Agronegócio é favorecido por rolagem bilionária de dívidas

25 de janeiro de 2009 | Sem comentários Análise de Mercado Mercado
Por: 23/01/2009 11:01:04 - Sonoticias - Agronoticias

Repórter Brasil


Seja qual for o tamanho da safra ou a cotação das commodities agrícolas, praticamente não há virada de ano sem renegociação das dívidas agrícolas. O governo publicou uma medida provisória (MP 432/2008) em maio de 2008 para tratar das reivindicações ruralistas. A ajuda possibilitaria, segundo cálculos do governo, a rolagem de cerca de R$ 75 bilhões – valor total do conjunto inicial de recursos liberados para tentar conter a crise econômica, anunciada pelo Planalto em outubro passado.


Na época das negociações que resultaram na MP, de acordo com o Ministério da Fazenda, a dívida total alcançava R$ 87 bilhões, sem contar as dívidas de custeio da safra 2007/2008 e os investimentos desde a safra 2006/07. Desse total, R$ 74 bilhões (85%) recaíam sobre o agronegócio e R$ 13,4 bilhões sobre produtores familiares. São muitas as categorias diferentes de dívidas acumuladas pelos produtores agropecuários ao longo das últimas décadas.


Só em débitos antigos contratados nos idos de 1980 e 1990, a conta dos ruralistas chega a R$ 27,38 bilhões – R$ 14,43 bilhões do Programa Especial de Saneamento de Ativos (Pesa), criado em 1989 para atender devedores de mais de R$ 200 mil, com alto índice de inadimplência e rolado mais de dez vezes; R$ 10,45 bilhões dos programas Securitização 1 e 2; e cerca de R$ 2,5 bilhões de outras dívidas antigas como Programa de Revitalização do Setor Cooperativo (Recoop), Funcafé, Cacau e Prodecer 1 e 2.


As dívidas de custeio somam mais R$ 10,5 bilhões (R$ 7,3 bilhões do Custeio rural, R$ 3 bilhões do FAT Giro Rural e R$ 158,4 milhões do Proger Custeio) e as de investimento chegam a R$ 17,3 bilhões (R$ 7,7 bilhões do Moderfrota, R$ 4,78 bilhões de outros financiamentos do BNDES, R$ 2,4 bilhões do Finame Especial e R$ 2,48 bilhões nos demais investimentos).


Os fundos constitucionais também financiaram muitos empreendimentos agrícolas que não foram ressarcidos. São R$ 12 bilhões não pagos. O “buraco” total no Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) é de R$ 5,9 bilhões. O desfalque no Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO) e no Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) consiste, respectivamente, em R$ 3,6 bilhões e R$ 2,5 bilhões.


A parcela referente aos produtores agrícolas que está na dívida ativa da União atinge R$ 7,1 bilhões. E como já citado anteriormente, as operações de crédito em aberto da agricultura familiar e da reforma agrária, vinculadas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), não ultrapassam R$ 13,4 bilhões. Não é demais lembrar que 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros vêm dos pequenos produtores.


“A rolagem e anistia aos devedores do Pronaf acaba sendo legitimadora do tratamento geral dado ao setor agrícola. Fazem tudo junto para que o pacote de renegociação seja apresentado à opinião pública como um só”, analisa Guilherme Delgado, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). A unificação das dívidas, complementa, faz com que as diferenças entre os grandes e os pequenos produtores sejam camufladas. “Assim, quem quiser aplaudir [a renegociação como um todo], que aplauda. Quem quiser criticar, que critique”, declara. Grande parte da dívida está concentrada em contratos de grandes fazendeiros que devem acima de R$ 200 mil cada um. E a inadimplência entre os pequenos costuma ser menor que entre os grandes.


Guilherme assinala a contradição embutida na renegociação de dívidas diante da conjuntura de recordes econômicos e de produção alcançados na safra 2007/2008. Mesmo com todos os problemas, os ganhos obtidos pelo agronegócio nos últimos anos têm sido bastante significativos. Esse bom desempenho, por mais lucrativo que seja, parece não ser contabilizado na hora das rolagens. Na visão dele, o peso político dos ruralistas como integrantes da base de apoio ao governo Lula – que permite que a capacidade deles de impor a sua agenda seja significativa – é maior que a representação política e econômica real do setor na sociedade como um todo.


