Na teoria, a compra de um imóvel rural parece ser tarefa fácil, mas de fato não é. A transação não consiste em simplesmente identificar a área, ajustar o preço e condições de pagamento. Há muito mais a ser considerado e vale levantar alguns pontos.
Identificada, inspecionada a área e verificada a posse, é preciso solicitar ao Cartório de Registro de Imóveis-CRI de localização do bem uma certidão que ateste os acontecimentos dos últimos vinte (ou trinta) anos envolvendo diretamente o imóvel (a existência de hipoteca, por exemplo), o que fica registrado no livro 2.
Além da referida certidão, o CRI também mantém registros relativos a acontecimentos que digam respeito indiretamente ao imóvel (a existência de bens apenhados localizados no imóvel, por exemplo), permanecendo registrado junto ao livro 3, o que também deve ser solicitado.
De posse de tais certidões, já é possível identificar diversas e preciosas informações que nortearão as negociações.
A verificação das transações anteriores é de extrema importância, até mesmo pelo fato de que havendo algum vício no passado a validade do negócio presente poderá ser afetada. A atenção deverá ser redobrada caso a propriedade do bem já tenha sido transferida por meio de venda judicial.
Outras informações geralmente negligenciadas dizem respeito aos registros junto ao Cartório de Títulos e Documentos. Neste caso, poderão ser encontradas informações diversas que digam respeito ao proprietário e seu imóvel, como por exemplo, contratos de arrendamento, que geram o direito à preferência, por parte do arrendatário, na aquisição do imóvel.
Deve-se atentar para as certidões extraídas de bancos de dados de empresas como a SERASA, as quais concentram dados de abrangência nacional e são relevantes para uma demonstração geral acerca das condições em que o proprietário se encontra perante o mercado.
As certidões relativas às ações distribuídas perante a justiça estadual, tanto as da localidade em que se situa o imóvel quanto às relativas ao local de residência do proprietário são essenciais. Veja que a existência de determinada ação contra o proprietário (situação, diga-se, comum) não é motivo para desistência do negócio. Deve-se analisar, cuidadosamente, o processo a fim de verificar-se do que se trata e qual o risco imediato e futuro para o negócio.
Da mesma forma, deve-se atentar para as certidões da justiça federal (que concentram especialmente as causas relativas a tributos) e as da justiça do trabalho. Em regra, nestes casos, os credores têm preferência quanto à satisfação de seu direito em relação às demandas que correm na justiça estadual.
Também é prudente que sejam solicitadas as certidões relativas a feitos criminais. Isso porque, além de fornecer informações importantes acerca do caráter do comprador, revelará a existência de condenações que podem implicar, por exemplo, no pagamento de multas, e que podem influenciar a transação.
A verificação acerca do georreferenciamento (o que garante a inexistência de sobreposição de terras, por exemplo) da área é fundamental, mesmo porque em caso de inexistência ou pendência do respectivo processo, o CRI não procederá a qualquer tipo de registro, relativo à venda, na matrícula do bem.
Não se pode esquecer-se das certidões ambientais que são de extrema relevância ante o fato de que o comprador se responsabiliza pelo cumprimento da respectiva legislação vigente, mesmo que não tenha sido o responsável pelas pendências existentes na área.
Tratando-se de bem imóvel de valor expressivo, como ocorre no caso de áreas rurais, é corrente que as partes ajustem pagamentos anuais em até cinco anos. Mesmo que a lei preveja o instrumento público como regra, é comum que as partes firmem contratos particulares de promessa de compra e venda para fins de formalização do negócio, prevendo que a competente escritura seja lavrada somente após o pagamento final do preço.
Todavia, o mais seguro para o comprador (mas que nem sempre é aceito pelo vendedor) seria a imediata formalização por meio de escritura pública de venda e compra condicionada a liquidação total dos pagamentos de acordo com as condições ajustadas, sob pena de resolução do negócio, mediante inclusão de cláusula resolutiva expressa.
Esses são, pois, alguns dos pontos (há diversos outros) que devem ser observados quando da compra de um imóvel rural, sendo que a análise minuciosa dos documentos leva à redução dos riscos inerentes ao negócio.
Fábio Lamonica Pereira
Advogado em Direito do Agronegócio
lamonica@lamonica.adv.br
Artigo publicado na edição n. 48 da Revista AgroDBO