27/07/2014
Meta da direção é transformar parque em referência de sustentabilidade
Joana Dale / O Globo
RIO – Um burburinho rola entre as palmeiras-imperiais do Jardim Botânico desde que as medidas tomadas pela presidente Samyra Crespo — nomeada para o cargo pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, há um ano — começaram a ser postas em prática. De um lado, uma turma de frequentadores lamenta a desativação do estacionamento, reclama do novo horário de funcionamento às segundas-feiras e protesta contra o fim do café Botânica, que fechará as portas quinta, dia 31. Do outro, a direção da instituição se diz empenhada em transformar o parque em referência de sustentabilidade até 2016.
— Quando assumi a presidência, encontrei um parque muito bem cuidado, mas sem diálogo com a sustentabilidade — defende Samyra. — Os cariocas amam o Jardim Botânico, mas acham que se trata de uma área de lazer qualquer e custam a entender as restrições. O governo federal bota dinheiro aqui para bancar pesquisas botânicas. Como gestora, preciso conciliar os interesses.
No projeto do novo Jardim Botânico, não há mais espaço para o café Botânica. Divulgada nas internas no início deste mês, a notícia caiu como uma bomba no colo da dona do estabelecimento, a empresária Celina Sá Lessa.
— Estou há 18 anos no Jardim Botânico, entrei por licitação e desde o ano passado, quando o meu contrato venceu, estou cobrando uma nova licitação — conta Celina. — Agora falam que querem fazer um café sustentável, com teto de grama para as pessoas meditarem lá em cima… Sei que o espaço estava precisando de reforma e estava disposta a fazer uma obra. Mas fui pega de surpresa. Fechar uma empresa e demitir 12 funcionárias é caríssimo e trabalhoso. A presidente poderia ter me informado sobre o novo projeto em março, quando veio me pedir dinheiro para ajudar a pagar o cachê da Leila Pinheiro para o show em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres.
A nova licitação deve sair em até 60 dias. Enquanto isso, nada de café lá dentro.
— A Celina poderá entrar na concorrência, mas não terá privilégios. A ideia é que o novo café seja aberto até janeiro de 2015 — prevê Samyra. — Queremos mudar o conceito, implementar o sistema de autosserviço que existe em cafés de parques do mundo inteiro. Numa pesquisa de satisfação, o café Botânica foi o menos bem avaliado dos três estabelecimentos do parque. Os visitantes reclamaram dos preços, do atendimento e do fato de as funcionárias não falarem inglês. Mas não é por isso que ele está sendo fechado. É porque o contrato terminou.
O quiosque que funciona no parquinho infantil e o café do La Bicyclette, de outros gestores, continuam intactos.
Outra mudança à vista é o endereço da loja de souvenir, vizinha do café Botânica. Em breve, o espaço que vende lembrancinhas do parque vai sair dos fundos do Centro de Visitantes e ocupar um lugar “mais estratégico”.
Desde o último dia 2 de junho, data do fechamento do estacionamento, um bocado de gente anda dando com a cara no portão principal do parque. Neste mesmo junho, foi registrada uma queda de 30% do número de visitantes.
— Uma pesquisa da consultoria KPMG vai mostrar se o estacionamento foi o causador da queda. Eu acredito que não. O Parque da Bola, ali na frente, foi um grande concorrente. E o público que veio para a Copa do Mundo parecia estar mais interessado em curtir a praia do que visitar o Jardim Botânico — opina Samyra.
Quem mais sofreu com a desativação do estacionamento foi o Teatro Tom Jobim, que atualmente tem três espetáculos em cartaz, dois infantis e um adulto.
— Tivemos uma queda de público nas primeiras semanas, mas notamos que as pessoas estão começando a se adaptar, optando pelo táxi ou transporte coletivo — observa André Julião, ator e gerente de produção do teatro.
O embarque e o desembarque das senhorinhas das vans está liberado, desde que os veículos fiquem estacionados do lado de fora durante o espetáculo. Em breve, o transporte dos visitantes da terceira idade será feito em carrinhos elétricos — a instituição possui cinco na garagem e está comprando mais cinco. A ideia é vetar a circulação de todo e qualquer veículo tradicional e transformar o antigo estacionamento numa área de leitura, equipada com bancos e revistas.
— Verificamos que apenas 29% dos visitantes usam carro particular ou moto — conta Samyra. — Além disso, era impossível satisfazer os cinco mil visitantes do fim de semana com 80 vagas. Formava-se uma fila enorme no portão e engarrafava a Rua Jardim Botânico. A CET-Rio já estava querendo nos multar.
O Jardim Botânico firmou convênio com o Jockey Club, do outro lado da rua, que vai cobrar R$ 7 pelo estacionamento dos visitantes do parque — mas essas 230 vagas só serão liberadas mês que vem.
Uma queixa constante de quem vem do outro lado da rua é sobre o sinal de trânsito instalado em frente ao parque, que raramente fecha para os pedestres atravessarem. Procurada pela Revista O GLOBO, a CET-Rio informou que vai enviar uma equipe de técnicos ao local.
Outra reclamação que tem feito barulho entre os Amigos do Jardim Botânico, aqueles que pagam anuidade para ter passe livre, é o fechamento do arboreto nas manhãs de segunda-feira. A turma do tai chi chuan, por exemplo, ficou sem espaço para a prática matinal no início da semana. Mas não por muito tempo: depois de uma série de reivindicações, os praticantes ganharam o direito de se exercitar no gramado próximo ao lago das tartarugas.
— O público do Jardim Botânico cresceu muito nos últimos anos (Em 2006, o parque tinha uma média de 600 mil visitantes ao ano; em 2013, esse número saltou para 1 milhão). Ter um dia de manutenção ficou mais do que necessário. Os amigos e os visitantes têm que compreender — opina o consultor ambiental Tomás Mariani, presidente da associação.
Mas, como diz o ditado, “quando uma porta se fecha, há sempre uma janela que se abre”. Ícone dos novos tempos, o Centro de Visitantes — que vivia mais fechado do que aberto — ganhou um banho de tecnologia e foi reinaugurado em junho, após quatro meses de obras que consumiram R$ 550 mil. Primeira construção da Zona Sul carioca, o casarão erguido em 1576 passou por um “retrofit sustentável”. Uma torre eólica foi instalada para fornecer energia ao espaço, com previsão de início de funcionamento em agosto.
— Todas as mudanças necessitam de um tempo de adaptação. Mas as pessoas são ansiosas e reclamam demais. Até entendo, também fiquei mal-humorada depois da Copa. Mas peço paciência e amor ao Jardim Botânico — diz Samyra, enquanto caminha pelo cactário recém-inaugurado no local onde antigamente funcionava um jardim sensorial.