Por Dante D. G. Scolari
Engenheiro agrônomo e economista, ex-diretor da Embrapa, é assessor do presidente da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados
O Brasil possui grande competitividade no agronegócio mundial e responde por 4% do mercado mundial. Em 2005, produziu 115 milhões de toneladas de grãos e 20 milhões de toneladas de carnes. É o maior produtor mundial de café (39%), de suco de laranja ( 29%) e cana-de-açúcar ( 27%) e o segundo maior produtor mundial de soja (30%), carne de frangos (14,5%) e carne bovina (14,7%). As exportações agrícolas têm crescido a taxas anuais de 6%. O Brasil agrícola se modernizou e incorporou profundas inovações tecnológicas. Grande parte do sucesso se deve aos investimentos públicos feitos na formação de recursos humanos especializados, na construção e modernização de bases físicas e laboratórios e no treinamento e formação de milhares de técnicos. O setor privado investiu na instalação de um parque mecanizado de apoio ao desenvolvimento e na abertura de novos mercados. A não incidência de tributação na exportação de produtos agrícolas e a adoção de política cambial de livre flutuação, num momento de grande demanda no mercado internacional, foram importantes catalisadores da inovação no campo e na formação da renda agrícola.
Mas existem problemas: a legislação é inadequada, os modelos de gestão são ineficientes, a maioria dos cientistas trabalha em órgãos públicos, a cultura empresarial predominante não estimula o empreendedorismo tecnológico e os investimentos ainda são majoritariamente públicos, reduzidos e descontínuos. O país investe pouco em pesquisa e desenvolvimento: o setor público investe 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB); as empresas privadas, 0,4%. A Coréia do Norte e os Estados Unidos investem 1,9% e 1,8%, respectivamente. A produção científica nacional cresce 8% ao ano, mas a taxa de inovação tecnológica na indústria não chega a 1%. Essa situação compromete seriamente a competitividade e o país caiu, em 2005, para o 65º lugar no ranking internacional de competitividade.
Os retornos em investimentos em ciência, tecnologia e inovação são elevados. Tome-se a Embrapa, a grande responsável pela inovação tecnológica no agronegócio: os benefícios econômicos em 2004 de uma amostra de 66 tecnologias em uso geradas pela empresa foram de R$ 5,96 bilhões e os impactos gerados pelos lançamentos de cultivares de algodão, arroz, feijão, milho, soja e trigo, estimados sob forma de excedente econômico, foram de R$ 5,7 bilhões, o que soma quase R$ 12 bilhões. Apesar disso, a Embrapa está numa situação muito difícil.
Em 1996 o orçamento real (em valores de 2005) foi de R$ 1,432 bilhão, em 2000 caiu para R$ 1,083 bilhão e em 2005 fechou o ano em R$ 955,5 milhões, redução real de orçamento de R$ 477 milhões e de quase 35% na rubrica pessoal. Em 1966 o orçamento equivalia a 0,33% do PIB do agronegócio (R$ 434,4 bilhões) e em 2005 a relação havia sido reduzida para 0,18%. Em 1996, para cada milhão de reais do PIB se investiam R$ 2,37 em pessoal de pesquisa; em 2004 o investimento foi de R$ 1,28 — redução real de quase 25%. Não houve renovação nem agregação significativa de novos e talentosos cientistas em áreas-chaves para o futuro do agronegócio, principalmente em biotecnologia. A infra-estrutura de pesquisa apresenta nítidos sinais de obsolescência e fadiga tecnológica. Os salários iniciais dos pesquisadores doutores (R$ 4.885) não são competitivos e são menores do que os pagos para um segurança na Assembléia Legislativa do DF (R$ 5.750) ou um perito sem especialização da Polícia Federal (R$ 8.000,00).
O plano atual de cargos e salários é pouco atrativo e as possibilidades de promoções remuneradoras limitadas. A adesão ao fundo de previdência complementar patrocinado pela empresa é inviável, pois as contribuições financeiras individuais são extremamente elevadas. Decisões políticas no passado recente reduziram a mobilidade, a motivação e a eficácia gerencial da instituição. A situação compromete seriamente a capacidade da Embrapa de gerar competitivas soluções tecnológicas. A persistir os desinvestimentos, cientistas e técnicos capacitados, empreendedores e talentosos migrarão para outras organizações que ofertam melhores salários e perspectivas de futuro. Muitos já estão migrando para outros países. Quem perde é o Brasil e os consumidores que terão que pagar mais caro pela comida no futuro próximo.