Com sabor de lucro
por Paula Pacheco
O hábito de tomar um cafezinho é antigo. O que tem mudado nos últimos tempos é o gosto pela boa bebida, com características marcantes quanto ao aroma e ao sabor. Depois do coador de pano, começa a ficar para trás a tradição brasileira de exportar os melhores grãos e deixar para o mercado interno os grãos bem menos nobres. A indústria, de uns tempos para cá, passou a perceber que no País também há um público interessado em ir além do copo americano da padaria e disposto a freqüentar casas de café em busca de novidades. Um nicho que quer saber da moda? Não é o que pensa quem atua no setor.
Essa é uma indústria que tem passado por bons momentos. A cotação do café no mercado internacional andou em alta, a produção brasileira cresceu e o consumo interno também está em expansão. A reboque dessa fase favorável, proliferam lojas especializadas em servir cafezinhos de diferentes origens, tirados por profissionais especializados, os chamados baristas.
Esse é um negócio que não atrai apenas os tradicionais fazendeiros. O ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, produtor do café Otávio, vai em breve inaugurar uma cafeteria na capital. Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, é dono do Café Rubro, no Rio. Roberto Irineu Marinho, herdeiro da Globo, é produtor de café na Fazenda Sertãozinho, no Sul de Minas Gerais – estado que detém 50% da área cultivada no País, seguido pelo Espírito Santo (25%) e São Paulo (10%).
Sinal de que o Brasil entrou no mapa dos apreciadores de café, além da multiplicação das casas do gênero: o interesse estrangeiro por esse tipo de negócio. Em dezembro foi aberta em São Paulo a primeira loja da rede norte-americana Starbucks (leia reportagem do Observer na edição impressa).
O consumidor nativo, encantado pelas novidades de fora, rapidamente concordou em esperar por mais de meia hora na fila para tomar café no copo, de canudinho. Apesar de um marketing sustentado na variedade de cafés, a maior parte da receita da empresa no mundo vem de outros produtos, como drinques e comidinhas. Quem também colocou os pés no segmento foi a Nestlé, que acaba de inaugurar na capital paulista o Nespresso. Ao contrário do que se vê em outros países, por aqui o cafezinho para os visitantes não é de graça. A multinacional suíça quer com esse tipo de negócio aquecer a venda de sachês de pós para o preparo da bebida em casa. O setor dá como certa a entrada de outros competidores internacionais. É o caso da Illycaffè, da Lavazza e da Segafredo.
Além da expansão do mercado brasileiro, outro fator tem colaborado para colocar o País nos planos dos estrangeiros. Em países como a Alemanha a bebida já não tem a popularidade de antes. Enquanto isso, por aqui, as vendas só crescem. De 2005 para 2006, o consumo per capita de café cresceu 3,9%. O brasileiro bebe cerca de 70 litros por ano. A previsão para este ano, segundo a Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), é que as vendas no mercado interno cresçam 6%.
De acordo com pesquisa encomendada pela Abic à TNS/InterScience, o café é a segunda bebida na preferência do brasileiro, atrás apenas da água. Atualmente, os grãos especiais/gourmets respondem por cerca de 5% do total das vendas no País e a expectativa da associação é que nos próximos anos se chegue a 15%. Isso pode ocorrer apesar de os entendidos apostarem que não haverá uma grande adesão a esse tipo de bebida no consumo doméstico, apenas nas casas de café e nos restaurantes.
A produção de café ainda está nas mãos de brasileiros, mas nas prateleiras, apesar de esse ser um mercado muito pulverizado, com centenas de marcas, são as estrangeiras que mandam. Só a americana Sara Lee é dona do Café do Ponto, Pilão, Caboclo, Seleto e União.
Em janeiro aconteceu a final do Cup of Excellence, principal concurso brasileiro no setor. O lote vencedor, com 21 sacas, do produtor Cícero Viegas Cavalcanti de Albuquerque, foi arrematado pela japonesa Maruyama Coffee por 36,667 mil dólares (ou 3,8 mil reais a saca). Os volumes são pequenos e servem, segundo Washington Rodrigues, do Café Ipanema (única marca brasileira comprada pela Starbucks), como um marketing para as empresas, que vendem os produtos nas lojas sob o apelo de “a melhor bebida” de determinado país. “Essas compras normalmente são feitas dentro da verba de marketing”, explica o executivo, que exporta quase 90% da produção, para mercados que vão da Espanha, passando pela Rússia e Austrália.
Rodrigues lembra que o crescimento do mercado de cafés especiais dependerá não apenas do desenvolvimento de um novo hábito entre os brasileiros, mas também da renda, já que a diferença de preço entre o produto tradicional e o sofisticado é grande. Enquanto o tradicional custa por volta de 9,20 reais o quilo, o do tipo gourmet não sai por menos de 32 reais. “Mas na hora de tomar um cafezinho na rua, o consumidor não vai se privar de uma bebida melhor por causa de uma diferença de 50 centavos”, diz o executivo do Ipanema.
Como o poder aquisitivo é um dos principais inibidores para que o brasileiro faça uma migração mais acelerada para os cafés especiais, os fabricantes dos pós mais baratos têm sido pressionados a melhorar a qualidade do que colocam nas prateleiras dos supermercados. A Abic criou, em 2004, o Programa de Qualidade do Café (PQC), que faz uma série de exigências antes de conceder um selo de classificação da bebida. Das 450 indústrias associadas à entidade, 180 estão certificadas. Nathan Herszkowicz, presidente da Abic, acredita que neste ano o número deverá subir para 300 certificados: “Esses produtos costumam custar 15% mais do que os outros”.
Apesar das exigências da Abic, há quem acredite que mesmo os certificados ainda têm muita brecha para não chegar a um café premium. Segundo Marco Suplicy, dono de quatro casas do Café Suplicy, de São Paulo, que faz parte da Associação Brasileira dos Cafés Especiais (ABSCA), falta no Brasil uma regulamentação única para a bebida. Hoje, lembra, qualquer um pode colocar na embalagem que o café é gourmet, especial ou do tipo exportação.
O empresário (a quarta geração da família que carrega a tradição cafeeira) resume o atual momento: “O produtor brasileiro vem investindo nos últimos anos na adequação do café às exigências do mercado internacional. O consumidor ganhou isso a reboque”, avalia Suplicy.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/edicoes/2007/02/430/com-sabor-de-lucro/?searchterm=café