Artigo: A transformação do ecossistema na visão do produtor

07/12/2006 15:12:57 –

Por: ClicKNews

* Vânia Beatriz Oliveira


As questões ambientais são consideradas como um dos mais importantes tópicos a ser abordado em programas de divulgação cientifica. Freqüentemente a mídia trata as questões de degradação ambiental, colocando o homem do campo como o grande vilão. Em estudo sobre reprodução social, alguns depoimentos revelaram as representações sociais de meio ambiente dos agricultores familiares que migraram para Nova União – RO.


No contexto histórico da colonização que trouxe para Rondônia milhares de migrantes, na floresta densa, à medida em que a fronteira agrícola avançou, ocorreu elevado índice de desmatamento da cobertura vegetal nativa, principalmente pela atividade pecuária que demanda grandes áreas de pastagens. Em 1995, Nova União registrava um índice de desmatamento de 80,05% o que corrobora a percepção de que a maioria das propriedades já ultrapassou o limite de desmatamento permitido por Lei.
Os prejuízos ambientais causados pelo desmatamento da Amazônia é um assunto que desperta preocupação e debates, polarizando argumentos desenvolvimentistas e conservacionistas. Os agricultores também não se furtaram a essa discussão: enquanto uns revelaram certa preocupação com a preservação/conservação do ambiente natural, outros vêem nas coibições legais, uma barreira as suas condições de produção.


A esse respeito, um colono pioneiro, declarou:

“o meu plano era chegar aqui , arrumar uma terra boa, igual eu achei, trabalhar individual, braçal. Agora hoje não tem mais jeito, porque ninguém pode ter uma fumaça no quintal. Não tem liberdade a gente no sítio. Queima meio hectare e planta arroz a multa é em cima de todo o tanto de área, tanto faz queimar meio alqueire ou 1 hectare, é criminoso! … Dizem que o futuro da Agricultura tá no pequeno , mas como é que o cara vai trabalhar na agricultura? um saco de arroz vai ficar na base de 35 real, a não ser com o fogo. E quanto vale um saco de arroz?”.


As multas, porém, não freiam as derrubadas. “Dizem que não pode derrubar, mas eu vou derrubar assim mesmo”, afirmou um produtor de mais de 60 anos de idade, originário do Espírito Santo, proprietário de 96 ha, dos quais 29 ha de pasto,com 90 cabeças de gado e 48 ha de mata. É uma parte dessa mata que ele derrubaria para formar novo pasto. Um outro produtor, também capixaba, relacionou sua disposição em preservar a sua mata, à lembrança da outrora exuberante Mata Atlântica, que foi praticamente exterminada. Em seu lote de 96 ha, além da reserva legal, ele preservou dois hectares de mata próximo à residência, o que permite, à caminho da roça, desfrutar de um refúgio de temperatura amena.


A limitação das condições de trabalho é percebida, também, pelos colonos novos. A declaração de “Didi”, cearense, há 11 anos na Linha 44, fornece elementos interessantes para refletir a questão :


“… Antigamente o povo podia trabalhar, principalmente em área de mata que era mais fácil. Ai hoje já tem essa preocupação por um lado com o desmatamento, que é um caso sério … hoje em dia se tem aí uma área de capoeira, a gente pula a área de capoeira e vai para a mata ,que é mais fácil. Se você derruba, se você vai formar café você vai usar aquilo por cinco anos . Se você botar o capim na cinza, vira quiçaça de novo, quer dizer, eu acho que na caminhada que vai, isso aqui vai virar uma bacia leiteira, gado de leite e corte, não tem erro não!…”.


“… quem plantar café novo aqui e não irrigar, não vai ter… quer dizer, não é mais aquela Rondônia de antigamente, não se sabe se é o clima… mas, essa camada de ozônio que está o buraco lá em cima, não é nós aqui embaixo que faz isso não! Você queimar uma área de terra pra fazer uma roça é uma coisa, um fazendeiro derrubar 600 alqueires, igual derruba aí todo ano, é outra. E esse negócio… Deus quando fez o mundo, a natureza é sábia, nós é que somos uma cambada de tontos… à distância que tem daqui até a camada de ozônio, tem como ela se transformar e não acontecer nada lá pra cima. O que está estragando lá em cima é esse raio de foguete que o pessoal solta lá pra cima, é avião toda hora derramando gás carbônico (sic) , está entendendo? Não é nada aqui da terra que está afetando lá em cima. Imagine quantas linhas internacional tem aí há nove mil metros de altura, jogando direto lá em cima? . E Deus quando fez a terra já deixou essa distância daqui pra lá, foi para que o que acontecer aqui a natureza transformar. Mas só sai na televisão que … ( a Globo mostra aí, direto) desmatou não sei quantos campos de futebol , e não mostra a solução”.

“…Tem que ter é um movimento de conscientização, porque a maioria que está estragando o que tem aí, na maioria das vezes é por falta de conhecimento. Geralmente o homem do campo é tudo analfabeto! E cara analfabeto quer lá saber de nada, ele quer é comer! Mas ainda não é ele quem estraga não, quem estraga é quem derruba grandes áreas!


Essas declarações são reveladoras do contraste que permeia a questão da preservação ambiental e fornece pistas para a pesquisa a ser desenvolvida pela Embrapa Rondônia, bem como remete à indispensável necessidade de incorporar as restrições e oportunidades ambientais e econômicas, em suas respectivas políticas, para que se promovam ações que possam tornar mais sustentável o processo de desenvolvimento.

* Vânia Beatriz Oliveira – Pesquisadora da Embrapa Rondônia

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