Café Orgânico – Recessão desafia o comércio justo

16 de fevereiro de 2009 | Sem comentários Produção Sustentabilidade


 
Recessão desafia o comércio justo
16/02/2009 11:02:20 – Zoonews



Por Diego Cevallos*



México, 16 de fevereiro (Terramérica) – A recessão econômica mundial
ameaça o avanço do comércio justo latino-americano. Dirigentes das redes que
sustentam esse intercâmbio alternativo realizam contatos de emergência para
avaliar a conjuntura e definir estratégias. A maioria dos representantes de
organizações de comércio justo, entrevistados para esta reportagem, estima que o
impacto será inevitável, mas também há os que veem a crise com otimismo, como
redes e plataformas de Brasil e Argentina que esperam inclusive melhorias.


Rubén Ravera, porta-voz da Rede Argentina de Comércio Justo, é dos que
observam um panorama difícil. É muito provável que pelo aperto econômico “a
convicção do consumidor de comércio justo se ressinta”, afirmou. Eduardo Rojo,
diretor da associação civil de Comércio Justo no México, diz que “há desespero e
emergência em todos os componentes” das redes que se dedicam a esta atividade.
Rojo alertou que, embora “o impacto nos preços dos produtos ainda não seja
sentido, as negociações para colocá-los são cada vez mais difíceis”.


O comércio justo remete a canais de mercado alternativos, criados a partir
dos anos 80 entre consumidores, a maioria dos países do Norte industrializado e
pequenos produtores agrícolas e artesãos de nações do Sul em desenvolvimento,
eliminando o controle das corporações e estabelecendo novas regras produtivas e
trabalhistas. Calcula-se que há 1,4 milhão de produtores dedicados a esta
atividade. Os compradores pagam preços maiores, que remuneram uma atividade
certificada por diferentes mecanismos, que respeita o meio ambiente, oferece
melhores salários, aponta para uma organização social mais justa e produz bens
de qualidade, sendo a maioria orgânicos.


As vendas globais de comércio justo beiraram, em 2007, os US$ 2,9 bilhões, o
dobro do registrado em 2005, segundo estatísticas da Fair Trade Labelling
Organizations International (FLO), com sede na Alemanha. Embora ainda não haja
dados consolidados de 2008, Gabriela Frers, diretora para a América Latina da
Organização Mundial de Comércio Justo, disse que algumas redes que vendem na
Europa, Estados Unidos e Canadá já informaram sobre uma queda de 5% nesse
ano.


“A crise financeira iniciada nos Estados Unidos está gerando recessão também
em outros países do Norte, os principais consumidores do comércio justo, o que,
seguramente, repercutirá nas vendas”, afirmou Frers de seu escritório no
Paraguai. Açúcar, cacau, café, banana, flores, frutas, mel e chá são alguns dos
principais produtos movimentados no comércio justo. Segundo Frers, 64% das
vendas latino-americanas se dirigem ao exterior, principalmente para Estados
Unidos, Canadá, Espanha, França, Itália e Grã-Bretanha. Devido à crise, foram
abertos diálogos entre organizações que atuam nos mercados alternativos com
vistas a definir estratégias, destacou o mexicano Rojo.


Não existe uma estimativa precisa de quantos produtores da América Latina
participam do comércio justo, mas apenas no México, um dos países com maior
dinamismo nesse campo, calcula-se que a atividade envolva 50 mil famílias
camponesas. Entre 80% e 90% das vendas mexicanas, especialmente o café orgânico,
vão para mercados do Norte rico. Contudo, não existe uma grande dependência das
exportações em todos os casos. No Brasil e na Argentina, por exemplo, são as
vendas internas que sustentam estas redes.


No Brasil, a “economia solidária, próxima do comércio justo, representa R$ 3
bilhões (perto de US$ 1,4 bilhões), cerca de 1,5% do produto interno bruto, e
conta com 22 mil empreendimentos”, disse Rosemary Gomes, presidente da Faces do
Brasil, uma rede de grupos que trabalham neste setor. “A economia solidária e
sua rede comercial no mercado interno ainda não sofrem com a crise, mas as
exportações sim”, acrescentou. Como estratégia, já vinha sendo promovido o
comércio justo Sul-Sul, especialmente de alimentos, atendendo princípios de
soberania alimentar, por exemplo, entre países latino-americanos, disse
Rosemary.


