O ciclo do café sobrevive ao tempo no Rio
Bruna Talarico, Jornal do Brasil
RIO – Sentar e ver um córrego passar, comer comida de fazenda e escutar nada além dos grilos durante a noite. Para preservar os costumes do reduto que foi palco do Ciclo do Café no século 19, o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) tombou provisoriamente 12 fazendas do Vale do Paraíba. Excepcionalmente, 6 delas foram voluntárias e pediram por conta própria o tombamento, uma forma de preservação da história de família e vida de seus proprietários.
Formado principalmente pelos municípios de Paty do Alferes, Miguel Pereira, Barra do Piraí, Valença e seu distrito Conservatória e Vassouras, o Vale do Paraíba guarda ainda um acervo cultural e histórico que traduzem sua origem rural. A preservação desse vínculo pode ser observada em festas populares, como o Festival do Café, e em tradições gastronômicas.
– Como forma de resguardar o importante patrimônio do Ciclo do Café, este tombamento não contempla apenas fazendas em excepcional estado de conservação. Esperamos que o tombamento possa corroborar na captação de recursos para a recaracterização e conservação dos aspectos originais destes bens culturais, e que investimentos no sentido de seu pleno uso possam, de ora em diante, ficar facilitados pelo reconhecimento de sua importância para o Estado do Rio de Janeiro – diz uma nota enviada pelo Inepac ao Jornal do Brasil.
O historiador Milton Teixeira, que trabalha como guia de fazendas de café há cerca de 20 anos, acredita que, apesar de positiva, a medida deveria ter acontecido há mais tempo. Teixeira agrega também que a lista de fazendas que poderia ser beneficiada com o tombamento comporta cerca de 30 outros casarões, provas emblemáticas da hegemonia fluminense no século 19.
– O Vale do Paraíba foi uma das regiões mais ricas do Brasil e do mundo, e por isso vários fazendeiros têm a consciência de que têm um patrimônio em mãos. Mas muitos proprietários estão empobrecendo, perdendo as condições de manter os casarões, e quem sofre com isso é o patrimônio histórico – aponta, fazendo referência aos incentivos que os proprietários de bens tombados pelo Estado recebem, como isenção de IPTU, a lei Rouanet e a de Incentivo Fiscal, com base no ICMS.
– Se tivesse acontecido há mais tempo, teria ajudado a salvar outras fazendas, como a Campo Alegre, demolida pela família.
Tombamento Voluntário
Para Marcus Monteiro, diretor-geral do Inepac, a iniciativa voluntária representa uma evolução da mentalidade dos proprietários, que estão passando a aceitar o tombamento como uma chancela importante. No Vale do Paraíba, as próprias fazendas estão abrindo suas portas para visitação, servindo café colonial e participando ativamente da revitalização e preservação da memória do patrimônio do Ciclo do Café, símbolo da opulência e riqueza brasileiras no Segundo Império.
– As pessoas costumam considerar o tombamento uma intervenção muito forte do Estado – avalia. – Mas o que esperamos é evitar as modificações das características mais fortes do patrimônio. O Vale do Paraíba tem uma vocação natural para o turismo rural, e o tombamento é uma maneira de o Governo do Estado intensificar os investimentos na região.
Comparando o Vale do Paraíba ao Vale do Loir, na França, Monteiro enfatiza os benefícios do tombamento das 12 fazendas, em especial as 6 voluntárias: Espuma, Santa Rita, Santo Antônio do Paiol, São Luiz da Boa Sorte, Vista Alegre e São Domingos. As outras fazendas beneficiadas pela medida não foram identificadas pelo INEPAC por se tratar de um tombamento imposto e muitas vezes erroneamente mal-visto, segundo Monteiro.