Por Carine Ferreira | De São Paulo
“Claudio” Não queremos criar problemas para a produção brasileira”, diz Roberto Ferreira Paulo, diretor-executivo da Abics
Após anos na gaveta, a análise de risco necessária para que as empresas de café solúvel que atuam no país possam importar a espécie robusta do Vietnã para compor os blends de suas próprias exportações foi finalmente concluída. Os técnicos responsáveis identificaram o risco de entrada no Brasil de pelo menos uma praga presente no país asiático caso seja oficializada a liberação.
A praga em questão é o besouro Trogoderma granarium, que ataca grãos armazenados e costuma ser bastante resistente a inseticidas e sobreviver longos períodos sem alimento. Não há data definida para que a análise seja publicada no “Diário Oficial da União”, o que depende de uma análise jurídica que ainda não foi concluída e terá de ser para permitir uma eventual aprovação. Mas o aval continua a não depender só de fatores técnicos, já que encontra forte resistência entre os produtores brasileiros – principalmente os do Espírito Santo, que lideram a produção doméstica de robusta.
Bem mais antiga do que o pedido de análise de risco do produto do Vietnã, feito em 2010 pela Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics), a polêmica sobre a possibilidade de as empresas desse segmento fazerem drawback continua inabalável. A Abics sustenta que gostaria de contar com essa opção em momentos de escassez de matéria-prima no Brasil, mas o fato de o país ser o maior produtor e exportador de café do mundo – ainda que sua força seja concentrada na variedade arábica, de melhor qualidade – sempre esvaziou a discussão nesse sentido e manteve a porta fechada.
Mas, como cerca de 85% do café solúvel é composto pela espécie robusta, normalmente de pior qualidade e mais barata que o arábica, a Abics não desiste de pressionar pela liberação da importação de café verde – e o drawback é um mecanismo que conta com isenção de impostos, o que o torna ainda mais atraente do que sugerem as condições de mercado.
Jefé Ribeiro, chefe da divisão de análise de risco de pragas do Ministério da Agricultura, afirma que, caso a importação do produto vietnamita seja aprovada, será recomendada a fumigação dos grãos com produtos químicos na origem, por conta do riso identificado. E, mesmo que a Agricultura libere a importação, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) poderá impor tarifas para “proteger” os produtores do país.
“Não queremos criar problemas para a produção brasileira”, diz Roberto Ferreira Paulo, diretor-executivo da Abics. Ele argumenta, contudo, que, com o drawback, o Brasil poderia ampliar suas exportações de café solúvel, que perderam competitividade nos últimos anos. Segundo Ferreira Paulo, vários países, inclusive produtores de café – como o Equador -, importam matéria-prima para abastecer a indústria de café.
De acordo com Ferreira Paulo, praticamente em todos os anos há insuficiência de matéria-prima para a indústria de solúvel no Brasil. Em 2014, não, mas por causa da desova de estoques. A colheita de robusta deverá alcançar 12,3 milhões de sacas de 60 quilos nesta safra 2014/15 no país, 13,5% mais que em 2013/14, segundo a Conab. Cerca de 3 milhões de sacas são destinadas ao solúvel. O produto também entra em misturas com o arábica em cafés torrados e moídos – o volume pode chegar a 10 milhões de sacas, a depender da disponibilidade – e há exportações do grão verde. Em 2013/14, foram 1,9 milhão de sacas, conforme o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CeCafé).
Por conta da “disputa” sinalizada por essa divisão, o Vietnã não é o único fornecedor de robusta a atrair a atenção das empresas de solúvel do país. A mineira Café Bom Dia, por exemplo, já protocolou pedidos para que sejam realizadas análises de risco dos cafés verdes de Indonésia, Colômbia, Peru e Etiópia, segundo o Ministério da Agricultura. A que envolve o produto da Indonésia está avançada e já foi enviada para consulta da Organização Nacional de Proteção Fitossanitária (ONPF) daquele país.
Segundo Sydney Marques de Paiva, presidente do Café Bom Dia, para a empresa, que produz torrado e moído, é preciso ter acesso a matérias-primas de outros países para atender à demanda de supermercados no exterior por “blends” com cafés de outras origens, não somente do Brasil. Ele acredita que as discussões sobre a importação da commodity ainda vão amadurecer no país. \”Vão entender que é bom, principalmente se a importação for de café de qualidade\”. E reconhece que, no momento, a mobilização em torno do tema é pequena.
Se depender dos cafeicultores, tudo ficará como está. Somos radicalmente contrários\”, diz Silas Brasileiro, presidente do Conselho Nacional do Café (CNC), que representa produtores e cooperativas. Mas Brasileiro afirma que a entidade é favorável a um estudo para avaliar a necessidade de realização de drawback. Na sua opinião, há matéria-prima suficiente para a indústria. “Se a indústria crescer, o país pode aumentar a produção [de robusta] em dois anos”, disse.
De acordo com o dirigente, o drawback poderia desestimular o produtor brasileiro. E uma boa forma de apoiar o segmento de solúvel é avaliar medidas como financiamento para a indústria quando houver desequilíbrio entre os preços doméstico e internacional da matéria-prima, por exemplo.
Apesar de o assunto já ter sido discutido várias vezes em reuniões do Conselho Deliberativo de Política do Café (CDPC), que reúne todos os elos do setor, Brasileiro observa que a Abics até agora não apresentou um projeto convincente sobre a necessidade de realizar o drawback. Já Ferreira Paulo, da Abics, rebate, dizendo que já foram apresentados muitos estudos.
Brasileiro lembra que, no passado, já houve mobilizações de produtores contra a importação. Dados do Mdic mostram que o Brasil fez, até hoje, apenas uma importação pontual de café cru. Foram 21,6 toneladas, em 2005, que podem nem ter tido finalidade comercial.