudemos obter alguma luz sobre o interes-sante assunto. À rua Lins de Vasconcellos, 401, casa :5, tivemos oportunidade feliz de visitar o venerando Sr. Francisco Pereira Barreto, último sobrevivente da gloriosa irmandade pioneira do desenvolvimento da lavoura cafeeira do `Oeste´ de São Paulo, lúcido, brilhante espírito, apesar dos seus quase noventa e três anos de idade.
Estudante impenitente, belo e dignificante exemplo para a nossa mocidade estudantina, encontramo-no afer-rado aos livros, estudando química e inglês. Palestramos longamente. Memória prodigiosa ! Inteligência vivís-sima. `E um repositório vivo e precioso da história de São Paulo e do Brasil. Está ,desde algum tempo trocando correspondência com o Dr. Theodureto de Camargo, Diretor do Instituto Agronômico de Campinas, justamente sobre a história do café “Bourbon”.
Antes de 1869, antes de se fixar definitivamente em São Paulo, formado em Ciências Naturais , Medicina, Cirurgia e Partos pela Universidade da Bélgica, residia o saudoso sábio, o grande benemérito de São Paulo e do Brasil, Dr. Luiz Pereira Barreto, em Resende, Província do Rio de Janeiro, na Fazenda `Monte Alegre´, propriedade de seus genitores. No Rio,estudando engenharia na velha `Escola Central´, seu irmão,o nosso entrevistado, o Sr, Francisco Pereira Barreto, muito relacionado com o Dr. João Niva, representante diplomático da Bélgica, médico, que, posteriormente clinicou em Ribeirão Preto e em outros centros paulistas. Justamente quando, abandonando os estudos de engenharia, já no quarto ano, o Sr. Francisco Barreto pretendia retornar para Resende, quando aportou ao Rio, um navio de propriedade e comando de um tio do Dr. João Niva.
O comandante trazia da África, doze embalagens de bambú com excelentes e viçosas mudas do café `Libéria´, qualidade muito diferente do único café então conhecido e existente no Brasil – ainda hoje, denominado `Comum´.
E o Sr. Francisco Barreto adquiriu essas doze mudas pelo elevado preço de 25$000 cada uma, e levou-as para Resende, sendo plantadas numa horta na Fazenda `Monte Alegre´, num canteiro especial, com as próprias embalagens, sendo objeto dos maiores cuidados dele e dos irmãos. Dias ou meses depois, principiaram a nascer ao redor das mudas de `Libéria´,cerca de quarenta `orelhas de onça´,denominação dada ao café, quando nasce, pela sua semelhança com a orelha de onça. Foi uma satisfação enorme para os Barretos, que, inesperadamente, se viam possuidores de maior número de exemplares do `Libéria´.
Entretanto, desenvolvendo-se as `orelhas de onça´ principiaram a notar os Barretos, grande diferença entre elas e as plantas de `Libéria´, bem como com o café `Comum´. Era inquestionavelmente, uma nova variedade de café que obtinham. E os cuidados foram redobrados.
Tempos depois, cuidadosamente separados, foram transportadas todas as mudas para covas definitivas, ainda na horta, salvando-se aliás poucos exemplares de ambas as qualidades.
Na primeira floração do `Libéria´ , o Dr. Luiz Pereira Barreto percebeu tratar-se de café inferior. Não lhe inspirava confiança o exagerado tamanho das flores. Mas, mesmo assim, foi com real desprazer que viu fenecerem as primeiras flores, naturalmente por falta de fecundação.
Na segunda floração, resolveu,o grande experimentador,fazer a fecundação artificial das flores do café resultante das sementes nascidas das embalagens do `Libéria´, aproveitando flores do próprio `Libéria´.
Feita a delicada operação. assinalou as flores fecundadas com um cordão vermelho. E essas flores vingaram,e os frutos, quando maduros, foram colhidos e convenientemente tratados, para serem as sementes plantadas . Apesar dos cuidados, vingaram apenas cinco pés. Eram plantas lindas, com todas as características de excelente qualidade. E eram absolutamente diferentes do `Libéria´ e do `Comum´ .
Com o produto desses cinco pés, ao cabo de quatro anos, os Barretos iniciaram a plantação de um cafezal de quatro mil pés.
O Dr.Luiz Pereira Barreto tinha lembrança de ter visto nas estufas da universidade belga em Bruxela, onde estudara uma qualidade de café muito semelhante ao referido produto daquelas abençoadas sementes importadas com as mudas de `Libéria´. E esse café era conhecido na universidade pelo nome`Bourbon´. E com esse nome passou a ser tratado o novo café dos Barretos.
Tempos depois, indo à Bélgica, o Dr. Luiz Pereira Barreto teve ocasião de verificar ser o nosso `Bourbon´realmente igual ao café com o mesmo nome conhecido na universidade, não podendo contudo, conseguir saber a sua origem verdadeira.
Dentro em breve ,o Instituto Agronômico de Campinas, naturalmente publicará o resultado das pesquisas que está fazendo para solucionar o problema, pois, segundo estamos informados, em recente exame, feito por técnicos, descobriu remanescentes de pés de café `Bourbon´ na velha Fazenda `Monte Alegre´ em Resende-RJ.
A comprovação da origem do nosso café `Bourbon´ será mais um motivo para que São Paulo em 11 de jáneiro de 1940, comemore condignamente o centenário do inolvidável sábio, Dr. Luiz Pereira Barreto.
(Este artigo foi publicado no jornal `Diário da Manhã´ de Ribeirão Preto em 18/06/1937)
(*) Plinio Travassos dos Santos era professor e historiador, tendo ocupado no governo do prefeito Fábio de Sá Barreto, a Secretaria da Cultura de Ribeirão Preto, quando por sua perseverança , idealismo e porfia, levou-o à criação de dois museus municipais: o de Ordem Geral, chamado de Histórico, e o do Café. Plínio foi o maior historiador de Ribeirão Preto em todos os tempos. Infelizmente seu precioso acervo não está disponível à população de Ribeirão Preto, cidade que tanto amou, pois quando faleceu, este acervo foi transferido para Araçatuba onde residia seu único filho.
http://www.coderp.com.br/scultura/arqpublico/historia/i14biografias.htm#plinio
http://www.revistamuseu.com.br/emfoco/emfoco.asp?id=2061
http://www.professorlages.com.br/historia/museus_cafe.asp?IDHIST=10