Quem são os jovens produtores que estão revolucionando a produção de café no Brasil

Uma revolução está em curso no cafezais brasileiros. Começou há duas décadas, quando o café commodity —cultivado e comercializado em larga escala— passou a ser substituído pelos especiais. Mas nunca se viu tanta inovação e ousadia no campo.

Por: Folha de S.Paulo

11/07/2018 – A colheita deste ano, de maio a agosto, deve se reverter em novidade na xícara do consumidor —a partir de outubro, produtos da safra começam a chegar ao mercado.

Experimentos com fermentação, que eleva a acidez e a complexidade aromática dos grãos, e testes com variedades inéditas no Brasil são as tendências da estação.

A turma por trás dessa transformação tem pouca idade, muito conhecimento e disposição para derrubar dogmas. Filhos, netos, bisnetos e até trinetos de cafeicultores herdaram as propriedades, mas não a maneira dos antepassados de gerenciá-las.

Ao formar-se em agronomia em 2013, Gabriel Nunes, da Nunes Coffee, voltou a Patrocínio (MG), para tocar as três fazendas do pai. Tinha 23 anos quando decidiu testar processos de fermentação.

O resultado superou expectativas. Após vencer o concurso internacional Cup of Excellence, em 2017, um lote Nunes Coffee bateu o recorde mundial no leilão de vencedores. Seis sacas foram arrematadas por R$ 55 mil cada, sendo R$ 600 o preço médio de mercado.

Os compradores —duas cafeterias do Japão e duas da Austrália— se encantaram com os grãos de bourbon amarelo que passaram por dupla fermentação.

“Os deixei com casca, em ambiente fechado e sem oxigênio, por 36 horas no meio do mato, onde a temperatura é baixa. Depois, descasquei, fermentei em água por 24 horas e sequei em terreiro suspenso”, relata Nunes.

Ele não tem marca própria. Seus melhores cafés são vendidos verdes (sem torra) para as chamadas cafeterias da terceira onda —pequenos estabelecimentos que funcionam como microtorrefadores. Um dos clientes é a Grassy Spazio Caffè, de Ribeirão Preto (SP).

A fermentação também é central no trabalho de Mariano Martins, 36 anos, da Martins Café. Desde 2007, quando assumiu a Fazenda Santa Margarida, em São Manuel (SP), ele testa diferentes métodos.

Começou de forma rústica, mergulhando grãos em tanques de tijolos, até chegar ao novo biolaboratório, que custou R$ 50 mil. “É crescente a demanda por cafés de potência aromática intensa, florais e frutados”, afirma Martins.

A maior parte da produção dele é vendida para cafeterias estrangeiras —mas o brasileiro terá acesso às novidades. “Os cafés serão identificados pelo padrão frutado, para que as pessoas possam escolher a nota predominante.

Na Fazenda Ambiental Fortaleza, em Mococa (SP), fundada em 1850, a novidade vem na forma de novas variedades de café. Formado em relações internacionais, o herdeiro Felipe Croce, 30, está testando 70 cultivares, entre eles o Pacamara, de El Salvador, e o Geisha, originário da Etiópia. “Dentro de cinco ou seis anos, o brasileiro vai beber cafés nunca vistos por aqui.”

Croce também se dedica à plataforma Isso é Café, na qual comercializa produtos de 100 agricultores familiares de quatro regiões: Mogiana, Serra da Mantiqueira, Serra do Caparaó e Montanhas Capixabas.

Todos seguem as mesmas diretrizes ambientais: os pés crescem no sistema agroflorestal, que combina diversas espécies de plantas em um mesmo terreno em busca de sombreamento e umidade.

Croce não esconde o otimismo em relação à colheita de 2018 – a safra, que foi de pouco mais de 1 tonelada no ano passado, deve ser até 15% maior.

A parceria com pequenos produtores também está na raiz da Wolff Café. Entre 2008 e 2014, o goiano Hugo Wolff, 35, até chegou a tocar lavouras próprias nas fazendas Portal da Serra e Guanabara, em Ibiraci (MG). Mas, há quatro anos, mudou o foco.

No período da colheita, Wolff vive na estrada, visitando propriedades de 50 famílias. Algumas não produzem mais do que três sacas por ano, o que dá 180 quilos.

Várias estão fora das regiões produtoras mais conhecidas e, segundo Wolff, surpreendem pela qualidade. Além de acompanhar de perto os processos durante e após a colheita, ele dá cursos de torra e prova para os cafeicultores. “Muitos produziam cafés especiais sem saber e não ganhavam por isso.

”Há subversão também no meio. Desde março, quem vai às unidades da rede Santo Grão encontra uma curiosidade no menu: o café 0% arábica.

Por trás do nome irônico está o café conilon, uma das variedades da espécie robusta, historicamente considerada o patinho feio da produção cafeeira.  Quem fornece o produto é Lucas Venturim, 36 anos, quinta geração de cafeicultores de São Gabriel da Palha (ES).

A região tem tradição no cultivo desse tipo de grão, que jamais fez parte do universo dos cafés especiais. Mas Venturim não se conformou em atuar na segunda divisão.

“O preconceito contra o robusta tem razão de ser, porque 99% da produção brasileira sempre foi de baixa qualidade. O que fiz a partir de 2007, quando assumi a Fazenda Venturim, foi trazer para o robusta as tecnologias que permitiram o avanço do café arábica.

”Em 11 anos, Venturim tornou-se referência no assunto. “Já recebemos delegações da Colômbia, Vietnã e Uganda, conhecidos pela qualidade do robusta”, orgulha-se.

Convencer o consumidor, ele diz, tem sido a parte mais difícil – além de vender os cafés com a marca própria pelo ecommerce, Venturim dedica-se a ampliar os canais de distribuição.

“O consumidor acredita que só o café arábica é bom. A própria rede Santo Grão levou quase um ano para tomar coragem de lançá-lo”, desabafa.

Adquirir experiência de mercado foi justamente o que motivou o agrônomo Lucas Franco, 30 anos, a adiar o sonho de assumir o pequeno cafezal da família, em Botelhos (MG).

Tão logo terminou a faculdade, em junho de 2010, ele foi contratado pelas Fazendas Sertãozinho —o grupo, que pertence à família Marinho, é dono da marca Orfeu.

Franco começou como responsável por uma das propriedades, mas seis meses depois foi promovido. Hoje, responde por três fazendas, que somam 948 hectares plantados. A colheita de 2018 deve chegar a 1,2 tonelada de grãos.

Apesar do tamanho da empreitada, Franco tem liberdade para experimentar – no momento, há 27 variedades de café arábica sendo cultivados.

Novidades como o Arara, que ficou entre os 10 melhores no concurso Cup of Excellence em 2017, já são colhidos em escala comercial. Outros estão em teste, como o Sabiá Vermelho, o Sabiá Amarelo e o Guará.

“Vou fazer a primeira colheita de Saíra este ano. É uma variedade promissora”, adianta.

Como todos os produtores que atuam no mercado de cafés especiais, Franco vive de olho nos prêmios – eles funcionam como passaporte para o restrito universo dos coffee geeks. “Quando um lote é premiado, a venda é garantida. É um tipo de consumidor curioso, sempre atrás de novidades.”

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