O café e a história do mundo contemporâneo

A bebida da razão




De acordo
com o Manual Enciclopédico do Café, o Japão foi um dos países que mais resistiu
à entrada dessa estimulante bebida entre seus hábitos regulares.
Tradicionalmente adeptos dos chás (o chá verde é a bebida nacional japonesa há
aproximadamente mil anos), foi apenas entre os séculos XIX e XX que o café
conseguiu conquistar algum espaço entre os nipônicos.


O
interessante é saber que depois disso os japoneses se afeiçoaram tanto pelo
Coffea arábica (nome científico) e suas
características que passaram a adotar a prática pouco comum de se deitarem entre
grãos de café torrado por imaginarem que isso traz benefícios a saúde da pele.


Quando
surgiu enquanto alimento, os frutos do café eram assados em gordura e comidos
com açúcar. Foi apenas a partir da Idade Moderna, portanto do século XVI em
diante, que surgiu a infusão dos grãos na região do Oriente Médio. Mais recente
ainda é a utilização do café como fechamento de refeições, hábito tipicamente
brasileiro repassado para o resto do mundo.


Para que o
café possa se tornar a bebida que todos conhecem é necessário que passe por um
processamento que lhe permita ficar seco, depois torrado e finalmente moído. Seu
sabor final, diga-se de passagem, é definido pelo tempo de torragem. Além de ser
encontrado em grãos e moído, o café também é disponibilizado em pó solúvel. Além
de consumido de diferentes formas enquanto bebida, o café é muitas vezes
utilizado como componente para a produção de sorvetes, tortas, bolos e doces.


Entre as
diversas variações de café disponíveis no mundo para o consumo de seus fiéis
bebedores podemos destacar o expresso, o colonial, o cappuccino, o brûlot, o
vienense, o macchiato, o café com leite, o mocha, o hardy, o escocês, o
irlandês, o procope ou ainda o turco (que também responde pelo nome de café
grego).



Café,
óleo em tela de Cândido Portinari,
1935.


Tendo
surgido enquanto bebida com grande destaque no cenário mundial justamente no
período em que efervesciam as idéias renascentistas, o café foi adotado pelos
intelectuais e maiores pensadores do racionalismo e do iluminismo e continuou
sendo popular entre as elites pensantes européias em períodos posteriores da
história.


Não são
poucos os depoimentos de ilustres escritores, políticos, filósofos, cientistas e
artistas em favor do consumo do café em virtude de suas grandes qualidades.
Honoré de Balzac, por exemplo, escreveu as seguintes linhas sobre o café:
“O café cai-nos no estômago e há imediatamente uma comoção geral.
As idéias começam a mover-se como os batalhões do Grande Exército no terreno
onde a batalha ocorre. As coisas que recordamos surgem a todo o galope, de
estandarte ao vento”
.


As origens
do café remontam ao continente africano sendo originário especificamente da
Etiópia, da região de Kaffa. Os grãos consistem no fruto do cafeeiro, que
pertence à família das rubiáceas e tem formato pequeno, arredondado e de cor
vermelha. Existem registros de sua utilização desde a Pérsia do século VIII e
sua migração para a Arábia, de onde ganhou o mundo depois de ter se aclimatado
muito bem, data do século XV.


Ao chegar ao
continente europeu foi visto inicialmente como um remédio em virtude de seu
sabor forte e também do alto preço de mercado que possuía. Entre as qualidades
terapêuticas atribuídas nesse período ao café eram listadas possibilidades tais
quais o combate a náusea e a embriaguez, alívios a gota e a varíola, melhor
fluxo da urina e ainda como estimulante. Há relatos curiosos de pessoas que
afirmam terem combatido males como a impotência sexual, calos e até mesmo a
cretinice…


Não foram
apenas as possibilidades medicinais do café que o tornaram popular entre os
europeus, são destacadas também qualidades como:- o café não é uma bebida
alcoólica, por isso não causa constrangimentos e embaraços sociais devido à
embriaguez; o café torna as pessoas mais lúcidas e dispostas por se tratar de um
estimulante natural, o que permitia a seus consumidores maior energia para o dia
de trabalho; além do fato do café ser produzido com água quente, que livrava as
águas da sujeira e que diminuía a incidência de eventuais doenças. Essas eram
também razões para tornar aquela bebida proveniente do mundo árabe em um grande
sucesso de consumo na Europa da Modernidade.



Embarque de café no porto de Santos no início do século XX.


Antes de
chegar ao Velho Continente, o caffé (em italiano) primeiro se tornou
conhecido dos africanos e dos árabes. Na Etiópia, sua terra natal, era consumido
como manteiga sob a forma de pasta. Tornou-se bebida na Arábia do Sul já que
ajudava alguns povos locais a se manterem acordados para suas preces noturnas.
No final da Idade Média, o café passou a ser oferecido em estabelecimentos do
Cairo e de Meca, apesar das resistências dos grupos fundamentalistas islâmicos,
que por suas qualidades estimulantes condenavam seu consumo.


Comercializado pelos turcos com as
cidades italianas, entre as quais especial destaque para Veneza, o
Kaffee (em alemão) foi ganhando terreno em outros países da Europa a
partir de estabelecimentos em que as pessoas se sentiam confortáveis para
reunir-se e conversar. Esses pontos de encontro tinham ambientes sofisticados e
agradaram muito as camadas dominantes e ascendentes, como a nobreza e os
burgueses.


