Só um alfajor para apaziguar os vizinhos
Para a maioria dos consumidores, alfajor não é exatamente um produto de primeira necessidade pelos qual valesse levantar-se da cama no meio da noite, mas isso não se aplica se a cidade em questão for Mar del Plata. Já no hall do aeroporto do balneário argentino, há uma lojinha da marca Havanna aberta até a meia-noite, assim como à caminho do centro está um supermercado da Havanna, com todas as variedades recheadas de doce de leite à disposição do público 24 horas.
Na Argentina, quiosques solitários perdidos no meio de ruas escuras vendem o essencial: cigarros e uma dúzia de marcas de alfajores. Crianças trazem na lancheira um alfajor, assim como executivos comem o biscoito recheado de doce de leite por Buenos Aires em substituição ao almoço.
O mercado de alfajores em Mar del Plata, onde a marca Havanna foi criada em 1947, é ferozmente disputado hoje. Num dos principais cruzamentos da cidade, o neon gigante desta pioneira, convive com uma vaca feita em polietileno da marca Milka, que lembra que o conglomerado Kraft também investe na bolachinha recheada. A escultura também fica próxima da fábrica dos alfajores Terrabusi, outra marca da Kraft.
Assim como a carne, o couro e a lã, o alfajor se tornou uma instituição no país. Ele sobrevive a crises econômicas e à dieta rigorosa das argentinas (rivaliza apenas com as barrinhas de cereais), além de ter potencial para exportação. À diferença das commodities, entretanto, a imagem dos docinhos vem muito associada a uma marca específica, devidamente embalada no papel prateado e dourado dos alfajores Havanna.
Sempre foi uma dúvida dos brasileiros que retornavam da capital Argentina com as sacolinhas verdes da marca na mão – a loja do aeroporto de Ezeiza tem uma venda de sete milhões de unidades ao ano – por que a empresa não estava no país. “Até então não havíamos encontrado parceiros estruturados para nos estabelecer no Brasil de forma sólida”, diz Alberto Osório, diretor geral da Havanna.
A empresa que já tem 17 cafés no Chile e cinco Paraguai, inaugura até o final de junho um quiosque de oito metros quadrados no shopping Iguatemi e, no dia 27, o primeiro Café Havanna no país, na esquina das ruas Bela Cintra e Tietê, ambos em São Paulo. As duas inaugurações, que devem representar um investimento de R$ 2 milhões, são parte de um plano de 12 meses no qual a Havanna e seu parceiro nacional, a empresa Bright Star Foods, pretende abrir 15 cafés no sul e sudeste do Brasil.
Por quatro anos, a Bright Star Foods, empresa criada pelos empresários Barbara Kern e Marcos Rothemberg – que tem experiência na administração de marcas de perfumes internacionais – negociaram essa parceria. “Existe uma mística ao redor dos produtos da Havanna e acima de tudo há uma oportunidade para o desenvolvimento de cafeterias com ambientes mais interessantes no cenário nacional” diz Barbara.
Em meio às especulações de como será o desembarque da rede de cafeterias americana Starbucks no país, as lojas da Havanna terão um visual interno dramático-tangueiro. O novo modelo de loja – o mesmo do endereço da rua Juramiento, em Buenos Aires – que chegará a São Paulo é definido como “uma biblioteca de alfajores”. É um espaço pequeno, no qual uma iluminação dramática dirige os focos de luz para uma estante de madeira escura onde estão os produtos.
Na Argentina, se encontram alfajores Havanna recheados com frutas e nozes, mas no Brasil virão apenas as bolachas recheadas de doce de leite e musse de chocolate, além dos cones de doce de leite, os Havannets, e os chocolates em si. “Adaptamos o cardápio. Serviremos brigadeiro de doce de leite, milkshake de café e doce de leite e encontramos um fornecedor de pão de miga para oferecer sanduíches ao estilo argentino”, conta Bárbara que aprovou um blend de cafés mineiros exclusivo a ser servido nas lojas brasileiras. “Queremos vender dois milhões de unidades no primeiro ano”, diz ela.
