Mauro Zanatta
Parlamentares da Comissão de Agricultura da Câmara apontam uma disputa empresarial como pretexto para a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de banir 14 ingredientes ativos usados na fabricação de agrotóxicos no país. A Anvisa defende a posição como uma revisão científica de rotina dos dados toxicológicos desses ingredientes. Mas o lobby dos produtores rurais entrou em campo para questionar a consulta pública aberta pelo governo para revisar a concessão de registro a esses ingredientes.
De acordo com o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), “o que está por trás disso é um interesse econômico. Querem nos empurrar produtos mais caros para ganhar nas costas do produtor”, garante. Sob os olhares de uma atenta plateia de empresários e dirigentes do setor de agrotóxicos, os deputados debateram durante audiência pública a proibição de um ingrediente específico, usado nas culturas da soja, cana-de-açúcar, algodão, café e cacau: o endossulfan.
O ingrediente ativo em questão, venda de US$ 150 milhões anuais no Brasil, teve recomendação de banimento de uso em todo o país pela Anvisa, com alegação de que o produto ofereceria “graves danos à saúde” e “alta toxicidade aguda”, já estando banido da União Europeia, Argentina e vários países africanos pela mesma razão.
Mesmo assim, tem um forte lobby em sua defesa. Sem a proteção de patente industrial, e com 11 registros no país, o endossulfan é fabricado aqui por quatro empresas: as brasileiras Servatis (ex-Cyanamid) e Fersol, a alemã DVA e a subsidiária israelense Milenia. Ontem, representantes da indústria química da Índia (Indian Chemical Council e Excel CropCare) e dos Estados Unidos (Velsicol Chemical) estiveram na reunião no Congresso.
Os deputados ruralistas informaram que o banimento do endossulfan beneficiará diretamente os produtos a base de thiametoxan, fabricados no país sob patente pela multinacional Syngenta. “É um jogo de interesses”, disse o deputado Marcos Montes (DEM-MG). O ingrediente da Syngenta seria, segundo informações da comissão, até 264% mais caros do que o endossulfan. “Estão querendo que o produtor pague mais caro, que aumente ainda mais seus custos de produção. Mas em troca de quê, eu pergunto”, afirmou o deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR).
Com as divergências e pressões empresariais, a Comissão de Agricultura decidiu realizar uma audiência pública com os ministros Reinhold Stephanes (Agricultura), Carlos Minc (Meio Ambiente) e José Gomes Temporão (Saúde) para debater os processos de revisão de dados e recomendação de proibição de uso dos 14 ingredientes ativos de agrotóxicos no Brasil.
Segundo nota técnica da Anvisa sobre a “Reavaliação toxicológica do ingrediente ativo endossulfam”, uma revisão publicada em 2007 sobre Substâncias Tóxicas Persistentes (STP) ou Poluentes Orgânicos Persistentes (POP) no Brasil mostra que, apesar de parcialmente proibidas no país, níveis dessas substâncias estão presentes em diferentes matrizes ambientais (solo, sedimento, água, ar, biota), atingindo valores muito acima dos limites legislados em áreas consideradas críticas, ocasionando sérios problemas ambientais e riscos à saúde humana, envolvendo sua dinâmica, transformação e biomagnificação no ambiente. (ALMEIDA et al, 2007).