OPINIÃO – Pé vermelho por Werney Serafini

Prá quem não sabe, o morador do norte do Paraná é conhecido popularmente como pé-vermelho devido à cor vermelho-roxo da terra, considerada das mais férteis do planeta.

2 de novembro de 2010 | Sem comentários Especiais Mais Café

Ter, 02 de Novembro de 2010 07:06 Escrito por Werney Serafini

Entre uma lida e outra sempre sobra um tempo para desperdiçar com recordações da vida da gente. Foi o que aconteceu.


Lendo algumas críticas sobre o Projeto de Lei que pretende alterar o Código Florestal Brasileiro, foi inevitável uma pausa para reflexão e com ela veio à lembrança um lugar distante. Uma fazenda de café no noroeste do Paraná. Durante anos, na época da colheita, passava as férias de Julho naquele lugar.  As melhores de todas.


Ficava em Goioere, pequena cidade no interior do Paraná. O lugar, Fazenda Santa Mônica, homenagem de meu pai à Mônica minha mãe. Mais ou menos a uns seis quilômetros, numa estrada de terra e areia vermelha.


Da lavoura de café diziam ser o modelo na região. Pudera, era a menina dos olhos do Dr. Mansueto. Café Bourbon e Mundo Novo, cuidado e conduzido na mais moderna técnica da época. Colheita manual, feita no pano, várias vezes. Selecionados somente os grãos vermelhos e maduros, para obter classificação ‘bebida estritamente mole’. Dizia ele, que fazer café todos fazem, mas de qualidade poucos. E que café! Perfume penetrante, sabor intenso, acerejado.


Um carreador, café em ambos os lados, levava a sede da fazenda. Tudo simples: uma confortável casa de madeira, peroba nativa, fixada ainda verde, pois quando seca não entrava prego. Feita para durar cem anos, dizia-se por lá. Fogão a lenha com serpentina para aquecer a água do banho. Na frente da casa, o terreiro de tijolos para secar o café e a tulha dominando na paisagem.


Nos fundos o pomar com frutas de todo tipo, uma parreira de uvas e no final uma linha de mangueiras. Ao lado o reservatório de água, bombeada por um ‘carneiro’ instalado no riacho, distante uns quinhentos metros. Embaixo a cisterna para irrigação e que servia de piscina nos dias quentes. Diversão da gurizada!


Depois, o escritório, a escola Ricieri Serafini nome de meu avô, a casa do capataz, um galinheiro e a maternidade da criação de porcos. Limpíssima por sinal. Água corrente, pois segundo meu pai os porcos também gostam de limpeza. Os dejetos, canalizados, eram usados na adubação das plantações. Mais adiante, o curral e o estábulo, com as mulas utilizadas para o transporte da colheita. Alí ficavam os cavalos, uma curtição! Minha e de meus irmãos. O predileto era o Sarandy, garanhão persa, pintado que nem onça. O Sereno, marchador, branco que nem neve e o Corisco, bom de rédea, ligeiro como o vento. Cazuza, o cearense tratador dos animais dizia, que quando chegavam os meninos do Dr. Serafini, eles arrepiavam o pelo e sumiam no pasto, pressentindo que não teriam mais folga. Coitados, eram montados do nascer ao por do sol.


Em outro carreador a colônia. Uma dúzia de casas onde viviam as famílias dos trabalhadores. O chefe cuidava do cafezal e os familiares cultivavam feijão, arroz, milho, produtos de subsistência, cujo excedente vendiam na cidade. Produziam de tudo, leite, ovos, carne, banha, legumes e frutas. Compravam apenas o açúcar e o sal. Ambiente rural, simples, mas com paz e fartura.


A divisa aos fundos dava num riacho, límpido e transparente. Abastecia de água toda a fazenda. Cercado por mata nativa, muito além dos trinta metros obrigatórios pelo código que querem mudar, era intocável. Se mexer a água acaba, era o que dizia meu pai. E que floresta!  Perobas, cedros, canelas, pau-marfim e outras mais que não lembro. E a bicharada? Pássaros a perder da conta. Trago remorsos das pelotadas dadas com o estilingue ou do estrago que fazia a espingarda pica-pau de cabo de guarda-chuva, carregada pelo cano. No remanso do córrego, lambaris em profusão que pescávamos com massa feita de farinha e água.


Iguais a Santa Monica eram muitas. Fazendas e sítios ocupando a redondeza de Goioere. Assim era o interior do Paraná, especialmente o norte e noroeste do Estado. Fazendo as contas, não passaram mais do que cinqüenta invernos.


Anos depois, retornei a Santa Mônica. Não mais nos pertencia. Mônica, com receio das invasões resolveu vendê-la. Estava muito próxima à cidade. Consultou os filhos que disseram não ter interesse em tocá-la. Tinham outras ocupações e afazeres na capital. Assim, foi incorporada, como muitas outras pequenas propriedades rurais, pelas fazendas maiores, voltadas ao cultivo de culturas mecanizadas como soja, trigo, milho e cana, as commodities internacionais do agrobusiness.


De tudo encontrei apenas um galpão abrigando maquinários. No lugar do café, soja, milho e algodão. A colônia não mais existia. Daquela gente toda apenas dois, um tratorista e um guardião armado para impedir a entrada de estranhos. A mata derrubada para ampliação das plantações. Do riacho, apenas um filete d’água. Os bichos nem falar, pois sumiram. A impressão foi a de estar em um deserto verde a perder de vista.


Olhando a nova paisagem, me perguntei: E o Cazuza? E aquele povo todo? Onde estarão? Quem sabe na periferia de uma cidade maior, nas imensas favelas surgidas com o êxodo rural.


Esse é o outro lado do progresso que, na maioria das vezes, é simplesmente omitido.


Fazendo uma analogia, fiquei pensando… Que reminiscências poderia ter daqui alguns anos se voltasse a Itapoá do amanhã? Não fui adiante ao pensamento.


Feita a pausa voltei ao Código Florestal, confesso, meio ‘desacorçoado’ como diziam lá no Goioere.

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