A história do alfajor nasceu em Medina Sidonia, na Andaluzia, quando essa era a capital doceira do mundo árabe. Seu nome vem de “al-hasu”, que em árabe significa “recheado”. Dali passou para “alaju”. Originalmente feito com amêndoas, mel, avelãs e canela, o alaju ganhou a ruas espanholas como “alfajor” e, ao atravessar o Atlântico, teve sua receita reinterpretada. A Havanna, criada por três amigos no final da década de 40, foi a primeira empresa a fabricar a iguaria da maneira como é conhecida por aqui, com doce de leite.
Como um souvenir de Mar del Plata, a Havanna se expandiu nacionalmente na década de 80. Até então, toda vez que alguém viajava à cidade balneária retornava à casa com o porta-malas recheados das bolachinhas para distribuir entre os amigos. Até hoje, Mar del Plata concentra a produção dos alfajores Havanna que mantém a mesma receita “com atualizações necessárias”, explica Juan Ignácio Illa, gerente da fábrica.
Os Havanna são essencialmente feitos com uma massa de farinha, açúcar, ovos e essências de limão e de amêndoas, recheada de doce de leite e coberta de chocolate. Parece simples, ainda mais sabendo que o doce de leite não é fabricado pela Havanna, mas encomendado com um fornecedor e o chocolate vem do Brasil. A diferença é o poder da marca, que permite aos seus alfajores custarem até 20% a mais que os concorrentes. Havanna é a segunda marca mais prestigiosa entre as de guloseimas argentinas – a primeira é Arcor – numa pesquisa recente feita pelo CEOP (Centro de Estúdios de Opinón Pública) com uma mostra de 1220 pessoas no país.
Mesmo em meio à expansão internacional – além do Brasil, a Havanna quer exportar seu modelo de cafés para Venezuela, Bolívia, Peru e já envia doces para “delis” dos Estados Unidos, Espanha e França – a planta da empresa mantém seu esquema mezzo industrial e mezzo artesanal de produção. Cerca de 22 senhoras vestidas com uniformes brancos e blusas de debrum rendado revestem os alfajores com merengue um a um com uma espátula e o processo de embalagem não é totalmente mecanizado. São cerca de 200 funcionários na fábrica, além dos que estão nos 150 cafés da Havanna em toda a Argentina. “Nossa planta é um museu”, avisa Gustavo Sanchez sobre a média de idade de 50 anos dos funcionários.
Originalmente uma empresa familiar, a Havanna foi comprada por US$ 85 milhões em 1998 pelo Exxel Group, fundo de investimentos que adquiriu marcas de prestígio como as operações da Kenzo e Ralph Lauren na América Latina, além da sorveteria Freddo. Com uma gestão empresarial, a Havanna além de vender os mais tradicionais alfajores do país passou a ser conhecida como uma rede de cafeterias. Em novembro de 2003, deficitária, a empresa foi comprada pelo fundo de investimentos Desarollo y Gestión, que sanou suas dívidas. Mesmo assim, só há três anos, a Havanna criou seu departamento de marketing. “Funcionávamos na medida do ‘me parece que”, conta Sanchez.
Os alfajores também sofreram com a grande crise da Argentina, em 2001. Nessa época, Sanchez teve de ir a uma emissora de rádio defender as bolachas recheadas da Havanna pois o público estava certo de que o diâmetro do alfajor havia diminuído. “Foi uma polêmica nacional. Ao final, conseguimos provar que a remodelação do maquinário para fazer alfajores menores nos daria mais prejuízo”, diz o gerente geral da empresa sobre os sete centímetros da bolacha.
Para diretor-geral Alberto Osorio, o alfajor está tão presente na cultura argentina assim como o pão de queijo está para a brasileira – por sinal, os alfajores Havanna já foram temporariamente vendidos na rede Casa do Pão de Queijo, em 1994. E como os consumidores brasileiros receberão essa iguaria argentina? Para Barbara, os alfajores competirão com a Nhá Benta, da Kopenhagen, com a vantagem de que serão vendidos por R$ 4 a unidade e colocados em meio a ambiente caloroso numa versão argentino-chique que muitos brasileiros ainda não conhecem. “Não queremos ser como um enlatado que vem dos Estados Unidos, mas sim recuperar o charme dos cafés argentinos”, diz Osório.