A criatividade do setor privado para financiar o agronegócio

Por: 19/03/2009 14:03:00 - Conjuntura Econômica

Mauro de Rezende Lopes e Natalie Pacheco Victal de Oliveira


O crédito rural, da Lei 4.829 (5/11/1965), celebra 43 anos. Hoje, as necessidades de crédito na agricultura nada têm a ver com o quadro dos anos 1960. O agronegócio é capital-intensivo; tem um capital fundiário muito diferente; exige máquinas, equipamentos, insumos caros e sofisticados; mudou a estrutura de capital tecnológico, com a agricultura de precisão, etc. O setor triplicou as necessidades de recursos próprios ou de terceiros, imobilizados por seis meses para plantar, seis para comercializar e mais seis para industrializar. Isso sem falar de todo o financiamento a montante e a jusante da produção. O setor sofre influência direta dos preços externos (o país produz cerca de 30% a mais do que consome); depende de uma política agrícola “inteligente”, como os novos instrumentos de comercialização, sem que o governo tenha que comprar produto; e tornou-se refém das políticas macro, de juros e câmbio.


Mesmo sem o apoio do crédito rural clássico, o agro deixou de crescer. De 1967 até hoje, em termos reais, o crédito rural decresceu de R$ 92 bilhões para os atuais R$ 56 bilhões. Enquanto isso, no mesmo período, a produção partiu de 49 milhões de toneladas atingindo hoje 143 milhões: o crédito rural reduziu-se pela metade e a produção agrícola triplicou (2,92 vezes). A principal questão é: como foi possível o aumento da produção com instrumentos do velho crédito rural, tão defasados da realidade da agricultura moderna, tão comprometido com renegociações de dívidas?


As razões estão na criatividade dos agentes de mercado com o notável avanço de novos instrumentos de crédito. No início havia a “Soja Verde”, venda antecipada feita pelo produtor para financiar o custeio agrícola. Essa forma não vingou: essa modalidade era similar ao “mercado a termo”, algo arriscado por não garantir a entrega do produto (razão pela qual foram criados os mercados futuros).


Os novos instrumentos avançaram com a Cédula de Produto Rural (CPR), de liquidação física, um título representativo de promessa de entrega do produto que permite ao emissor, o produtor rural, a venda antecipada do seu produto para entrega futura. Esse sistema era mais seguro devido à necessidade de sua inscrição em Cartório de Registro de Imóveis, de terem o certificado Cetip ou registrados na BM&F. A CPR com liquidação financeira (CPRF) veio logo a seguir; um novo grande avanço.


A CPRF — criada na Lei 10.200/2001 — permitia a negociação desse ativo no mercado financeiro, especialmente em função de restrições e dificuldades por parte de investidores, fundos de investimento e entidades de previdência privada complementar, de operarem no físico. A partir da CPRF ampliou-se enormemente a base de investidores potenciais no agronegócio, que passou a ter acesso direto ao mercado financeiro.


As CPRs avançaram em novas modalidades. Além daquelas de liquidação física e financeira, as CPRs passaram a ser liquidadas mediante emissão e negociação de novos títulos: o CDA, o Certificado de Depósito Agropecuário, e o WA, o Warrant Agropecuário, emitidos por armazéns certificados, a pedido do produtor, para livre negociação no mercado. Esses títulos permitiram a extensão do financiamento original da produção até o período de armazenamento e comercialização do produto. Na prática, o alcance das CPRs foi ampliado para o financiamento até o processamento industrial.


No momento em que a cédula passa a ter um status de ativo financeiro, o avanço representado por esse novo instrumento pode ser visto pelos resultados alcançados. Os produtos que exibem os maiores estoques de CPRs registradas na BM&F–Bovespa são bovinos, café e soja. Em conjunto esses produtos representam mais de 50% das operações registradas com CPR Financeira.


No caso da CPR com liquidação física a predominância é do café. Cinco produtos têm a maior participação nas CPRs registradas na CETIP: soja, café, feijão anão, açúcar e arroz. O volume de operações revolucionou o financiamento das safras.


