31/12/2009
Eloy Fassi Casagrande Júnior
É inevitável chegarmos na virada de ano e olharmos para os doze meses que se passaram tentando entender nossos passos, os passos dos outros, os passos do mundo. Em 2009 vimos uma gripe mudar de nome, de suína para H1N1, matar milhares de pessoas, para depois sabermos que não passava da gripe espanhola de 1918, requentada. O ser humano quer gastar milhões de dólares em viagens turísticas espaciais e sonha em tirar água de Marte, mas ainda não é capaz de controlar o vírus de uma gripe já conhecida. Sem dúvida alguma, as prioridades da ciência devem ser repensadas.
Também vimos uma crise econômica sem precedentes se alastrar pelo mundo. Tsunami para alguns, marolinha para outros. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), US$ 10 trilhões saíram dos cofres públicos para não deixar bancos, seguradoras e montadoras de automóveis quebrarem. O capitalismo requentou o socialismo quando lhes foi conveniente! A pergunta que fica sem resposta é se alguém viu alguma mudança no controle da especulação financeira, depois da crise, conforme as promessas feitas no meio da crise? Michael Jackson se foi, mas o “thriller” é o mesmo. Como diz a letra: “Cause this is thriller, thriller night. There ain’t no second chance, against the thing with the forty eyes, girl. Thriller, Thriller night” (“Porque isto é terror, noite de terror. Não há segunda chance, contra a coisa com quarenta olhos, garota. Terror! Noite de terror”).
Em 2009, se comemorou vinte anos da queda do muro de Berlim, que separou famílias na Alemanha por quase trinta anos. Por outro lado, Israel constrói outro muro, isolando terras férteis na Cisjordânia e impedindo que palestinos tenham acesso a água, comida e o direito de ir e vir. Com quase 300 quilômetros de extensão e declarado ilegal pela Corte Internacional de Justiça, a sentença foi ignorada pelo governo israelense. Ironicamente, vimos neste final de ano, o roubo e a recuperação da placa com a inscrição “Arbeit macht frei” (“O trabalho nos faz livres”), que ficava na entrada do antigo campo de extermínio nazista de Auschwitz, na Polônia. A memória de um tempo sombrio, onde a liberdade era restrita e se matavam pessoas pelas suas crenças e raças. O muro na Terra Santa é um símbolo requentado, pois encobre as atrocidades cometidas na região pelo superior poder bélico israelense. O escritor português José Saramago, ganhador do prêmio Nobel de Literatura, confronta Israel com a verdade histórica: “O que está acontecendo na Palestina é um crime que podemos comparar com o que ocorreu em Auschwitz”.
Do lado rico do planeta, tivemos momentos de esperança com a eleição de um presidente negro pela maior economia do mundo, apontado como um paladino do bem, se contrapondo ao seu antecessor, George W. Bush, o senhor da guerra. No entanto, Barack Obama decepcionou a todos ao aumentar a ofensiva norte-americana no Afeganistão, logo após ganhar de prêmio Nobel da Paz. Também na maior conferência do ano para conter as mudanças climáticas, se omitiu de assumir metas de redução nas emissões dos Gases do Efeito Estufa (GEE). Ele não estava sozinho na COP-15, em Copenhague, já que grandes poluidores, como a China e países produtores de petróleo, também fizeram de tudo para que compromisso algum fosse assumido. Requentaram o que já estava quente! Segundo um relatório do Fórum Humanitário Global (FHG), as mudanças no clima já matam cerca de 315 mil pessoas por ano de fome, doenças ou desastres naturais, e o número deve subir para 500 mil até 2030.
Grande parte dessas mortes ocorrerão na África, sendo que o continente representa menos de 4% das emissões globais de GEE. Obama traiu sua origem africana. Este sentimento está sintetizado na frase do primeiro-ministro etíope Meles Zenawi, o negociador-chefe dos 53 países membros da União Africana, que declarou: “O fim do Protocolo de Quioto significa a morte da África”. Ironicamente, a avó do presidente dos Estados Unidos, Mama Sarah, terá melhor qualidade de vida com as placas para gerar energia solar instaladas pelo Greenpeace, em sua casa em Kogelo, no Quênia.
Na COP-15 também esteve Arnold Schwarzenegger, mostrando as regulamentações de controle de emissões implantadas no estado da Califórnia, onde é o governador, e prometendo mais do que presidente do seu país. O ex-ator de cinema ficou “bem na fita”, enquanto Obama pode representar o verdadeiro “exterminador do futuro”.
Em tempo, o estudo “Caminhos para uma economia de baixa emissão de carbono”, da McKinsey & Co, que teve a WWF (Fundo Mundial para a Natureza) como um dos patrocinadores, demonstra que, até 2030, energias solar, eólica e de outras fontes renováveis poderiam contribuir com até um terço de toda a demanda global; eficiência energética poderia reduzir as emissões de GEE em mais de um quarto; e as emissões oriundas do desmatamento de florestas tropicais atualmente um quinto das emissões globais poderiam ser praticamente eliminadas. E tudo isto a um custo de menos de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) global.
Enquanto isto, no país do futuro, vimos o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser apontado como “o cara”, personagem global do ano. País emergente, agora o Brasil está entre os dez mais, capa do Financial Times, é a bola da vez! Se por um lado há o brilho, por outro, há corrupção requentada, que vai dos mensalões às meias e cuecas do Distrito Federal, um lado sórdido da política brasileira que insiste em se perpetuar. Promessas são muitas, de conter desmatamento à reduzir as mazelas sociais, de mais educação, moradias e menos criminalidade. No entanto, a cada dez horas uma criança é assassinada no Brasil, segundo o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP). É o tempo deste texto chegar ao editor do jornal e ser impresso. Em ano eleitoral, precisaremos mais do que frases de efeito e promessas de palanque requentadas para mudarmos esta realidade. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, chefe da delegação brasileira na COP-15, precisa estudar mais a cartilha ambiental para não cometer gafes como declarar ao mundo que “o meio ambiente é uma ameaça ao desenvolvimento sustentável”.
Aproveitando uma mensagem de natal enviada virtualmente por um amigo, deixo aos leitores o pensamento lúcido e esperançoso de Carlos Drumond de Andrade: “Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para diante vai ser diferente”.
Que dois mil e dez não tenhamos gosto de café requentado, novamente!
Eloy Fassi Casagrande Júnior é professor da área de Inovação Tecnológica e Sustentabilidade da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), coordenador do Escritório Verde da UTFPR, bacharel em Design pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), doutor em Engenharia de Recursos Minerais e Meio Ambiente pela Universidade de Nottingham (Reino Unido) e pós-doutor em Inovação Tecnológica e Sustentabilidade pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa (Portugal).