27/11/2012
Por Lauro Veiga Filho | Para o Valor, de Goiânia
No ano em que vai colher a maior safra em sua história de mais de dois séculos e meio em solo brasileiro, muito provavelmente acima de 50,4 milhões de sacas, o setor cafeeiro deverá registrar números igualmente recordes para o consumo doméstico, que tende a se aproximar de 20,5 milhões de sacas, na estimativa mais recente da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic). Isso significa que cada um dos brasileiros, na média, terá consumido três vezes mais café ao longo deste ano do que os demais consumidores ao redor do globo, que se limitam a ingerir o equivalente a dois quilos por habitante/ano.
Segundo Nathan Herszkowicz, diretor-executivo da associação, hábitos já arraigados e novas tendências observadas no mercado sustentam essa diferença, que não surgiu agora e tende a prevalecer, a se levar em conta as projeções da associação. “Segundo o IBGE, o café é consumido por 79% dos brasileiros acima de dez anos. A Abic estima que o consumo continue crescendo em torno de 3% a 3,5% ao ano”, arrisca.
Uma das razões para a relevância crescente do mercado interno, na visão de Herszkowicz, pode estar na melhora contínua da qualidade do café oferecido aos consumidores e ao salto de nada menos do que 307% no consumo fora do lar, entre 2004 e 2010. As perspectivas de crescimento, internamente, têm sido reforçadas pela abertura de cafeterias mais modernas, com diversificação na oferta de sabores e misturas a base da tradicional bebida, e pelo desenvolvimento de inovações como o café em cápsula ou em dose única (monodose). “Além disso, a divulgação extensiva dos benefícios do consumo para a saúde humana, com base em pesquisas realizadas em todo o mundo, tem incentivado os consumidores”, avalia.
Produção e consumo doméstico alcançam níveis recordes, enquanto as exportações devem retomar o vigor já em 2013.
Nas séries históricas do Departamento do Café, subordinado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o consumo doméstico cresceu praticamente 50% desde 2001, saindo de 13,6 milhões de sacas, para previstas 20,4 milhões a 20,5 milhões neste ano. O consumo per capita avançou 30,6% na mesma comparação, partindo de 4,9 para 6,4 quilos por habitante/ano.
Com 6 milhões de empregados diretos e indiretos em toda a cadeia, desde a lavoura até o varejo, passando pelos setores de processamento e industrialização, conforme Herszkowicz, o setor cafeeiro sustentou em 2011 suas melhores marcas no front externo, quando exportou 33,6 milhões de sacas, com receitas próximas a US$ 8,73 bilhões, num avanço de 51,5% em relação a 2010, assegurando o terceiro posto entre os produtos mais exportados pelo agronegócio e a 10ª posição no ranking geral das exportações brasileiras.
Nos últimos anos, o Brasil respondeu por quase um terço da produção e do comércio mundial de café. Mas, neste ano, questões pontuais, como o excesso de chuvas entre julho e agosto nas regiões de produção e a redução dos preços internacionais do grão, resultado da especulação gerada pela perspectiva de uma safra recorde no Brasil, entre outros fatores, derrubaram os embarques e afetaram as receitas negativamente. Nos primeiros dez meses deste ano, segundo dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CeCafé), foram exportadas menos de 22,5 milhões de sacas, quase 5,0 milhões a menos do que no mesmo período de 2011, numa queda de 18%. Com a redução de 10,6% nos preços médios de exportação, na mesma comparação, os valores exportados caíram 26,8%, para menos de US$ 5,2 bilhões.
No ano calendário, aponta Guilherme Braga, presidente do CeCafé, espera-se que os exportadores consigam despachar 28,5 milhões de sacas para o mercado externo, quase 15% abaixo do resultado colhido nos 12 meses de 2011. Em valores, as perdas serão mais expressivas, situando-se em torno de 24%, já que as exportações tendem a baixar para US$ 6,5 bilhões a US$ 6,6 bilhões, diante de cotações médias mais baixas.
O fluxo de oferta do café, a despeito da safra mais gorda, foi afetado pelo atraso na colheita, no preparo e beneficiamento do grão e apenas começou a se normalizar a partir da segunda metade de outubro. “Em grande parte, a queda nas exportações tem origem no baixo desempenho do primeiro semestre ou, visto de outra forma, no crescimento acelerado registrado na primeira metade do ano passado”, argumenta Braga. De fato, nos primeiros seis meses de 2011, os embarques alcançaram 16,4 milhões de sacas, recuando 23%, para 12,6 milhões em igual intervalo deste ano.