Forte crescimento


A emissão das CPRs substituiu grande parte dos recursos destinados pelo crédito oficial para o financiamento rural. O que impressiona é o crescimento das operações realizadas com as CPRs em termos de valor. De 2003 até 2008, o volume de CPRs registradas na BM&F-Bovespa aumentou de R$ 133,4 milhões para R$ 636,6 milhões (aumento de 4,8 vezes). As CPRs registradas na CETIP cresceram em volume de R$ 365,6 milhões em 2003, para R$ 1,6 bilhão em 2008. O valor total de negociação de CPRs quadruplicou (4,3 vezes) em cinco anos.


Foram criados ainda novos instrumentos: o CDCA, o LCA, o CRA, o CDA e o WA. O CDCA (Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio) é um título emitido, com lastro em uma CPRF, por produtores, cooperativas, empresas de beneficiamento, comercialização, industrialização, venda de insumos, máquinas e equipamentos. É instrumento de financiamento para atividades complementares do agronegócio, através da captação direta de recursos junto a investidores no mercado financeiro. Um antigo anseio do setor rural: ter acesso direto aos mercados financeiros e aos investidores.


O LCA (Letra de Crédito do Agronegócio) é um título de crédito emitido por bancos, cooperativas de crédito, instituições financeiras para financiar diretamente a agricultura. São fontes de recursos fora dos sistemas rígidos do crédito rural, das exigibilidades, recursos obrigatórios, próprios livres, etc. São instrumentos muito mais flexíveis.


O CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) é emitido por companhias securitizadoras de direitos creditórios do agronegócio. São úteis para cooperativas com grandes volumes de recebíveis (créditos a receber), de compradores, de cooperados que compraram insumos, etc. Os certificados podem ser negociados no mercado financeiro.


O CDA (Certificado de Depósito Agropecuário) garante a propriedade da mercadoria recebida em depósito. O WA (Warrant Agropecuário) dá o direito de penhor para a negociação como lastro em empréstimos e uma grande flexibilidade de negociação. Os dois títulos são versões modernas dos que existiam na Lei de Armazéns Gerais de 1903, hoje, porém, com enorme flexibilidade.


Os números falam muito melhor do sucesso destes instrumentos do que quaisquer palavras. O quadro abaixo resume o crescimento do uso dos instrumentos.


No caso do CDCA, em quatro anos, o número de registros passou de 25 para 799 e o volume negociado passou de R$ 28 milhões para R$ 1,6 bilhão. Os registros do LCA cresceram de 148 para 6.038 e o valor passou de R$ 168 milhões para R$ 28 bilhões. O valor total negociado apenas com estes dois títulos passou nos últimos anos de R$ 196 milhões para R$ 29,6 bilhões. No período todo foram negociados com esses dois títulos R$ 36,5 bilhões – um crescimento extraordinário.


Quanto ao CDA e o WA não se tem informação em termos de valores, mas o crescimento do número de títulos emitidos não é menos espantoso.


O número de CDAs e WAs emitidos cresceu de 22 no ano de lançamento do título em 2005 para 1.781 em 2008. Deste a criação do CDA e do WA foram emitidos títulos no montante total de 4.893 registros.


Não restam dúvidas de que o setor privado encontra formas de financiamento da agricultura infinitamente mais ágeis do que o pesado Sistema de Crédito Rural do qual herdamos uma pesada dívida agrícola. Novos títulos estão sendo desenhados e concebidos. Não há dúvida pelo registro do que ocorreu até agora que serão muito bem sucedidos. Esses mecanismos de mobilização de recursos nos mercados financeiros, sem intermediação do Estado, estão sendo primordiais para o notável crescimento do agronegócio, no momento em que há um “apagão de crédito” (privado e público).


De 1967 até hoje, em termos reais, o crédito rural decresceu de R$ 92 bilhões para os atuais R$ 56 bilhões.


Respectivamente pesquisador e Membro do Conselho Consultivo do IBRE/FGV e bolsista do CNPq (PIBIC).

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