Publicação: 08/06/06
São Paulo tem o porto das sete pragas. De rato, barata, pombo, até cupim, abelha, mosquito Aedes aegypt e caramujo africano, pessoas e mercadorias dividem espaço com uma perigosa fauna no porto de Santos. As pragas são responsáveis por prejuízos e gastos da autoridade portuária e dos terminais, que não têm muito o que comemorar nessa guerra.
O segmento mais sujeito às ações danosas de roedores, pombos e baratas é do granel sólido de origem vegetal, nos quais se incluem a soja em grão e farelo, trigo e açúcar, que lideram a movimentação de carga no porto, com números superiores a 20 milhões de toneladas por ano.
No setor de contêineres, aparentemente imune, as queixas recaem sobre a carga desestufada, que fica em armazéns abertos. “Um importador de vinho queixou-se de fezes de pombos sobre as caixas importadas”, conta Alan Lear, diretor de logística da Libra Terminais. Como uma das fronteiras do país, o porto é visto como “uma peneira enorme” para a entrada de pragas trazidas por cargas embaladas em madeira, devido à insuficiente fiscalização agropecuária.
Com quase 115 anos de existência de porto organizado, somente agora a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) prepara-se para um enfrentamento à altura do ataque de roedores na área sob sua jurisdição. A estatal lançou um edital para contratação de empresa especializada no diagnóstico do quadro e apresentação de formas para reduzir os seus efeitos sobre a carga. A empresa, que colocou 1.163 iscas para ratos e capturou apenas 250 no primeiro trimestre, tem um custo mensal de R$ 5 mil com as pragas, enquanto estima gastar o equivalente a R$ 100 mil no diagnóstico.
Consulta feita pelo Valor junto a alguns terminais dá também a média de R$ 5 mil por mês nos dispêndios com a prevenção de ataques de pragas diversas. Com uma estimativa de 30 áreas, entre arrendamentos e termos de permissão de uso para o setor privado que lida com granéis vegetais, o dispêndio conjunto mensal é de R$ 150 mil.
A maioria dos terminais tem empresas contratadas para monitorar as ações antipragas, que acabam sugerindo mudanças em construções, instalação de redes de proteção e até do formato de telhados. É o que ocorreu com o Teaçu Armazéns Gerais, que precisou mudar o telhado inteiro de um armazém, de quatro águas, para duas. A morte de pombos nas calhas entupia a saída das águas da chuva, que poderia transbordar para o interior dos armazéns e molhar a carga, contaminando-a.
“E isso é mortal para o cliente”, diz Renato Dias de Gouvêa, diretor-superintendente do Teaçu, empresa do grupo Nova América, que atua no segmento do açúcar para exportação. Com a inclusão de equipamentos de proteção individual e treinamento, o Teaçu gasta por ano perto de R$ 1 milhão.
Segundo Virgílio Pina Filho, do grupo T-Grão, que explora terminal de importação de trigo, com movimento mensal em torno de 70 mil toneladas, as medidas de prevenção contra roedores e outras espécies daninhas à carga custam cerca de R$ 100 mil por ano à empresa. Pina interpreta esse dispêndio como indispensável à preservação da qualidade do trigo que será entregue aos moinhos, uma condição “sine qua non” para o terminal.
Na Caramuru Alimentos, que faz parceria no porto com a Citrosuco e a América Latina Logística (ALL) em dois armazéns, os dispêndios mensais na defesa da integridade da carga gira em torno de R$ 5 mil, segundo Ricardo Santos, gerente dos terminais. “Todos os armazéns estão com telas para evitar a entrada de pombos; além disso, investimos na educação dos funcionários para que não deixem restos de alimentação em locais impróprios”, informa.
A investida da Codesp no controle de roedores, a única praga a receber combate específico no porto, deixa claro as dificuldades que a empresa terá de enfrentar. Dos 7,7 milhões de metros quadrados de área do porto, incluídas as duas margens, cabe à estatal o controle dos espaços públicos, não arrendados a particulares. Esse espaço, que se estende por alguns quilômetros de cais, não está dimensionado, mas é nele que a empresa coloca os cerca de R$ 5 mil por mês, praticamente a mesma importância de apenas um terminal privado.
“Com certeza, estamos muito aquém do que é necessário, por isso vamos aumentar muito os dispêndios nas ações contra as pragas do porto”, reconhece Alexandra Sofia Grota, superintendente de qualidade, meio ambiente e normalização da Codesp. Alexandra admite que haja em torno do cais santista uma população estimada em 200 mil pombos, um número de difícil confirmação, mas contra os quais nada existe de prevenção.
Conhecidos como “pragas com asas”, os pombos são transmissores da toxoplasmose, histoplasmose, salmonelose e dermatites, entre outras doenças. “Queremos abrir um contrato na área de saúde com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com uma linha de ação contra os pombos, em razão também da ameaça da gripe aviária”, revela Alexandra. Entre as queixas de usuários do porto contra a proliferação de pombos está o setor automobilístico, que aponta danos na pintura dos carros como efeito das fezes dessas aves.
Mas devido ao processo licitatório, tanto a ação de combate aos roedores quanto a dos pombos não deve ocorrer antes do início de 2007, na previsão de Alexandra.