Neste segundo semestre, o CeCafé projeta vendas de 15,5 milhões a 16 milhões de sacas, entre 10% e 7% menores do que nos mesmos seis meses de 2011, numa perda menos intensa do que aquela observada entre janeiro e junho deste ano. Mas, certamente haverá sobras para turbinar as exportações em 2013, pois os produtores, capitalizados pelos bons resultados obtidos nas últimas safras, não demonstraram, neste ano, grande disposição para vender sua produção, reforça Edilson Alcântara, diretor do Departamento de Café do Mapa. “Capitalizado, o produtor passou a depender menos da venda de sua produção para financiar tratos culturais”, diz Braga.
Colheita aumenta em áreas de plantio cada vez menores
Por De Goiânia
A cafeicultura talvez seja o único setor dentro da agricultura a conseguir ampliar fortemente sua produção, ao mesmo tempo em que opera uma redução na área reservada aos cafezais, resultado da incorporação de variedades mais produtivas, desenvolvidas pela pesquisa brasileira, da aplicação de práticas mais adequadas de manejo e tratos culturais.
As estatísticas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostram que a produção saiu de 31,30 milhões para 50,48 milhões de sacas entre os ciclos de 2001/02 e 2012/13, num incremento de 61,3%. A área plantada, ao contrário, sofreu perda de quase 6%, baixando de 2,179 milhões para 2,056 milhões de hectares. Essa queda, na verdade, foi até mais acentuada, já que o setor chegou a cultivar 2,311 milhões de hectares em 2002/03.
Uma rede de pesquisas liderada pela Embrapa Café, com a participação de quatro dezenas de instituições de estudos, planejamento e extensão rural, observa Edilson Alcântara, diretor do Departamento do Café, alcançou, entre outros feitos, um aumento de praticamente 71% na produtividade média dos cafezais. O rendimento por hectare deverá atingir 24,55 sacas nesta safra, quase dez sacas a mais do que as 14,36 colhidas em 2001/02.
No planejamento estratégico desenhado pelo Mapa para o setor cafeeiro, o consumo mundial deverá crescer de 135 milhões a 139 milhões de sacas em 2010 para 157 milhões a 164 milhões em 2015. “Para o Brasil preservar sua fatia em torno de 35% no cenário mundial, a produtividade poderá crescer para 28 sacas por hectare, apenas com o emprego de tecnologia, manejo e capacitação de pessoal, com investimentos em renovação dos cafezais e o uso de variedades com bianualidade reduzida, já desenvolvidas pela Embrapa “, diz.
A variação bianual da produção, característica da cultura, vem sendo amenizada gradativamente, com uso de irrigação e investimentos em genética. Presidente do CeCafé, Guilherme Braga lembra que a queda na produção entre duas safras consecutivas já foi de quase 30% no passado. “Hoje, essa diferença está em 10% ou no máximo 15%.” Na comparação entre os ciclos 2010/11, quando o país colheu 48,1 milhões de sacas, e 2011/12, com a colheita de 43,5 milhões de sacas, a perda relativa ficou em menos de 10%. Mas foi de 40,6% entre as safras 2002/03 e 2003/04.
A produtividade alcançada pelo cafeicultor varia de região para região. É mais alta nas produções de conillon (robusta), concentradas no Espírito Santo, onde se chega a colher 120 sacas a 140 sacas, cita Nathan Herszkowicz, diretor da Abic. Mas essa é uma variedade mais rústica, que exige menos tratos culturais, acrescenta Braga. No caso do café arábica, que responde por 65% do consumo mundial, o rendimento pode atingir 70 sacas a 80 sacas, a exemplo do que ocorre nos cerrados da Bahia.
A parcela mais moderna do parque cafeeiro do país, entusiasma-se Braga, está instalada nos platôs do oeste baiano. As condições do terreno, plano a perder de vista, e a boa disponibilidade de água, combinadas com o uso de pivôs centrais, variedades mais avançadas, espaçamento recomendado entre as covas e a mecanização intensiva, afirma, sustentam a moderna cafeicultura desenvolvida na região. Com alta produtividade, num exemplo, a região de Luis Eduardo Magalhães registra o custo operacional médio mais baixo do país, em torno de R$ 253 por saca produzida, segundo dados da Conab.
Para valorizar a produção brasileira, Edilson Alcântara, do Mapa, defende a implementação do planejamento estratégico definido em conjunto com o setor privado. “O país sempre vendeu a commodity lá fora, mas nunca vendeu a marca café do Brasil”, argumenta. Entre outras metas, o plano estabelecido prevê a valorização da qualidade, da diversidade de sabores e da sustentabilidade da cafeicultura. “O preço do nosso café não pode ser ditado pela Bolsa de Nova York. No longo prazo, com o recuo da produção na Colômbia, México, Guatemala, Costa Rica, que enfrentam dificuldades de clima, mão de obra e pragas, o Brasil terá cada vez mais condições de influenciar a formação dos preços internacionais do grão”, aposta Alcântara. (LVF)