“É verdade que o setor agropecuário exportador tem grande importância na balança comercial, mas a sua relevância do ponto de vista do conjunto da economia [para a criação de empregos de qualidade e distribuição de renda, por exemplo] não é tão grande quanto parece”, avalia o pesquisador do Ipea. Esse status de segmento “especial” é histórico – assim como as dívidas, uma tradição desde ciclos passados como o do café – e permanece até hoje. “Criou-se a idéia de que não se faz nada sem os ruralistas”.


O economista sugere que as dívidas dos grandes e dos pequenos produtores, que têm características diferentes, sejam tratadas separadamente. Segundo ele, o agronegócio é beneficiado por vantagens “extraordinárias”. Além dos incentivos oficiais para a produção e a exportação voltados a grandes produtores, há um vácuo de regulação do Estado com relação à grilagem de terras, ao descumprimento de leis ambientais e à exploração de mão-de-obra.


O grande problema dos produtores empresariais está no alto custo do financiamento, sublinha Guilherme. Mudanças tributárias combinadas com um sistema mais eqüitativo de intervenção da política agrária poderiam incentivar a constituição de um fundo de reserva com recursos captados em períodos de bonança para assegurar eventuais quebras de safra, uma vez que a agricultura é uma atividade que envolve riscos naturais. Esse “colchão” já foi proposto na forma do “Fundo Catrástrofe” (confira abaixo as medidas apresentadas pelo Ministério da Agricultura), encaminhado pelo Executivo ao Parlamento, em setembro passado, por meio do Projeto de Lei Complementar (PLP) 374/08, que pretende atrair seguradoras privadas a esse negócio.


Para os pequenos produtores, um dos principais problemas é a dificuldade no escoamento. Proporcionalmente, a renda desse grupo (que tem bem poucos ativos e baixa capacidade de endividamento) está mais comprometida. “O pequeno não tem garantia nenhuma”, frisa, lembrando que o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) já está sendo aplicado há anos, mas não tem o volume nem o raio de ação ampliado (confira abaixo).


A discussão desse tema deveria ser, na opinião do economista do Ipea, mais disseminada de debatida publicamente. Ele observa que a sustentação ao agronegócio faz parte de um pacto conservador entre as elites e tem como pano de fundo um modelo de inserção econômica marcado pela dependência externa com base no setor primário-exportador. “Quais são os custos e os benefícios da opção por esse modelo?”, indaga.


Improvisações
A Secretaria do Tesouro Nacional estima que, entre 2002 a 2005, o governo tenha gasto R$ 15,9 bilhões com financiamentos e equalização de taxas de juros do crédito rural. As despesas com as renegociações das dívidas chegaram durante o mesmo período a R$ 9 bilhões, total dos recursos que o Ministério da Educação (MEC) terá a mais para gastar no orçamento neste ano em comparação com 2008.


No Congresso, as reclamações dos ruralistas continuam. Para ele, as concessões feitas pelo governo federal na MP 432/08 – que contempla cerca de 2,8 milhões de contratos e foi convertida na Lei 11.775/08 em setembro pelo presidente Lula – não são suficientes. O bloco quer mais recursos para a garantia de preços, redução de impostos e subsídios adicionais, diante da dificuldade de financiamento e da alta dos custos. Estimativas dos produtores calculam que a dívida agrícola já bateu em R$ 100 bilhões.


Na opinião de Geraldo Sant´Ana de Camargo Barros, professor da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) e coordenador científico do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), até hoje não houve uma “negociação séria”.


“São sempre improvisações de última hora, com medidas paliativas que apenas postergam o problema para o futuro”, descreve. Ele reconhece que pode até haver alguns produtores que teriam condições de pagar suas dívidas e não o fazem por “má-fé”, mas assegura que a maioria não o faz por “falta de condições concretas”. “A renegociação deve ser feita com base em estudos técnicos, que levem em conta as probabilidades de quedas de preços dos produtos, elevações de preços de insumos, oscilações de produtividade e efeitos climáticos. A partir daí será possível estabelecer plano de repagamento com um risco mínimo pré-estabelecido”, acrescenta.


