Publicação: 23/05/06
Às vésperas do anúncio pelo governo de um novo pacote de socorro agrícola, um levantamento realizado a partir de dados do Tesouro Nacional revela, pela primeira vez, os custos bancados pelos cofres públicos nas renegociações das dívidas do setor rural.
A pesquisa inédita, realizada pela Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura (AGE), aponta que, entre 2000 e 2005, o Tesouro Nacional gastou R$ 9,1 bilhões com o financiamento de débitos agrícolas prorrogados a partir de 1995. A maior parte dessas despesas está atrelada à dívida mobiliária, a emissão e a venda de títulos pelo governo no mercado, dos programas de repactuação das dívidas. Nesse item, o governo bancou R$ 8,772 bilhões entre 2002 e 2005. Apenas no ano passado foram R$ 1,78 bilhão.
Assinado pelo coordenador de Planejamento da AGE, o pesquisador José Garcia Gasques, o estudo mostra que as despesas orçamentárias da União e o custo das renegociações aumentaram 14,8% em termos reais desde o ano de 2002. “São custos pesados, que revelam uma tendência de pulverização e de má alocação dos recursos públicos”, afirma Gasques.
Para tirar o setor de uma grave crise de liquidez e de renda, o governo anunciou, no início de abril, um pacote de renegociação de dívidas de investimento e custeio que custarão R$ 1,28 bilhão apenas neste ano. O novo pacote agrícola, que deve ser anunciado nesta quinta, pode custar outros R$ 400 milhões anuais ao Tesouro, segundo estimativas da Comissão de Agricultura da Câmara.
O estudo de Gasques, que deve ser publicado em julho, também mostra o peso dos subsídios diretos bancados pela União. No acumulado dos últimos cinco anos, foram gastos R$ 26,7 bilhões somente com subsídios ao crédito e à comercialização agropecuária. No crédito rural, a contribuição dos cofres públicos cresceu 35,5% em termos reais desde 2000. Foram gastos R$ 15,9 bilhões no período com o financiamento e a equalização de juros de empréstimos oficiais. Só em 2005 foram R$ 2,82 bilhões para subsidiar os juros dos programas de investimento do BNDES, agricultura familiar (Pronaf), saneamento de ativos (Pesa), recuperação de cooperativas (Recoop), cacau e do seguro oficial (Proagro). Na comercialização, o Tesouro bancou R$ 10,766 bilhões em subsídios para sustentar preços via compras diretas (AGF), estocagem (EGF), subvenções ao frete (PEP), contratos de opção, equalização da borracha (PEB) e warrantagem do álcool combustível.
“O mais grave nesses gastos é que temos concentrado quase tudo em políticas de curto prazo, como crédito e abastecimento, e deixado de lado os programas que tornam a atividade mais sustentável a médio e longo prazos, como pesquisas, defesa agropecuária e infra-estrutura rural”, resume Gasques, que também é pesquisador do IPEA. Segundo o estudo, 97% das despesas realizadas pela União em 2005, por exemplo, concentraram-se em apenas cinco programas. “Mas nada ligado à competitividade que o país vai precisar nos próximos dez ou 15 anos”, diz.
De fato, a análise das despesas da União com Agricultura e Organização Agrária em 16 ministérios mostra que, apesar de ter alcançado o maior desembolso efetivo desde 1999, os gastos nas duas principais “funções” do Orçamento estão focados em programas de intervenção no mercado, financiamento de juros e equalizações e abastecimento. Em 2005, foram gastos R$ 12,06 bilhões nas duas “funções”, que são administradas sobretudo pelos ministérios da Agricultura, Fazenda e Desenvolvimento Agrário. Os valores, que atingiram 1,99% do PIB brasileiro em 2005, são muito superiores aos desembolsos realizados em áreas importantes, como Transportes, Habitação, Saneamento ou Ciência e Tecnologia. “Há, porém, nessas funções um conjunto amplo de programas cujos montantes de recursos são inexpressivos, como aqueles relacionados à produtividade, sustentabilidade, treinamento, pesquisa, entre outros”, afirma o texto do estudo. Os gastos com pesquisa, por exemplo, registraram uma retração média real da ordem de 14,1% quando comparados o período de 1999 a 2001 com o intervalo entre 2003 e 2005.
Da análise das contas públicas, que tiveram um mudança de metodologia a partir de 2000, é possível observar que as despesas de Organização Agrária têm aumentado num ritmo muito maior do que os gastos com a Agricultura. “O principal motivo é a reforma agrária, principalmente na obtenção de terras, apoio administrativo e crédito fundiário”, revela Gasques. Os gastos “agrários” passaram de R$ 1,94 bilhão, em 2000, para R$ 3,62 bilhões no ano passado. Na Agricultura, os valores caíram de R$ 9,05 bilhões para R$ 8,44 bilhões no mesmo período de comparação. “A política pública definiu uma prioridade para o programa de agricultura familiar, que tem público definido”, resume o estudo.