Grão por grão – Folha acompanha colheita em duas fazendas de café

24 de julho de 2008 | Sem comentários Especiais Mais Café
Por: Folha de São Paulo

ILUSTRADA
24/07/2008
 
Grão por grão
Folha acompanha colheita em duas fazendas de café que, além de cultivarem o grão, torram parte da produção de olho no mercado de bebidas especiais
 
JANAINA FIDALGO
ENVIADA ESPECIAL A MOCOCA (SP) E A BOTELHOS (MG)
Faz um bom tempo que não chove por lá. Onde quer que se vá, uma nuvem de poeira se arrasta atrás de cada passo. Os olhos secam, e a garganta coça.


Ruim para os homens, ótimo para o café. A safra deste ano, ao que tudo indica, promete.


A seca rigorosa do ano passado atrasou a florada e, conseqüentemente, a colheita. Teve início em junho, e não em maio, como costuma acontecer.


Na semana passada, a Folha visitou duas fazendas produtoras de café, a Pessegueiro, em Mococa, na região da Mogiana (interior de São Paulo), e a Sertãozinho, em Botelhos, no sul de Minas Gerais, para acompanhar da colheita à torra.


Fundada em 1870, a Pessegueiro sempre cultivou café, mas o vendia cru. Só em 2003 passou a torrar parte da produção (hoje quase metade) e a vendê-la ao mercado interno, sob o selo da fazenda.


“O café sempre foi tratado como commodity, e os preços são muito manipulados. Precisávamos de uma alternativa para dar sustentabilidade ao negócio”, diz Clovis Gonçalves Dias Filho, 64, que cuida da fazenda com a mulher, Rita, 59.


“No início, foi bem difícil. Saímos mostrando o nosso produto e abrindo mercado.” Dois anos depois, o café começou a ser reconhecido. Foi premiado pela SCAE (Speciality Coffee Association of Europe) na categoria “The Hidden Treasure” (tesouro escondido).


Sexta geração


Filho dos produtores de Mococa, o agrônomo José Renato Gonçalves Dias, 36, pertence à sexta geração de cafeicultores de sua família e está há quase 12 anos à frente da Sertãozinho, propriedade de Roberto Irineu Marinho. Certificada e premiada dois anos atrás no “Late Harvest Competition”, na Suíça, a fazenda destina, desde 2005, uma parte da produção à torra -5% dos grãos dão origem aos blends Orfeu e Eurídice. “O produtor sempre levou tinta. Cultivava um bom café, e colocavam preço nele. Com o Orfeu, a idéia é fazer o produto ser conhecido lá na ponta”, diz o diretor-geral José Renato.


Da colheita à xícara
Com a baixa umidade do ar, quando a Folha visitou os cafezais boa parte dos frutos ainda maturava nos pés, o que confere a eles um sabor tão adocicado quanto aquele que, na xícara, diferencia uma bebida especial de uma medíocre. Pinçado com os dedos, um fruto maduro é espremido até soltar uma gota sobre o medidor de brix, que calcula o teor de açúcar.


Confirma o que a língua já constatou: está doce, tem 24% de açúcar -pode chegar a 29%. Tanto numa quanto noutra fazenda, a colheita é toda manual, um dos requisitos para obter um café especial -além de usar grãos 100% arábica, ter demarcação de origem e nenhum defeito (leia mais no quadro à esquerda).


Ainda na lavoura, materializa-se a clássica cena da abanação. Lançados ao céu, os frutos caem de volta na peneira, enquanto as folhas voam e pousam no chão. Para não fermentarem, os grãos têm de seguir no mesmo dia para o terreiro.


Na Pessegueiro, a produção é depositada num tanque d’água, cuja função não é lavar, mas separar os frutos. Mais leve, o natural (ou bóia, seco no pé) flutua, enquanto o cereja (maduro) e o verde afundam.


Por declividade, sistema construído no século passado pelo bisavô do atual proprietário, o natural desliza, morro abaixo, por um canal, direto para o terreiro. Depois, escoa-se o excesso de água, e o cereja e o verde descem, por outra via, até a descascadora.


Na Sertãozinho, os frutos também são separados com a ajuda d’água, mas numa máquina que isola os bóias dos verdes e dos cerejas e se encarrega de descascar os últimos.


Nas duas fazendas, o café é seco como reza a tradição: ao sol. Na Sertãozinho, há até um marcador, similar a um ábaco, para controlar o número de rodadas. Lá, apenas os cafés commodity, não-especiais, são levados ao secador artificial.


Quando terminam de secar, os grãos são guardados nas tulhas, onde passam pelo primeiro de três “descansos”. “O café usado no blend do Orfeu descansa três meses. Senão, fica adstringente”, diz Ana Cecília Carvalho Gonçalves Dias, 33, diretora comercial do Orfeu. Depois de passarem pela separadora -uma enorme e bela máquina de madeira em que o café é, entre outras coisas, separado por tamanho-, os grãos descansarão novamente por uma longa temporada. No ano que vem, os melhores grãos chegarão às nossas xícaras.


A jornalista JANAINA FIDALGO viajou a convite das fazendas Pessegueiro e Sertãozinho

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