O professor Geraldo discorda, porém, da idéia de que a sociedade sustenta o agronegócio por meio de benefícios estatais. Ele calcula que, de 1994 a 2005, o aumento da produtividade do agronegócio (incluídos aí pequenos e grandes produtores) permitiu que cerca de R$ 1 trilhão – valor correspondente ao aumento de produção multiplicado pela queda real de preços observados no período – ficasse na sociedade. O valor da terra (que não é renda) foi excluído desse cálculo, justifica o coordenador do Cepea. “Certamente o setor industrial teve e ainda tem maior apoio e proteção pública do que o agronegócio”.


Para consolidar o seguro agrícola no Brasil, o Ministério da Agricultura ainda aguarda a aprovação do projeto de lei complementar (PLP 374/2008) que cria o Fundo de Catástrofe, em substituição ao Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (FESR). Previsões governamentais apontam que o novo fundo, sob formato de consórcio privado e estimulado por subvenção pública, permitirá que as seguradoras aumentem sua cobertura para segmentos em que o risco desestimula a atuação da iniciativa privada. Com isso, espera-se que a oferta de seguros seja elevada e dê conta da demanda crescente. O volume de prêmios pagos pelos seguros rurais saltou nos últimos anos: R$ 88,7 milhões em 2006, R$ 138 milhões em 2007 e, para 2008, estavam previstos R$ 160 milhões no Orçamento da União.


O Fundo Catástrofe, juntamente com as leis já sancionadas que permitiram a subvenção ao prêmio do seguro rural e a abertura do mercado de resseguros brasileiro, deve viabilizar “as condições para tornar atrativos a oferta e a demanda para o seguro agrícola”, nas palavras de Wilson Vaz Araújo, diretor do Departamento de Economia Agrícola da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Sob responsabilidade do deputado federal Moacir Micheletto (PMDB-PR) na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara, a matéria ainda precisará ser aprovada nas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição, Justiça e Cidadania antes de chegar ao plenário.


“Além disso, o Ministério realiza levantamentos de riscos agroclimatológicos que definem os períodos apropriados para os ciclos produtivos de diversas culturas e trabalha na dinamização de mecanismos de proteção de preços”, completa o representante da pasta. Para Wilson, o ponto sensível da produção agrícola brasileira é a dependência da importação de fertilizantes, que chega a cerca de 70% da demanda interna. “Algumas culturas respondem por até 50% dos custos de produção. A oferta mundial desse insumo é concentrada e, além disso, a produção interna é limitada e responde por cerca de 35% da demanda dos brasileiros”, adiciona o diretor do Mapa.


O secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Daniel Maia, também espera que a consolidação do seguro agrícola ajude a dar mais segurança e aumentar a capacidade produtiva dos produtores familiares. Ele lembra, contudo, que os instrumentos previstos – que incluem ainda a garantia do custeio e de investimentos e a política de preços – não devem trazer resultados “de um dia para outro”.


Sobre a possibilidade de que o socorro aos pequenos esteja servindo para justificar a rolagem das dívidas maiores dos grandes, Daniel afirma que o funcionamento do seguro poderá inclusive fazer uma separação entre os devedores que estão mesmo em apuros e os pretensos aproveitadores. Com a aplicação da política a produtores em geral, haverá, segundo ele, menos espaço para quem, mesmo dispondo de recursos, se vale das sucessivas renegociações para não cumprir com suas obrigações.


A comercialização continua sendo um gargalo. Dos R$ 132,7 milhões previstos para a ação e operacionalização do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), R$ 1 milhão foi executado, ou seja, apenas 0,75%. Em parceria com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o MDA mantém o Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar (PGPAF).


Daniel destaca que, apesar das especificidades de cada pasta, o entrosamento existente entre o MDA e o Mapa é essencial para garantir o abastecimento do país. O governo aposta no Programa Mais Alimentos, que busca resultados econômicos (evitando que se repita a alta de preços de alimentos ocorrida no ano passado) por meio do incentivo à produção de alimentos. “Existe mercado para a pequena e a grande produção”, completa o secretário-executivo. “Se reduzirmos as vulnerabilidades, poderemos ganhar em produtividade. A agricultura familiar tem ainda um espaço muito grande para crescer”.


“Ainda que as diferentes necessidades de cada grupo de produtor exijam um elenco de políticas públicas de apoio em dimensão diferente, a integração destes grupos de produtores já ocorre quando estes comercializam suas produções, cujo mercado não segrega a origem do produto”, completa Sílvio Farnese, coordenador-geral de Cereais e Culturas Anuais do Mapa.
 

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