Leonardo Sales
Meninas que poderiam estar presas ao trabalho braçal no meio de uma lavoura de café no município de Vargem Alta, Sul do Estado, encontraram no esporte uma chance de colherem frutos mais saborosos.
Elas vêm enfrentando no peito e na raça não só o preconceito dos pais, que as querem ajudando na roça, mas também as dificuldades de infra-estrutura para treinar e, mesmo assim, não desistem do sonho de se tornarem profissionais da bola.
E com a mesma ginga que deixam as adversárias no chão nas competições de futsal, as “meninas superpoderosas”, em apenas três anos vestindo a camisa do Prosperidade, conquistaram dois títulos e um quinto lugar na categoria infantil das Olimpíadas Escolares do Espírito Santo.
O bom trabalho teve repercussão nacional e. no ano passado. essas heroínas foram convidadas para disputar o Brasileiro, em Poços de Caldas (MG), onde terminaram em quarto lugar.
Como agora estão no ensino médio, Thaís – irmã das gêmeas Talissa e Tamara Barbosa –, Brunela Zucolotto e outras cinco meninas se transferiram para a Escola Estadual Guilherme Milaneze e esperam erguer este ano o inédito título estadual na categoria juvenil.
Brunela, de 15 anos, foi uma das meninas que precisou dar um drible nos pais para correr atrás de um futuro glorioso no futsal. “No início, eles pegavam no meu pé e não queriam que eu jogasse futebol. A pressão ainda existe, mas já está menor. Mas um dia serei jogadora profissional e eles vão se orgulhar”, garante ela, com o brilho de uma vencedora no olhar.
Já Talissa e Tamara foram encorajadas pela irmã mais velha a fazer parte da equipe. “A minha mãe não gostava de jeito nenhum, só que a Thaís já participava e nós pegamos carona”, conta Talissa, aos risos.
Rotina é cumprida na raça
Acordar antes mesmo de o galo cantar e encarar até dois ônibus para ir treinar é apenas o pontapé inicial da dura rotina que a maioria das meninas das categorias infantil e juvenil do time de futsal Escola Guilherme Milaneze enfrentam diariamente.
Como as jogadoras moram em sítios longe do centro de Vargem Alta, o percurso até a quadra de esportes e a escola é uma aventura e tanto. O trio de ouro formado pelas irmãs Barbosa – Thaís, Talissa e Tamara – é um exemplo do quanto é desgastante esse vai-e-vem.
“A gente acorda às 5h30, pega dois ônibus e vai treinar. As atividades começam às 7h30 e vão até as 10h30. Depois vamos para a escola em São José de Fruteiras, onde tomamos banho e almoçamos. A aula começa às 12h10. No final do dia, faço o caminho de volta e só chegamos em casa, em Prosperidade, por volta das 18 horas”, explica Tamara.
O técnico Caio Taliuli, um dos mentores do projeto de criar as equipes femininas de futsal, enfrenta o mesmo perrengue das 16 meninas que estão sob seu comando.
“Moro em Cachoeiro de Itapemirim. Acordo às 4 horas e pego dois ônibus para chegar aqui. São quase três horas de estrada”, assegura ele, que é só elogios as suas pupilas. “Todo o esforço é recompensado pelo prazer de trabalhar com elas”.
Pisar na quadra é um sacrifício
Conseguir um lugar adequado para treinar é mais um obstáculo no caminho dessas heroínas da resistência. Isso porque a quadra da Escola Guilherme Milaneze nem sempre está disponível, já que outras turmas utilizam o local para fazerem atividades de Educação Física.
Como os horários são apertados, a solução é ir para uma quadra ainda mais modesta, que tem dimensões pequenas (23 x 12m) e que fica a cerca de um quilômetro do colégio. Para se ter uma idéia, uma quadra oficial deve medir 40 x 20m.
“Na hora em que a bola rola, o esforço delas acaba sendo em dobro. Mas, graças a Deus, isso tem sido superado bem”, frisa o treinador Caio Taliuli.
A secretária de Esportes de Vargem Alta, Juliana Farias, e o diretor de Esportes, Rodolpho Maia, não têm medido esforços para ajudar a equipe de futsal.
“Para as meninas não precisarem ir para casa, a gente dá o almoço na própria escola e banca o transporte durante as viagens. Estamos sempre por perto para dar máximo de apoio”, disse Juliana.
Rodolpho disse que o ginásio municipal está em fase de construção e deve ficar pronto no final do ano. “Aí, elas poderão treinar com mais conforto”, assegura.
“Para nosso time ganhar mais projeção, precisamos que invistam na gente, pois temos talento”
Caio Taliuli
Técnico de futsal da Escola Guilherme Milaneze
Batom e sombra só fora das quatro linhas
Dizem por aí que espelho e batom são indispensáveis para as mulheres, tanto que muitas não abrem mão desses apetrechos nem na hora de competir. Mas as irmãs gêmeas Talissa e Tamara preferiram abandonar a maquiagem. “A gente não abria mão de passar uma sombra e um lápis no olho na hora de treinar. Mas, de tanto implicarem, paramos de usar. Agora só prendemos o cabelo e estamos prontas”.
Nos bastidores do time
Tirando de letra: Para Brunela, virar dona de casa é algo que foi rifado para escanteio faz tempo. “Casar cedo e ser dona de casa está fora de cogitação. Quero ser jogadora e dermatologista”, avisa.
Grupo fechado: Ter em mãos a equipe completa é uma tarefa quase que impossível enfrentada pelo técnico Caio Taliuli, que prepara o time para a fase decisiva das Olimpíadas Escolares. Pensando em contornar essa situação, o diretor de Esportes de Vargem Alta, Rodolpho Maia, arquitetou um plano que está prestes a ser executado. “Mês que vem começa a fase final, que terá oito times. Como as meninas estarão de férias, quero levá-las para uma pré-temporada em Marataízes”. E Caio emenda: “Assim, terei o grupo completo em tempo integral. Sem falar que poderemos fazer amistosos e dar mais ritmo à equipe”.