A última semana do mês de maio manteve a trajetória positiva da anterior, permitindo que grande parte dos índices acionários ao redor do mundo encerrasse o mês com ganhos.
Com o início da reabertura de vários países os mercados apostam em uma retomada menos lenta, dado os estímulos fiscais e monetários feitos pelas principais economias do planeta.
Taxas de contaminações mais baixas pelo COVID-19 nos Estados Unidos e Europa também contribuem para o sentimento, enquanto no Brasil nem mesmo o crescimento acentuado dos casos foi suficiente para evitar uma melhora da cotação do Real.
O CRB se manteve acima dos 140 pontos ajudado pelos contratos de prata, gás natural, cacau e o trigo, e dentre as commodities que caíram o café liderou, escorregando 7% em quatro dias.
Na semana encurtada pelo feriado que marca extraoficialmente o início do período de maior risco de geadas no Brasil – na verdade a folga inicia a temporada do verão americano – o arábica negociado em Nova Iorque começou subindo.
Duas noites frias com temperaturas em um dígito em vários municípios produtores brasileiros provocaram uma alta de 350 pontos na sessão de terça-feira, aparentemente impulsionada por uma pequena cobertura de parte dos vendidos.
Como pouco ou quase nada foi atingido e em função do prognostico climático ter mostrado a dissipação da frente fria, o “C” devolveu rapidamente os ganhos e afundou para o menor nível desde outubro de 2019. O robusta em Londres ficou basicamente inalterado comparado à sexta-feira anterior, dia 22.
O panorama para os preços no curto-prazo deve permanecer negativo por algum tempo, já que casa com um aumento de disponibilidade de café da principal origem e uma redução no interesse de compra no destino, este bem abastecido por compras pontuais de segurança e fluxo generoso saindo das origens.
Fora isso há uma percepção de uma produtividade melhor do que imaginada no Brasil, a ser confirmada, mas onde meros 5%, por exemplo, causam uma variação de dois milhões de sacas – não tão desprezíveis em um cenário onde a demanda é uma incógnita.
Falando nisto a agência Bloomberg divulgou um artigo no qual a ABIC, Associação Brasileira da Industria do Café, menciona um perda de 30% da demanda desde março – com o “shutdown” do setor de foodservice (bares, restaurantes, cafeterias, etc.).
Como mencionei em comentários anteriores, é difícil fazer previsões “certeiras” diante de tantas incertezas.
Países consumidores maduros e culturalmente grandes bebedores de café, como por exemplo a Escandinávia e a Alemanha, devem manter o desaparecimento e eventualmente crescer dentro da taxa orgânica, mas outros como França, Itália e Espanha – e muito que concentram encontros, convenções e turismo – provavelmente sofrerão perdas.
Nos dois maiores consumidores mundiais, Estados Unidos e Brasil, imagina-se que o forte desemprego seja impactante.
Com as pessoas em casa, ainda que bebam mais café (seria para compensar também um consumo maior de álcool?), perde-se o consumo do cafezinho gratuito, como os servidos nas estradas brasileiras, nas visitas de cortesia entre amigos/vizinhos e, talvez mais importante, nos escritórios – onde muitos eventualmente nem querem tomar café, mas querem se levantar de suas mesas para socializar na copa com seus colegas.
Preocupante também é o segmento das novas cafeterias, mais hipsters, formidáveis berços onde os jovens ganham o gosto pela bebida, mas neste pode haver um retorno maior quando as universidades reabrirem.
O outro lado da equação, a produção, não teve grandes sustos, seja com a parte logística ou de perdas nas colheitas.
O USDA, em doze estimativas divulgadas nas últimas semanas, apontou uma safra do Brasil em 67.9 milhões de sacas (recorde), na Colômbia em 14.1 milhões, Indonésia em 10.3 milhões, Etiópia em 7.5 milhões, Honduras 6.1 milhões, e Índia 5.31 milhões – para ficar apenas com os que produzem acima de cinco milhões (falta o Vietnã, mas deste ainda não foi publicado).
Há sim números mais baixos esperados para alguns países, mas somados todos (excluindo o Brasil) em 20/21 a produção será 1.5 milhões de sacas maior do que 19/20.
Vale observar que a órgão considera o consumo brasileiro em 23.53 milhões de sacas, acima da percepção geral e deixando um excedente exportável de 44.37 milhões de sacas.
Em resumo, podemos traçar inúmeros cenários, mas dentro dos exercícios que faço para estudar o mercado, assumindo uma safra mundial de 164.5 milhões de sacas para 19/20 e um consumo de 164 milhões de sacas (crescendo 0.5% dos 163.2 milhões de 18/19), o atual ciclo se encerra em equilíbrio. Se em 20/21 a produção pular para 176.2 milhões e o consumo ficar de lado (esperançoso demais?), sobrarão 12.2 milhões de sacas.
Difícil ficar otimista para preço se esta for a realidade, pior ainda se considerarmos um desaparecimento decrescentes.
Como contraponto não se pode deixar de mencionar que apenas o Brasil, a Colômbia, o Vietnã e a Indonésia tem uma cultura cafeeira sustentável nos atuais preços – seja por causa de moedas ou de diferenciais firmes – e ainda que os quatro representem 70% do total produzido, os outros 30% são extremamente necessários para as contas fecharem.
Como mencionei na semana passada, este é meu último relatório que escrevo como colaborador para a Archer Consulting e que é replicado gentilmente por diversos sites e mídias sociais.
A intenção de dividir meus estudos e pensamentos neste espaço foram ao encontro da proposta da Archer em ajudar a difundir informação e mitigar os riscos do mercado com tantas variáveis existentes – obrigado Arnaldo Luiz Corrêa.
Foram mais de onze anos semanalmente destacando informações, dados e percepções que eu achava interessantes compartilhar para promover o debate, e com isso gerando prazerosas conversas com amigos e profissionais, convergentes e divergentes, sobre esta paixão para mim, o café.
Agradeço sinceramente a atenção e minutos prestigiados para lerem estes exercícios que sempre fiz, assim como confesso ser gratificante o carinho recebido de cada leitor.
Manteremos os contatos nos encontros do nosso setor, por WhatsApp e caso queiram via meu e-mail pessoal, rcostasts@yahoo.com.
Fiquem bem, com muita saúde e cautela.
Rodrigo Costa*