A FLO estimula a diversificação do intercâmbio na América do Sul e com o
México, além de instâncias internas nacionais para competir com os
supermercados, uma estratégia que a crise deve acentuar. Inclusive os produtores
que exportam sentem-se mais protegidos no comércio justo, devido “às vantagens
de preços e o pagamento pré-fixado antes da produção”. Além disso, se beneficiam
de políticas públicas, como o apoio à agricultura familiar e, por isso, a crise
não leva ao abandono do esquema, argumentou Rosemary.


Em crises passadas, dos produtores de café orgânico “sobrevieram apenas os do
comércio justo, que manteve os preços”. Contudo, os mais afetados serão os
“direitos sociais”, pela precariedade do trabalho e das condições de vida dos
produtores em razão da crise, acrescentou Rosemary. Edson Marinho, gerente de
Negócios da Ética Comércio Solidário, empresa brasileira integrada por vários
grupos não-governamentais e movimentos sociais, declarou que as vendas para a
Europa de frutas frescas, especialmente manga, sofreram queda em 2008, embora em
parte atribuída a um excesso de oferta.


Quem não vê problemas é Marcelo Paranhos, diretor da Associação Manga do
Brasil, à qual estão vinculados 80 produtores que cultivam 500 hectares. Em
2008, sua colheita de manga chegou a 3.500 toneladas; das quais foram exportadas
40% e um terço dessa quantidade na modalidade de comércio justo. “Este ano temos
boa projeção de resultados. Esperamos duplicar as exportações” de comércio
justo, afirmou Paranhos. Segundo o gerente, a recessão é uma oportunidade para
agregar valor, buscar novos mercados internos e externos, vender produtos
empacotados e baixar custos. Tudo isso “só é possível por estar no comércio
justo”, acrescentou.


Um enfoque semelhante tem María Minuet, presidente da Associação de Mulheres
Microempresárias da Argentina, que se concentra na produção de fibras naturais e
cremes cosméticos elaborados a partir de plantas autóctones. “Não vemos risco.
Temos produtos competitivos, contatos fora do país, e não pretendemos colocar
uma produção em grande escala”, afirmou. Sebastián Homts, da organização Arte e
Esperança da Argentina, descreveu o comércio justo em seu país como novo e pouco
conhecido. Este grupo não exporta, mas tem lojas em Buenos Aires, onde são
vendidos produtos elaborados por cerca de 500 famílias indígenas de oito etnias.
Homts disse que, com uma campanha capaz de divulgar os benefícios do comércio
justo, o setor se manterá relativamente são em meio ao temporal.


Entretanto, as vozes otimistas não apagam as advertências. “As consequências
da crise mundial têm os mesmos efeitos negativos em nossas redes. A diminuição
nas exportações da América Latina já é um fato, e inclui os produtos do comércio
justo”, destacou Gabriela Frers, cujo grupo vendeu produtos no valor de US$ 44
milhões em 2007. Para enfrentar a tempestade, Frers e Rojo buscam incentivar os
mercados locais e estreitar relações entre as organizações dedicadas a esta
atividade.


* O autor é correspondente da IPS. Com colaborações de Mario Oasava (Rio de
Janeiro) e Marcela Valente (Buenos Aires). Este artigo é parte de uma série
sobre desenvolvimento sustentável produzida em conjunto pela IPS (Inter Press
Service) e IFEJ (Federação Internacional de Jornalistas Ambientais).


LINKS


+Justiça comercial mostra seus frutos
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=117


+Desenvolvimento sustentável – Cobertura especial da IPS e da IFEJ
http://www.ipsnoticias.net/_focus/dsustentable/index.asp


+Rede Argentina de Comércio Justo (
http://www.equitativo.com.ar/localesventaRACJ.htm)


+Comércio Justo México 
http://www.comerciojusto.com.mx


+Fair Trade Labelling Organizations International (FLO)
http://www.fairtrade.net/home.html?&L=1


+Organização Mundial de Comércio Justo
http://www.ifat.org/index.php?lang=es


+Faces do Brasil, em português
http://www.facesdobrasil.org.br/


+Ética Comércio Solidário (
http://www.eticabrasil.com.br/site/index_s.php


+Associação Mulheres Microempresárias da Argentina
http://www.mujeresmicroempresarias.org/


+Arte e Esperança
http://www.arteyesperanza.com.ar



Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud),
realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência
Envolverde.


 



(Envolverde/Terramérica) 

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