O crescente
consumo de café em terras européias durante os séculos XVII e principalmente
XVIII motivou a ampliação das áreas de plantio, já que os árabes não conseguiam
abastecer de forma satisfatória a crescente demanda. Isso fez com que os
holandeses conseguissem alguns pés de café e os levassem para suas colônias
orientais em Java e no Sri Lanka. Depois de algum tempo essas plantas foram
também transplantadas para terras americanas controladas pelos batavos, como a
Martinica, São Domingos e o Suriname. A França e a Inglaterra se mostraram
igualmente dispostas a trabalhar com o café em virtude de suas grandes
possibilidades comerciais e implementaram plantações na Guiana Francesa e na
Jamaica.



Camponesa bebendo café, óleo em tela de Camille Pissarro, 1881.


Foi, porém
no Brasil, para onde o produto foi inicialmente trazido por Francisco de Mello
Palheta, vindo da Guiné Francesa para o Pará, que o produto viria a se tornar
universalmente popular e de grande consumo algum tempo depois.


A história
do café no Brasil, a partir do século XVIII, é tão marcante para os rumos do
país a partir de então que, de acordo com os economistas e historiadores, não
seria possível conceber os avanços pelos quais passou essa nação sem os ricos
rendimentos obtidos pelos barões do café. Foram os lucros provenientes dessa
lavoura, intensificada a partir das décadas de 1830 e 1840 no estado de São
Paulo, que permitiram o surgimento das estradas de ferro, o avanço da
urbanização, a entrada de grandes levas de imigrantes europeus (italianos,
alemães, espanhóis,…), o deslocamento do centro de poder político do Nordeste
para o Sudeste e, até mesmo o refinamento dos modos e costumes brasileiros.


O
paralelismo entre o Brasil e o café é tão grande que uma boa parte dos primeiros
registros fotográficos feitos no país retrata a rotina das grandes fazendas de
café paulistas.


A introdução
do café, inicialmente no norte do Brasil, não deu os resultados esperados. Isso
acarretou uma espera ligeiramente prolongada, de aproximadamente 90 anos, até
que o produto viesse a ser produzido em escala crescente nas regiões aonde iria
realmente reinar, ou seja, principalmente em São Paulo. Antes de entrar em
terras paulistas foi feita uma incursão no Rio de Janeiro, onde a adaptação do
Coffee (em inglês) não foi bem sucedida.


A influência
do café no Brasil também pode ser medida pela relação traçada por vários
historiadores e pesquisadores sobre sua influência nos rumos da abolição da
escravatura ocorrida em 1888. A necessidade de mão de obra mais qualificada e
estimulada para o trabalho teria motivado os barões do café de São Paulo a
substituir progressivamente seus escravos pelos imigrantes europeus. Isso pode
ser percebido até mesmo a partir dos dados relativos aos primeiros centros
produtores de café, como o Vale do Paraíba fluminense, comparativamente as novas
regiões de produção cafeeira, como o Oeste de São Paulo.



Consumido de diferentes formas nos dias atuais, o café continua
sendo
uma das bebidas mais importantes do mundo com plantações

espalhadas por praticamente todos os continentes.


Convém
lembrar que, a partir do século XIX, os registros de consumo do café em termos
mundiais destacam crescimentos vertiginosos. Para exemplificar podemos ver o
caso da França que entre 1815 e 1938 teve o consumo do vinho dos árabes
(como também ficou conhecido o café) multiplicado 24 vezes. Dados mais
contemporâneos, como aqueles da Alemanha dos anos 1970, demonstram uma afeição
cada vez maior pela bebida ao atestarem um crescimento de 352 litros no início
da década para 455 litros por pessoa ao final daquele período.


O surgimento
dos cafés como centros de consumo especializado nessa bebida na Europa também
foram decisivos para a explosão de consumo do produto mundo afora. O requinte
relacionado a esses estabelecimentos, o crescente fluxo mundial de viajantes (a
turismo ou negócios) e também a variedade de novos produtos relacionados ao café
agregados a esses mercadores sofisticados da bebida certamente auxiliaram no seu
crescimento de vendas.


Nos dias de
hoje calcula-se que de todo o café consumido mundialmente aproximadamente 95%
sejam de duas espécies, o Coffea arábica e o Coffea robusta.
Esse café é proveniente de plantações que existem em países como a Colômbia, a
Costa Rica, a Arábia Saudita, a Índia, a Etiópia, Angola, Zaire, México e
principalmente do Brasil, o maior produtor mundial.


O que se
sabe, ao certo, é que hoje em dia é muito difícil ficar longe de um bom
cafezinho a nos despertar os sentidos, inebriar a alma e acelerar os passos.
Isso nos faz recordar um pronunciamento a respeito do café de um dos maiores
personagens da história, o general e imperador da França no início do século
XIX, Napoleão Bonaparte: “O café, forte e abundante, desperta-me. Dá-me calor,
uma força invulgar, uma dor não sem prazer. Prefiro sofrer do que ser
insensível”.


Fonte: http://www.planetaeducacao.com.br/novo/artigo.asp?artigo=488

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